A santidade e a misericórdia

Textos Base: Levíticos 20.26; Colossenses 1.21-23

Introdução:

O tema deste estudo é interessante e desafiador, como sempre. Mas, o que o cristão tem a ver com palavras como “santo ou santa”, “santidade”, “santificar” e “santificação”, de um lado, e, “misericórdia”, do outro?  Desde o início da história da religião, expressões como “santo” e “sagrado” denotavam, por parte do ser humano, a esfera do “poder” (superior ou divino), o que era considerado por ele, de certa forma, como algo ameaçador e temível. O oposto a “santo” era, e é, o “profano”, ou seja, aquilo que ficava fora do âmbito divino, a esfera da vida humana. Então, as raízes da religião se acham nos esforços despendidos pelo homem para agradar esse poder superior e temível, bem como para separar o que é “santo”, mediante práticas cultuais e rituais, da profanação e contaminação causadas por coisas profanas.

Os gregos empregavam três grupos de palavras diferentes para expressar aquilo que é “santo”: hieros, com seus numerosos derivados, denota aquilo que é essencialmente “santo”, o “poder divino”, ou aquilo que era consagrado àquele – “santuário”, “sacrifício” e “sacerdote”; diferentemente, hagios (o grupo de palavras mais frequente no NT e que vamos abordar aqui) contém um elemento ético; e, hosios, nesta mesma linha, de um lado, indica o mandamento e a providência divinos, do outro, a obrigação e moralidade humanas. Os gregos também empregavam três palavras diferentes para expressar misericórdia, compaixão, dó e “dor no coração”: eleos, oiktirmos e splanchna.

Neste estudo aula vamos examinar a questão da santidade, no Antigo Testamento (AT) e no Novo Testamento (NT), bem como o lugar da misericórdia no plano de Deus. Inicialmente é importante nos familiarizamos com algumas definições. Santo ou santa, como substantivos, se referem a seres e pessoas diferenciados e especiais, que se elevam acima dos demais, bem como a coisas e lugares sagrados ou consagrados ao culto ou à divindade; como adjetivos, se referem a qualidades ou virtudes. Santidade é o estado do que é santo. Santificar é tornar(-se) santo. Santificação é o ato ou efeito de santificar, de tornar(-se) santo. Santuário é o lugar sagrado, santo, dedicado ao culto ou cerimônias de uma religião (templo etc).

Desenvolvimento:

1. A SANTIDADE NO AT

Nossos primeiros pais tiveram contato direto com esse “ser santo”, o poder criador e sustentador de todas as coisas. Ao desobedece-lo, experimentaram seu poder, seu juízo e a separação dele (morte espiritual). No AT percebe-se a intenção explícita de ensinar que o “santo” deve ser tratado diferentemente do “profano”: “para fazerdes diferença entre o santo e o profano e entre o imundo e o limpo” (Lv 10.10; comp. Ez 22.26; 42.20 e 44.23). Algumas vezes, pessoas tiveram que pagar com a vida, por não distinguirem o santo do profano, como no caso dos 70 homens de Bete-Semes, que olharam para dentro da arca do Senhor. “Então, disseram os homens de Bete-Semes: Quem poderia estar perante o SENHOR, este Deus santo? E para quem subirá desde nós?” (1Sm 6.19-20). A relação sexual, no âmbito do casamento, não é imoral ou impura, em si; pelo contrário, é um presente de Deus para o casal. Entretanto, havia o entendimento de que deveria ser evitada, como forma de preparo para se entrar em contato com aquele ou aquilo que é santo (Êx 19.15; 1Sm 21.4).

São mencionados no AT como sendo “santo(s)” ou “santa(s)”:

a) O próprio Deus – “este Deus santo” (1Sm 6.19-20). Também é chamado de o “Santo de Israel” (Is 31.1). Nenhum outro deus é santo como ele (1Sm 2.2). O seu nome era santo e não devia ser pronunciado em vão (Êx 20.7; Lv 20.3).

b) Os seres celestiais são santos (Jó 5.1; Dn 4.13, 23; 8.13).

c) A terra onde se pisa, na presença divina ou celestial é santa (Ex 3.5; Js 5.15). Onde o Senhor habita é santo lugar (Sl 24.3-4).

d) O profeta Eliseu foi identificado, pela sunamita, como “santo homem de Deus” (2Rs 4.9). Arão, foi chamado “o santo do Senhor” (Sl 106.16). Sansão, como “nazireu de Deus”, neste mesmo sentido é santo (Jz 13.7; 16.17; Nm 6.5, 8).

e) O povo de Israel é considerado como o “povo santo ao Senhor”, por ele mesmo escolhido e separado dos demais (Dt 7.6; 14.2, 21; 26.19). Entretanto, nem todos, do povo, eram santos, como Coré, Datã e Abirão tentaram argumentar (Nm 16.3-5). Essa santidade demandava a guarda dos mandamentos e o andar nos caminhos do Senhor (Dt 28.9).

f) Os primogênitos (homem, gado, ovelha, cabra) são santos (Ex 13.2; Nm 18.17).

g) Havia lugares santos (Sl 74.8; Ez 7.24) e montes santos (Sl 87.1).

h) Tudo quanto pertence ao âmbito do culto ou é apresentado a Deus é santo:

  • O santo templo do Senhor (Sl 5.7).
  • O sacerdote é santo (Lv 21.7-8).
  • O pão da proposição do tabernáculo e do templo é chamado de pão sagrado ou santo (1Sm 21.4); bem como os animais e as carnes consagradas (Êx 29.34; Lv 23.20; 27.9-10).
  • A arca, os altares e seus utensílios (2Cr 8.11).
  • O óleo da unção, o incenso, a água santa (Êx 30.32; 30.34-35; Nm 5.17).
  • O dinheiro do templo é santo (Êx 28.2; Ed 8.28).
  • As vestes santas dos sacerdotes (Êx 28.2; 29.29);
  • A lâmina no peitoral do sumo sacerdote, continha a inscrição: “Santidade ao Senhor”.
  • O sábado do descanso e dedicação ao Senhor é santo (Êx 16.23; 31.14-15; 35.2). O jubileu é santo (Lv 25.120.
  • A colheita a ser ofertada ao Senhor é santa (Lv 19.24).
  • O dízimo é santo (Lv 27.32).
  • O santo jejum (Jl 1.14; 2.15).

Havia, também, o processo de se “tornar santo” ou “santificar(-se)”:

a) Após ter sido excluído da comunidade por causa da impureza (2Sm 11.4).

b) Quando se entrava em contato com Deus (Êx 19.10; 1Sm 21.5; 1Sm 16.5).

c) Na consagração de levitas ao sacerdócio (1Sm 7.1).

d) Na consagração de coisas a Deus (prata – Js 6.19; Jz 17.3; o átrio do templo – 1Rs 8.64).

e) Havia a “transferência da santidade” pelo tato (Êx 29.37; 30.29; Lv 6.18). Da mesma forma, a impureza também é transferível (Ag 2.11).

É no livro do profeta Isaías que encontramos a tríplice aclamação dos Serafins ao Deus três vezes Santo: “E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória.” (Is 6.3). Diante da visão dessa perfeita santidade divina, qualquer ser humano, inclusive o profeta Isaías, não tem como deixar de reconhecer sua impureza e pequenez. Assim, resta-lhe clamar e submeter-se ao processo de purificação que procede do altar. (Is 6.3-7).  A santidade de Deus requer a santidade da pessoa que dele se aproxima e do povo chamado pelo seu nome: “Fala a toda a congregação dos filhos de Israel e dize-lhes: Santos sereis, porque eu, o SENHOR, vosso Deus, sou santo.” (Lv 19.2; comp. Lv 11.44-45; 20.7, 26). É através da Lei Mosaica que Deus outorga, também, a “Lei da Santidade”. Visto que a pureza é a característica apropriada de tudo quanto é santo, é dever de todo participante do culto ser puro (santificar-se).

2. A SANTIDADE NO NT

Quando examinamos esse assunto no NT constatamos que a ênfase na santidade continua, porém, com contornos diferentes do AT. O Deus Criador e Deus de Israel, referido no AT como “o Santo” (Is 5.16; 40.25; Os 11.9, 12 e Hc 3.3 – 5 vezes) ou o “Santo de Israel/Jacó” (33 vezes), raramente é descrito assim no NT (Jo 17.11; 1Pe 1.15-16; Ap 4.8 e 6.10 – 4 vezes). Numa dessas citações, também ele é aclamado continuamente pelos quatro seres viventes, como Santo, Santo, Santo (Ap 4.8; comp. Is 6.3). As expressões “Santo nome” ou “nome Santo”, atribuídas a Deus, ocorrem cerca de 23 vezes, no AT; enquanto nenhuma, no NT. Entretanto, no NT, Deus, a primeira pessoa da trindade, é apresentado como “Pai” (cerca de 259 vezes), contrastando com o AT, quando assim foi referido menos de 20 vezes. Da mesma forma, o “Espírito Santo”, a segunda pessoa da trindade, no NT é citado cerca de 104 vezes (Espírito Santo, Santo Espírito ou Espírito de Deus), enquanto no AT, cerca de 17 vezes. Por sua vez, Jesus, a terceira pessoa da trindade, o Deus encarnado, é mencionado no NT, como o “Santo” (de Deus) cerca de 6 vezes (Mc 1.24; Lc 4.34; Jo 6.69; At 3.14; Ap 3.7; 16.5).

Outros aspectos de contraste interessantes, envolvendo a palavra “santo” no AT e no NT, são:

a) “santo monte” ou “monte santo”, o lugar da “habitação do Deus Santo”, é citado 24 vezes, no AT e 1 vez, no NT (2Pe 18). É notável como no NT Jesus se desloca frequentemente para os montes, principalmente para orar.

b) “lugar santo” ou “santo lugar”, é mencionado 31 vezes, no AT e, 4 vezes, no NT, normalmente citando o AT.

c) “templo santo” ou “santo templo” é citado 10 vezes, no AT e nenhuma, no NT. “Santuário” é uma palavra que ocorre cerca de 161 vezes no AT, se referindo ao Tabernáculo, ao Templo de Jerusalém ou ao celestial ou a um novo templo, mas não a uma pessoa. Já no NT a palavra santuário aparece apenas 46 vezes, sendo que por 9 vezes referindo-se a pessoas (Jesus, 3 vezes e os cristãos, 6 vezes). Portanto, no NT, a principal habitação de Deus não é mais um monte, ou um lugar ou um templo físico. O lugar em que Deus deseja habitar e tornar santo é o coração humano e, por extensão a igreja, como o corpo de Cristo: “Respondeu Jesus: Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada.” (Jo 14.23); “no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito.” (Ef 2.22); “Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Co 3.16; ver tb 1Co 3.17; 6.19; 2Co 6.16).

Do exposto acima, já se pode deduzir que o conceito neotestamentário de santidade é determinado em conformidade com o Espírito Santo, a dádiva da Nova Aliança. Em decorrência disso, a esfera apropriada daquilo que é santo, no NT, não é a ritual e física. O sagrado já não pertence a coisas, a lugares ou a ritos, mas, sim, às manifestações da vida que o Espírito Santo produz. A santificação, no NT, não se dá pelo “tato” (tocar objetos “santos”), mas, pode ocorrer pelo convívio com pessoas santas (1Co 7.14). Tudo isso porque o AT serviu como figura e sombra das coisas que haviam de vir (Cl 2.16-17).

São mencionados no NT como sendo “santo(s)” ou “santa(s)”, quando não estão se referindo ao AT:

a) O nome de Deus é chamado “santo” (Lc 1.49).

b) Os anjos são santos (Mc 8.38; Lc 9.26; At 10.22; Jd 14; Ap 14.10).

c) Os profetas são santos (Lc 1.70; At 3.21; 2Pe 3.2).

d) Os apóstolos são santos (Ef 3.5).

e) A sua Aliança é santa (Lc 1.72). A lei é santa (Rm 7.12).

f) As Escrituras são sagradas (santas) (Rm 1.2; 2Tm 3.15).

g) Mãos santas (1Tm 2.8).

h) Igreja santa (Ef 5.27).

i) Santa vocação (2Tm 1.9).

A Igreja Católica Romana preserva muito da tradição vétero-testamentária (judaísmo), dando ênfase a santificação de coisas e determinadas pessoas; canonizando “santos” em face das suas obras e enfatizando as obras como meio de graça (sacramentos, confissão auricular, penitências, indulgências, relíquias, formas de piedade e purgatório). Contrariamente a tudo isso, no NT, o Deus Santo e quase inatingível, que está no seu alto e sublime trono, vem ao encontro e se aproxima do pecador, em Cristo, o Deus encarnado. Este traz o Evangelho, as boas novas de salvação e graça. Assim, através da redenção e dos méritos de Cristo, os pecadores arrependidos são regenerados e habitados pelo Espírito Santo, tornando-se santos. Além da designação de “irmãos” (225 vezes), é significativo que os remidos por Cristo são mencionados, predominantemente, no NT (a partir do Livro de Atos), individualmente ou coletivamente, não como os “do caminho” (1 vez), ou “cristãos” (3 vezes), ou “fiéis” (7 vezes), ou “eleitos” (8 vezes), ou “crentes” (9 vezes), ou “chamados” (14 vezes), ou “servos” (30 vezes), ou “amados” (31 vezes) mas, para surpresa de muitos, como “santos” (66 vezes)! E, Jesus, foi chamado “santo Servo” (At 4.27, 30), tornando-se, assim, o nosso paradigma.

Infelizmente, alguns grupos chamados de cristãos, ainda não entenderam a eclesiologia do NT, alicerçada no sacerdócio universal dos crentes (santos), cuja governança é exercida pelos presbíteros (docentes e regentes). Antes, preservam a estrutura “hierárquica” do judaísmo do AT, com seu “sumo sacerdote” (“o santíssimo”), os sacerdotes (“os super santos”), os levitas (“os mais santos”) e o povo de Deus (“os santos”). É relevante assinalar aqui, que no Apocalipse, os crentes são considerados sacerdotes no reino de Deus (Ap 1.6; 5.10; 20.6). Fala-se da Nova Jerusalém, a cidade santa, onde não há templo: “Nela, não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro.” (Ap 21.22).

3. A MISERICÓRDIA

Como nosso assunto é santidade e misericórdia, o objetivo aqui é tratar, em primeiro plano, da misericórdia de Deus para com os homens, e em segundo, a misericórdia entre os homens. Vale lembrar que:

GRAÇA – É Deus nos dar o bem que não merecemos.

MISERICÓRDIA – É Deus não nos imputar o castigo que merecemos.

“Dizer que Deus tem como atributo a santidade é dizer que ele é separado do pecado e dedica-se a buscar a sua própria honra.” (2). Essa sua santidade requer a nossa santidade, a nossa separação do pecado: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.” (Mt 5.48). Sobre essa misericórdia podemos fazer as seguintes afirmações, com base na Bíblia:

a) A misericórdia é um dos atributos ou características da natureza divina (Ex 34.6; Sl 103.8): “Deus é espírito, em si e por si infinito em seu ser, glória, bem-aventurança e perfeição; todo-suficiente, eterno, imutável, insondável, onipresente, infinito em poder, sabedoria, santidade, justiça, misericórdia e clemência, longânimo e cheio de bondade e verdade.” (3)

b) Por nossos próprios esforços e obras não podemos atender as exigências da santidade divina e nos aproximarmos de Deus: “Então, Josué disse ao povo: Não podereis servir ao SENHOR, porquanto é Deus santo, Deus zeloso, que não perdoará a vossa transgressão nem os vossos pecados.” (Js 24.19); “não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo,” (Tt 3.5).

c) Diante da limitação e fraqueza humanas, deixando de alcançar e se manter no padrão divino de pureza e perfeição, entra em cena a misericórdia divina: “As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade.” (Lm 3.22-23)

d) O ápice da manifestação da misericórdia divina se deu no sacrifício de Cristo, na cruz do Calvário: “No Evangelho Deus proclama o seu amor ao mundo, revela clara e plenamente o único caminho da salvação, assegura vida eterna a todos quantos verdadeiramente se arrependem e creem em Cristo, e ordena que esta salvação seja anunciada a todos os homens, a fim de que conheçam a misericórdia oferecida e, pela ação do Seu Espírito, a aceitem como dádiva da graça.” (4)

e) A misericórdia de Deus não significa sua renúncia à justiça e juízo: “mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR e faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR.” (Jr 9.24)

f) Para a alegria e consolo dos remidos do Senhor, a misericórdia de Deus dura para sempre: “Rendei graças ao SENHOR, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre.” (Sl 136)

g) Assim como Deus é misericordioso para com os que, em Cristo, se aproximam dele, devemos ser misericordiosos para com o nosso próximo: “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade.” (Cl 3.12).

Conclusão:

A santidade e a misericórdia de Deus se manifestam desde a criação e acompanharão o seu povo até o final dos tempos. Somos chamados e desafiados a viver essa vida santa num mundo tão corrompido; a ser sal, fora do saleiro, e luz, em lugar alto. “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda consolação!” (2Co 1.3)

Bibliografia:

(1) Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vida Nova, 1983.
(2)  GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. Vida Nova, 1999.
(3) O Catecismo Maior de Westminster. Editora Cultura Cristã, 2005. (Pergunta e resposta 7).
(4)  A Confissão de Fé de Westminster. Editora Cultura Cristã, 2011. (cap. 35, item II).

 

 

Limpos no meio da lama

Apocalipse 22.10-11; Efésios 5.1-17

Introdução:

Viver com integridade, diante de Deus e dos homens, é um desafio que acompanha o ser humano desde a sua criação. Será que, nos dias atuais, está mais difícil vencer este desafio? Uns acham que sim, outros acham que não e, cada um tem as suas razões para fundamentar o seu ponto de vista. No Salmo 15, Davi descreve, em termos muito práticos, o perfil ou características do cidadão dos céus: “Quem, SENHOR, habitará no teu tabernáculo? Quem há de morar no teu santo monte? O que vive com integridade, e pratica a justiça, e, de coração, fala a verdade; o que não difama com sua língua, não faz mal ao próximo, nem lança injúria contra o seu vizinho; o que, a seus olhos, tem por desprezível ao réprobo, mas honra aos que temem ao SENHOR; o que jura com dano próprio e não se retrata; o que não empresta o seu dinheiro com usura, nem aceita suborno contra o inocente. Quem deste modo procede não será jamais abalado.” O nível de exigência é muito elevado; quem poderá atende-lo, sem vacilar? Ainda bem, que não é por nossos méritos que alcançamos a salvação eterna, mas, mediante a retidão e redenção que há em Cristo Jesus, nosso Salvador!

A lama mais comum é o resultado da mistura de terra com água. Quem vive andando ou transitando sobre o asfalto, já não se dá conta do quão desagradável e complicado é fazê-lo em ruas enlameadas. Para o salmista Davi, o livramento do Senhor é poeticamente descrito assim: “Tirou-me de um poço de perdição, de um tremedal de lama; colocou-me os pés sobre uma rocha e me firmou os passos.” (Sl 40.2). O crente autêntico e consciente tem a mesma sensação de ter sido tirado do lamaçal que é uma vida sem Deus e sem Jesus, a rocha da nossa salvação.  Dali ele jamais sairá. Somente aqueles que nunca foram de Deus retornam e têm prazer em viver na lama (2Pe 2.20-22).

Neste estudo vamos considerar a importância de um viver limpo, no meio de uma geração suja e perversa (Is 57.20), com a indispensável ajuda do Senhor: “O SENHOR firma os passos do homem bom e no seu caminho se compraz; se cair, não ficará prostrado, porque o SENHOR o segura pela mão.” (Sl 37.23-24).

Desenvolvimento:

1. O INJUSTO, CONTINUE NA PRÁTICA DA INJUSTIÇA

“Continue o injusto fazendo injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo;” (Ap 22.11a)

O leitor apressado e superficial, quando se depara com um texto como este, no último capítulo da Bíblia, pode até ficar um tanto quanto desconfortável ou, até mesmo, perplexo. Não há no texto bíblico qualquer incentivo ao injusto, quanto a este continuar no seu caminho mau. Porém, se é isso que ele quer fazer, que o faça, sem deixar de considerar as consequências dos seus atos. Não há aqui qualquer contradição bíblica e há de permanecer, até o último dia, a vontade de Deus para o pecador: “Deixe o perverso o seu caminho, o iníquo, os seus pensamentos; converta-se ao SENHOR, que se compadecerá dele, e volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar.” (Is 55.7)

Esse texto de Apocalipse foi escrito na perspectiva da consumação dos séculos e dos juízos que antecedem a volta de Cristo. Não há como negar que esse dia está muito próximo. Não é difícil perceber que o contexto de apostasia e impiedade em que vivemos é bem característico dos tempos que precederam os grandes juízos de Deus, no passado. Então, vejamos os seguintes julgamentos registrados na Bíblia e como se vivia, nessas épocas:

1.1 As circunstâncias do juízo do Dilúvio
       (maldade generalizada e desenfreada)

“Viu o SENHOR que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração; (Gn 6.5). A terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência.” (Gn 6.11). A descrição da conduta humana naquele tempo é impressionante. Nos transmite a ideia de maldade desenfreada, de proporções globais; uma pandemia incontrolável. Uma espécie de metástase social que dizimava qualquer senso de piedade e moralidade de uma civilização com cerca de 1656 anos (3975–2319aC). A solução divina foi destruir a todos (Gn 6.7), pelo Dilúvio, preservando, apenas, uma família, cujo cabeça e líder, Noé, foi descrito como “homem justo e íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus.” (Gn 6.9). Então, a partir desta família, a terra foi repovoada. E, Jesus, emite o alerta profético: “Pois assim como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do Homem.” (Mt 24.37). Quando contemplamos o que acontece, dentro e fora da nossa nação, a sensação que temos também é de maldade generalizada e desenfreada; fora de controle.

1.2 As circunstâncias do juízo da Torre de Babel
(culto ao homem – antropocentrismo)

“Então, desceu o SENHOR para ver a cidade e a torre, que os filhos dos homens edificavam; e o SENHOR disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer.” (Gn 11.5-6). Havia transcorrido cerca de 175 anos (2319–2144 aC), desde o Dilúvio, e a nova civilização humana já estava outra vez corrompida. Deixando de tributar toda a glória e honra devidas a Deus, deslocaram o seu foco para as realizações humanas (Gn 11.4). A confusão da linguagem e dispersão das pessoas foi o remédio aplicado por Deus para conter o avanço dos maus intentos humanos. Podemos dizer que estamos vivendo o tempo da reversão do fenômeno da Torre de Babel. Os meios de transportes, a tecnologia de comunicação e de informação, e o idioma inglês universal, aproximou os seres humanos de forma surpreendente. Cumpriu-se a profecia de Daniel – a ciência se multiplicou (Dn 12.4). A grande questão agora é a mesma daquela época: “Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer.”. O que temos visto, então, na civilização atual, é Deus colocado de lado, a Bíblia sendo considerada um livro antiquado e ultrapassado, e o ser humano sendo cultuado pelos seus grandes feitos.

1.3 As circunstâncias do juízo sobre Sodoma e Gomorra
(depravação sexual, soberba, arrogância, descaso e prostituição)

“Disse mais o SENHOR: Com efeito, o clamor de Sodoma e Gomorra tem-se multiplicado, e o seu pecado se tem agravado muito.” (Gn 18.20). O texto deixa claro que os graves pecados dos seres humanos chegam aos céus, em forma de clamor por justiça, exigindo o juízo divino (ver Gn 4.10). Se houvesse ali dez justos, as cidades teriam sido poupadas (Gn 18.32). No registro bíblico da destruição de Sodoma e Gomorra (Gn 18 e 19), não se explicita quais eram os graves pecados deles. Com exceção do episódio em que os homens de Sodoma, rejeitaram as filhas virgens de Ló e preferiram abusar dos dois anjos por ele hospedados (Gn 19.4-9). E esse abuso se traduz em violência e depravação sexual. A palavra sodomia tem origem neste acontecimento e o apóstolo Paulo usa o termo “sodomita” referindo-se à homossexualidade (1Tm 1.10). Foi o profeta Ezequiel quem descreveu a iniquidade de Sodoma: soberba, descaso com o necessitado, arrogância e práticas abomináveis (Ez 16.49-50); e, Judas registra que havia ali prostituição (Jd 1.7). A homossexualidade é considerada uma abominação (Lv 18.22).

2. O JUSTO, CONTINUE NA PRÁTICA DA JUSTIÇA

“o justo continue na prática da justiça, e o santo continue a santificar-se.” (Ap 22.11b)

Por que temer a Deus e perseverar no bom caminho da justiça e da santificação?

2.1 Porque há um Deus que tudo vê

“Os olhos de Deus estão sobre os caminhos do homem e veem todos os seus passos. Não há trevas nem sombra assaz profunda, onde se escondam os que praticam a iniquidade.” (Jó 34.21-22). Ainda que a maldade humana se alastre por toda a terra e a impunidade reine em muitas sociedades, há um Deus que tudo vê, ao qual todos haverão de prestar contas. Nos três juízos divinos acima mencionados, fica claro que nada escapa aos olhos de Deus; que ele ouve o clamor da perversidade humana.

2.2 Porque há um Deus que tudo julga

Em tempos remotos, Jó, no meio do seu sofrimento, olha para a sua integridade e se sente injustamente castigado pelo Altíssimo. Ele, também olha ao seu redor e vê a perversidade dos ímpios e estes aparentemente impunes; se condói com o sofrimento dos pobres e injustiçados, sem que haja quem os socorra. Então faz um desabafo: “Por que o Todo-Poderoso não designa tempos de julgamento? E por que os que o conhecem não veem tais dias?” (Jó 24.1). A história responde a esse questionamento de Jó. São muitos os julgamentos de Deus:

a) Os julgamentos importantes relatados no Antigo Testamento, são: do Dilúvio, da Torre de Babel, de Sodoma e Gomorra, de Faraó e dos egípcios, de Israel no deserto, de Israel no exílio, de várias pessoas, reis e nações.

b) Outros julgamentos, citados no Novo Testamento, são:

– Autojulgamento, pelo qual o crente melhora suas relações tanto com Deus, como com os homens (1Co 11.31)

– Julgamento no seio da igreja, mediante a disciplina de crentes que laboram em erro (1Co 5.1-5; Mt 18.15-17);

– Julgamento das obras dos crentes (Rm 14.10; 1Co 3.11-15; 2Co 5.9-10);

– Julgamento futuro de Israel (Ez 20.33-44; Rm 11.15, 25-29; Ap 7.1-8; ver Sl 50.1-7).

– Julgamento das nações (Mt 25.31-46);

– Julgamento de Satanás (Ap 20.10);

– Julgamento dos anjos que caíram (Jd 1.6; 1Co 6.3; 2Pe 2.4);

– Julgamento dos ímpios, também chamado de Julgamento do Grande Trono Branco (Jo 5.29; Ap 11.18; 20.11-15).

2.3 Porque a intensidade da luz recebida determina o nível de rigor do julgamento divino

Sodoma e Gomorra se tornaram símbolo e referência, de pecado e juízo, na boca dos profetas: Isaías – Is 1.9-10; Jeremias – Jr 23.14; Lm 4.6; Ezequiel – Ez 16.46-48; Amós – Am 4.11; Sofonias – Sf 2.9. No Novo Testamento, isso também não passa em branco para Jesus (Lc 17.29), Paulo (Rm 9.29), Pedro (2Pe 2.6), Judas (Jd 1.7) e João (Ap 11.8). Entretanto, Jesus fez uma declaração surpreendente: “Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura, até ao céu? Descerás até ao inferno; porque, se em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecido até ao dia de hoje. Digo-vos, porém, que menos rigor haverá, no Dia do Juízo, para com a terra de Sodoma do que para contigo.” (Mt 11.23-24). Jesus mostrou que, nem mesmo Sodoma e Gomorra, mereciam julgamento tão severo, como aqueles que rejeitam o Messias, o seu Reino e os seus discípulos. O ensino de Jesus, neste ponto, inclui ideias de que a rejeição da luz, quanto mais brilhante ela for, trará julgamento mais severo; e que, quanto maior for a luz recebida, maior será a responsabilidade do indivíduo. Sodoma contou apenas com o fraco testemunho de Ló. Mas, as cidades da Galileia, gozaram do testemunho dado pelo próprio Messias. Provavelmente os pecados dos habitantes de Sodoma e Gomorra eram mais graves e numerosos do que os dos habitantes da Galileia. Mas o julgamento dos habitantes da Galileia seria mais severo, em face de terem ouvido a mensagem mais ampla do mensageiro divino. É possível que, nesses ensinos, Jesus tenha incluído a ideia de Julgamentos terrestres, isto é, tipos de juízo como os que foram sofridos por Sodoma e Gomorra, e não somente um juízo vindouro. Alguns intérpretes acham só este último sentido no texto, mas a verdade é que Jesus pode ter indicado mais do que isto.

2.4 Porque precisamos ter uma conduta diferenciada

O texto de Efésios 5.1-17 é autoexplicativo e nos instrui, de forma muito prática, como deve ser o nosso proceder diante do mundo caído e atolado no lamaçal do pecado.

Conclusão:

É preciso ter plena consciência de que estamos, a cada dia que passa, mais próximos da Segunda Vinda de Cristo. É preciso ter plena consciência de que o mundo vai de mal a pior (2Tm 3.13) e que as circunstâncias se tornam cada vez mais parecidas com aquelas que antecederam aqueles três grandes juízos de Deus, no passado, acima mencionados. É preciso ter plena consciência de que toda a perversidade humana, multiplicada nesses últimos tempos, não ficará impune. É preciso ter plena consciência de que, nesses dias difíceis, nos quais vivemos, muitos serão influenciados e levados pela multidão dos que desprezam a Deus, a sua Palavra, a família nos moldes por ele instituída e a sua igreja; mas haverá um remanescente que se conservará fiel ao Senhor.

Tendo plena consciência de tudo isso, vamos nos manter firmes no Senhor, nas suas promessas, alicerçados na sua Palavra, com foco na missão e nas boas práticas, sem perder tempo com questões de menor importância, unidos como igreja para resistirmos no dia mau, enquanto aguardamos a gloriosa manifestação do Senhor Jesus. Amém!

Maduros na Fé: Não que – Até que – Para que


Santificação: segredo do caráter cristão!

“Até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo,” (Efésios 4.13)

Introdução          

A palavra “maduro” nos remete, tanto ao fruto ou produto vegetal que está pronto para ser colhido e consumido, quanto à pessoa que tem mais idade; o adulto ou velho. A maturidade, estado ou condição de ter atingido uma forma adulta ou amadurecida, na psicologia tem o significado de desenvolvimento pleno da inteligência e dos processos emocionais, do estado em que um indivíduo goza de plena e estável diferenciação e integração somática, psíquica e mental. O amadurecimento dos seres humanos não se dá de modo uniforme; pois cada um amadurece no seu próprio ritmo. O mesmo acontece no que diz respeito à maturidade na fé, de cada crente. Assim sendo, um crente mais antigo na igreja não é, necessariamente, mais maduro na fé do que outro com menos tempo.

Santificação e perfeição são processos que caminham juntos, de mãos dadas, na trajetória do cristão que se inicia na regeneração e culmina na glorificação. Mais do que uma opção dada ao crente, ou um pedido, ou um conselho, é um imperativo divino: “…sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.” (Mt 5.48); “porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo.” (1Pe 1.16; Lv 11.45)

Não é da vontade de Deus a paralisia no crescimento espiritual rumo a essa maturidade necessária. Também, não deve passar despercebida a palavra desafiadora de Jesus: “Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus.” (Mt 5.20). Podemos entender a expressão “vossa justiça”, como a “vossa prática religiosa” ou, em termos de igreja, a “vossa prática da vida cristã”. Ser religioso não é difícil, o desafio maior é o de agradar a Deus fazendo a sua vontade.

Neste estudo, desenvolveremos o tema proposto, revisitando o processo da santificação, com foco em três vertentes: “Não que”, Até que” e “Para que”.

1. “Não que” – a autoconsciência do estado atual

Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus.” (Fp 3.12)

A postura e atitude daqueles escribas e fariseus contemporâneos de Jesus era a de religiosos profissionais, “senhores da verdade” divinamente revelada, guardiões e “exímios cumpridores” da lei e das tradições religiosas. Naturalmente se consideravam tão santos e perfeitos que se assentaram na cadeira de Moisés (Mt 23.2), como mestres da lei e juízes do povo, tornando-se incansáveis patrulheiros dos atos de Jesus e dos seus apóstolos (ver Mt 23.1-36). Jesus alertou às multidões e aos seus discípulos: “Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem.” (Mt 23.3). O ativismo religioso e a busca de uma super espiritualidade equivocados, podem levar um crente a pensar de si além do que convém (Rm 12.3) e à essa mesma postura farisaica.

No texto de Filipenses 3.4-14 o apóstolo Paulo apresenta seu brilhante currículo de vida, não para se exibir ou impressionar seus leitores, mas para deixar claro que ele não confiava na carne, nos seus méritos pessoais ou justiça própria. Pelo contrário, ele se considerava devedor do conhecimento de Cristo e do poder da sua ressurreição. Então, ele conclui com o “não que” que demonstra plena consciência das suas limitações, ao lado da sua inteira disposição de prosseguir para o alvo.

Portanto, o primeiro aspecto a se levar em conta é a autoconsciência do estado atual, sempre aquém daquele onde poderemos estar, o que nos deve motivar e desafiar a seguir nesse processo de santificação.

2. “Até que” – a consciência da necessidade de persistência:

Até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo,” (Ef 4.13)

É claro que temos um alvo, um ponto de chegada, e, um caminho a percorrer até chegar lá:  “à medida da estatura da plenitude de Cristo,”. Muitos chegam a Cristo e à igreja quase que num estado de euforia, como o homem da parábola que achou um tesouro escondido e vende tudo o que tem para comprar o campo onde o havia encontrado (Mt 13.44); ou, o outro homem, da outra parábola, que achou uma pérola de grande valor e fez o mesmo para obtê-la (Mt 13.45-46). É o estado denominado de “primeiro amor” (Ap 2.4); um amor ardente e apaixonado por Deus, por Jesus, pela Bíblia, por estar junto aos irmãos nas reuniões da igreja, por falar de Cristo aos outros. Não é difícil constatar que a maioria destes, com o passar do tempo, perdem o vigor, o ardor dos primeiros anos e se deixam levar pelo automatismo da rotina. Quando mais jovem, conheci e vi pregar algumas vezes, um servo de Deus, creio que italiano, que mesmo depois de muitos anos de caminhada na fé cristã, vivia permanentemente no primeiro amor. Ele era muito intenso; pregava o que vivia e vivia o que pregava. Não perdia a oportunidade de falar de Cristo a quem estivesse no seu caminho. Tinha o hábito de beijar sua bíblia, quando a ela se referia na pregação, para demonstrar o seu grande apreço pela Palavra de Deus. Sem dúvida, um exemplo a ser seguido.

O “até que” nos remete à importância da perseverança, da constância, da persistência, qualquer que seja a condição da “estrada” ou os obstáculos interpostos no caminho que leva ao alvo que nos está proposto. Referindo-se aos dons espirituais, em Efésios 4.7-16, o apóstolo Paulo ensina que estes dons foram dados aos crentes, com vistas ao “aperfeiçoamento dos santos”, para a “edificação do corpo de Cristo”, “até que” o alvo seja alcançado. Então, entre a capa frontal (da regeneração) e a capa posterior (da glorificação), há um conteúdo e alvo vital que dá pleno sentido ao evangelho, neste livro da vida de cada cristão. “Até que todos”– Ninguém, isto é, nenhum remido pelo Senhor fica de fora, pois todos nós formamos o corpo de Cristo, esse organismo vivo chamado igreja. Nessa magnífica declaração do apóstolo, quatro aspectos desse alvo vital são mencionados:

  • Unidade na diversidade

Até que todos cheguemos à unidade da fé…”

Unidade não é uniformidade, nem padronização de conduta ou costume ou linguajar ou vestimenta. E, certamente, a fé aqui referida não é um “corpo de doutrinas e crenças”. É, sim, a fé salvadora em Cristo Jesus, nosso Senhor e Mestre. A “entrega de alma” a Cristo, debaixo da ação do Espírito Santo, nos conduzirá a essa unidade almejada. Quanto ao mais, podemos caminhar na linha do que diz Richard Baxter: “Em assuntos fundamentais, unidade. Em assuntos secundários, liberdade. Em todas as coisas, caridade (ou amor)”.

  • Conhecimento do Senhor

Até que todos cheguemos (ao) … pleno conhecimento do Filho de Deus”

O vocábulo grego “epignosis” foi corretamente traduzido aqui como “pleno conhecimento”.  Podemos conhecer alguém ouvindo ou lendo algo a seu respeito. Entretanto, esse conhecimento é teórico, limitado, sujeito à toda subjetividade da fonte de observação e informação. O desafio que nos é proposto, inicia-se com a assimilação do conhecimento da pessoa de Cristo, através do que dele é revelado na Bíblia e, materializa-se, experimentalmente, na vivência cotidiana junto dele (2Pe 1.16; Fp 3.10). Vale ressaltar que tal conhecimento, do Pai e do Filho, é recorrente no Novo Testamento (2Co 4.6; Ef 1.17; Fp 3.8; Cl 1.10; 2Pe 1.2-3; 2Pe 1.8; 2Pe 2.20; 2Pe 3.18).

  • Plena maturidade

Até que todos cheguemos … à perfeita varonilidade,”

A expressão “perfeita varonilidade” pode ser entendida como “plena maturidade” ou “pleno desenvolvimento” como é esperado no caso de um ser humano que nasce, cresce e se desenvolve até o atingimento da idade adulta. Em termos espirituais, o mesmo se espera de um remido do Senhor, nascido de novo. Precisamos nos desenvolver ao ponto de nos tornarmos mestres e discipuladores e, não crentes imaturos, crianças espirituais, permanentemente necessitados de que nos ensinem os princípios elementares da fé (Hb 5.11-14).

  • Plenitude de Cristo

Até que todos cheguemos … à medida da estatura da plenitude de Cristo,”

Por fim, nossa persistência na busca desse alvo vital deve conduzir-nos a esse mais elevado grau de maturidade e desenvolvimento espiritual – o atingimento da perfeição em Cristo. O apóstolo Paulo muito se dedicou à essa causa: “meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós;”  (Gl 4.19). Essa é a meta proposta, o ponto de chegada; reproduzir em cada crente a imagem de Cristo (Rm 8.29; 2Co 3.18; Cl 3.10). Certamente que o Espírito Santo tem papel preponderante nesta missão (Jo 14.17).

3. “Para que” – a consciência dos propósitos a serem alcançados:

“Porque eu (Jesus) vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também.” (Jo 13.15)

Quais seriam as razões e motivações para buscar, com perseverança, tão elevados alvos? Por que a santificação é o segredo do caráter cristão? A bíblia tem alguns “para que” que também respondem à essas perguntas; ela fala por si mesma:

  • Para a glória de Deus

“Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.” (Mt 5.16)

para que, uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo;” (1Pe 1.7)

  • Para nossa plena satisfação e fortalecimento

“Tenho-vos dito estas coisas para que o meu gozo esteja em vós, e o vosso gozo seja completo.” (Jo 15.11)

para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior;” (Ef 3.16)

  • Para dar o exemplo aos irmãos

“E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade.” (Jo 17.19)

“Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade, e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele para a vida eterna.” (1Tm 1.16)

  • Para fazermos a diferença na sociedade

para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no mundo,” (Fp 2.15)

“a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste.” (Jo 17.21)

  • Para agradar a Deus

“…, para que vos conserveis perfeitos e plenamente convictos em toda a vontade de Deus.” (Cl 4.12b)

para que, no tempo que vos resta na carne, já não vivais de acordo com as paixões dos homens, mas segundo a vontade de Deus.” (1Pe 4.2)

“educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente,” (Tt 2.12)

Conclusão

Que Deus nos ajude a olhar para nós mesmos, como convém, com humildade, determinação e esperança, a fim de percebermos que sempre há algo a ser trabalhado e melhorado, para que possamos nos apresentar a ele como obreiros aprovados (2Tm 2.15). Que a perseverança seja nossa inseparável companheira nessa tarefa: “Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes.” (Tg 1.4). Que jamais percamos de vista os elevados propósitos que dão sentido à nossa caminhada terrena.

“Quanto ao mais, irmãos, adeus! Aperfeiçoai-vos, consolai-vos, sede do mesmo parecer, vivei em paz; e o Deus de amor e de paz estará convosco.” (2Co 13.11)

 

Nosso papel na Santificação

“Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. Fazei tudo sem murmurações nem contendas, para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no mundo, preservando a palavra da vida, para que, no Dia de Cristo, eu me glorie de que não corri em vão, nem me esforcei inutilmente.” (Fp 2.12-16)

No texto introdutório de Filipenses 2.12-16, há alguns elementos interessantes:

1) A salvação precisa ser desenvolvida

“… desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor;”(Fp 2.12)

Antes de tudo, é importante ressaltar que a salvação é um estado, proporcionado por uma obra realizada exclusivamente por Deus, em Cristo, na cruz do Calvário. Ou o ser humano está salvo ou está perdido. Se está perdido, enquanto estiver vivo poderá ser alcançado por essa obra redentora de Cristo e tornar-se um salvo. Uma vez salvo, salvo para sempre, na visão da teologia reformada calvinista.

Na bíblia, a pessoa salva por Cristo é considerada nascida de novo, regenerada. Então, tal qual um novo ser experimenta um processo biológico de desenvolvimento (físico, mental, emocional, social etc), o novo filho de Deus precisa desenvolver-se nesse novo estado. Caso contrário, será um eterno recém-nascido (1Co 3.1-2).  No texto, está explicito que os salvos devem realizar essa importante tarefa – “desenvolvei”.

2) Deus tem um papel relevante nesse processo

“porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.”(Fp 2.13)

Se, no versículo anterior, parecia que a tarefa seria realizada exclusivamente pelo crente salvo; agora, o apóstolo revela que Deus participa efetivamente nesse processo. Ele age, tanto no infundir no salvo, o querer fazer, quanto na execução. Afinal, não poderia ser diferente. Se o Espírito de Deus habita nele, este mesmo Espírito irá sempre impulsioná-lo a agradar a Deus e a fazer a sua vontade.

Portanto, esse desenvolvimento da salvação, que inclui, ou até mesmo se confunde com o processo de santificação, é realizado através de uma bela parceria entre Deus e o salvo!

Santificação – Não agir ou agir, eis a questão!

“O quietismo é uma doutrina e prática espiritual cujas origens remontam ao século XVII e a figura mais representativa desta controvertida corrente da mística cristã, o sacerdote espanhol Miguel de Molinos. O quietismo se difundiu na Europa, especialmente na França, Itália e Espanha. Segundo a doutrina quietista, o fiel alcançaria a Deus mediante a oração contemplativa e a passividade da alma. No estado de quietude, a mente humana se torna inativa, já não apresenta vontade própria, mas permanece passiva, sendo Deus mesmo quem opera nela. Para os críticos do quietismo, ele reduz ou elimina por completo toda responsabilidade moral do ser humano.” (Wikipédia)

Se, por um lado, o quietismo leva a pessoa a um estado de reclusão e passividade, deixando tudo por conta de Deus, o pietismo se coloca no sentido do outro extremo. “O pietismo é um movimento oriundo do luteranismo que valoriza as experiências individuais do crente. Tal movimento surgiu no final do século XVII, como oposição à negligência da ortodoxia luterana para com a dimensão pessoal da religião, e teve seu auge entre 1650-1800.” (Wikipédia)

Nada acontece por acaso. No ápice da Idade Média (séculos 13 a 15), a Igreja Católica já havia acolhido e institucionalizado muitas crenças e práticas oriundas do paganismo e, muitas outras, estranhas à bíblia. A igreja estava deteriorada na sua essência. Então, a reforma aconteceu (século 16). Como era de se esperar, no período pós-reforma, principalmente no século 17, houve grande preocupação e interesse pelo rigor doutrinário – ortodoxia protestante. Era necessário produzir material contendo um novo posicionamento teológico para a igreja que emergia da reforma, lastreado na revelação bíblica. Certamente a ênfase e foco acentuados numa teologia que deveria se distinguir da teologia e tradição da igreja romana deixou alguma lacuna na prática da fé cristã. A ênfase na fidelidade doutrinária tirou um pouco o foco da piedade cristã. Surge, então, o movimento pietista alemão, também visto como “a fuga da ortodoxia morta”, cujo mentor e pioneiro é Philip Jacob Spener (1635-1705), de Confissão Luterana, conhecido pela sua obra Pia desideria (1676). “Em suas obras e comportamento Spener revela estar preocupado com a piedade prática dos cristãos, resgatando o sentido de uma experiência viva com Deus. Deste princípio fundamental, outros pontos parecem ser decorrentes:[1]

a) Sacerdócio universal dos crentes Todos os crentes devem participar dos serviços religiosos, ensinando e ajudando uns aos outros, sendo assíduos nos estudos bíblicos etc.
b) Cultivo da vida espiritual Leitura sistemática da bíblia, oração e abstinência – combate ao jogo, bebedeira, bailes e teatro, enfatizando a moderação nas vestes, na bebida e nos alimentos, bem como um comportamento cristão nos negócios, tendo o amor como parâmetro visível da piedade cristã.
c) Rigor na disciplina da igreja Santidade de vida: “Um comportamento santo contribui em muito para a conversão das pessoas, conforme o ensinamento de 1Pedro 3.12.”
d) Teologia com ênfase na vida prática Em detrimento da especulação.
e) A bíblia tem autoridade superior às Confissões Contudo, estas são relevantes, devendo ser ensinadas.
f) A experiência é o fundamento de toda certeza Por isso, apenas um cristão regenerado pode ser um verdadeiro teólogo e possuir um conhecimento real da verdade revelada. Entretanto, Deus fala a sua Palavra mesmo através dos ímpios.

O movimento pietista começou em 1670, quando Spener, a pedido de alguns irmãos, estabeleceu em sua casa, aos domingos e às quartas-feiras, um grupo de estudo da bíblia, oração e discussão do sermão do domingo anterior. Este trabalho, aparentemente despretensioso, proliferou grandemente, recebendo o nome de Collegia Pietatis, de onde proveio a denominação “Pietismo”. Parece que, com o passar do tempo, os Collegia Pietatis ganharam para os seus participantes o status de “igrejas dentro da igreja” (Ecclesiolae in ecclesia), tornando-se exclusivistas e cismáticos[2], fugindo ao propósito de sua criação. Por fim, o pietismo teria se esfacelado em seitas, dentro e fora da Alemanha. Entretanto, o pietismo deixou um legado interessante. Foi responsável pela fundação da Universidade de Halle, na Alemanha, que tornou-se um centro missionário, arrecadando fundos para as missões, bem como preparando missionários para enviá-los a diversas partes do mundo.

As ambivalências da fé cristã

“Um dos grandes desafios da igreja é viver de forma plena a integralidade da fé cristã: profundidade e simplicidade; erudição e piedade.” É preciso conhecer a doutrina que abraçamos, mas também praticá-la: “Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus e o pleno conhecimento da verdade segundo a piedade, na esperança da vida eterna que o Deus que não pode mentir prometeu antes dos tempos eternos.” (Tt 1.1-2). Na vida cristã, na eclesiologia e na teologia temos alguns permanentes confrontos:

Teoria x Prática

Saber x Fazer

Razão x Emoção (emocionalismo exagerado)

Bíblia x Experiência (mística individual)

Fidelidade doutrinária x Piedade cristã

Assentimento intelectual x Fé

Intelectualismo x Misticismo

Ortodoxia x Ortopraxia

Ascetismo[3] x Materialismo

Monasticismo[4] x Mundanismo

Por falar em monasticismo, outro aspecto a se considerar é a diferença entre separar-se e isolar-se. Santificação tem a ver com separação ou com isolamento? Qual o exemplo que Jesus nos deixou? O que a bíblia nos ensina?

Inicialmente é preciso deixar claro que o monasticismo não tem base bíblica. Como ser sal da terra e luz do mundo se nos isolarmos dele? No seu viver diário, no meio do povo, Jesus nos deu o exemplo do que significa estar no mundo sem ser do mundo.

Houve uma época, nem tão distante assim, em que o verdadeiro cristão deveria se distinguir do não cristão – principalmente as mulheres – em suas vestimentas, não usando de pinturas (unhas, lábios, cabelos etc), no linguajar, não frequentando determinados lugares, não participando de determinadas festas (carnaval, festa junina etc), não fumando, não consumindo bebida alcoólica etc. Era uma santidade exteriorizada e estereotipada (clichê), para ser vista. A bíblia não se omite em relação a como se deve trajar e se portar em público. O recomendado sempre foi a decência e moderação, evitando-se a ostentação: “Quero, portanto, que os varões orem em todo lugar, levantando mãos santas, sem ira e sem animosidade. Da mesma sorte, que as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, porém com boas obras (como é próprio às mulheres que professam ser piedosas).”(1Tm 2.8-10). Sem dúvida, o ensino bíblico traz orientação quanto a aspectos exteriores, porém destaca a santidade interior, a que é do coração: “Não seja o adorno da esposa o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; seja, porém, o homem interior do coração, unido ao incorruptível trajo de um espírito manso e tranquilo, que é de grande valor diante de Deus.” (1Pe 3.3-4). Tudo o que a igreja não precisa e não deve ser é um povo esquisito e alienado, isolado da sociedade em que vive.

Entretanto, há muito que aprender no que diz respeito a viver separado do mundanismo que nos cerca. Tem muito “agente secreto de Deus” por aí. Você convive com ele na escola ou no trabalho durante anos e não percebe que se trata de um crente. Não difere em nada dos demais. Tem muito chamado crente com um pé na igreja e o outro no mundo. Estão muito mais empenhados em curtir as trevas do que ser sal da terra e luz do mundo! Os outros estão vendo Cristo em você? O Espírito Santo tem encontrado espaço para agir em e através de você? Ele é o Senhor da tua vida ou um hóspede incômodo, vivendo num cantinho reservado?

Em termos de educação familiar, mais importante do que proibir os filhos de fazer ou participar de determinadas coisas é ensiná-los a fazer boas escolhas e a tomar boas decisões. Quando você chega a um bar há inúmeros itens que você pode pedir. Você pode pedir um maço de cigarro, uma dose de cachaça; mas, também, um cafezinho, um copo de leite ou um salgado. Quando você liga uma TV, ou pretende ir ao cinema ou teatro, não é muito diferente; encontrará boas e más opções. Na vida temos muitas opções de escolha, o importante é saber tomar boas decisões, que possam ser bênção e não maldição. Jesus disse, em certa ocasião: “Entrai pela porta estreita (larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz para a perdição, e são muitos os que entram por ela), porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela.” (Mt 7.13-14)

Consideremos, agora, quatro aspectos quanto ao nosso papel na santificação.

1º) Santidade e Crescimento Espiritual

Todos sabemos como se percebe o crescimento de um ser humano. Então, como perceber o crescimento espiritual de uma pessoa? Jesus disse, referindo-se aos falsos profetas, mas é válido para avaliar qualquer pessoa: “Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis.” (Mt 7.20). Aquilo que somos é revelado aos outros através daquilo que falamos e fazemos. Quando o apóstolo Paulo se dirige aos crentes de Corinto (1Co 3.1-2) deixa claro que aquele que cresce espiritualmente torna-se um crente espiritual, amadurecido ou adulto na fé. Quem não cresce espiritualmente, continua uma criança na fé, um crente carnal, isto é, focado nas coisas materiais. É como alguém vivendo uma espécie de Síndrome de Peter Pan[5]:

“A Síndrome de Peter Pan foi aceita em psicologia desde a publicação de um livro escrito em 1983 The Peter Pan Syndrome: Men Who Have Never Grown Up ou “síndrome do homem que nunca cresce”, escrito pelo Dr. Dan Kiley.

No entanto não há evidências de que esta síndrome seja uma doença psicológica real, e por isso não está referenciada nos manuais de transtornos mentais. Não consta, por exemplo, no DSM IV (Diagnostic and Statistical Manual). Esta síndrome caracteriza-se por determinados comportamentos imaturos em aspectos comportamentais, psicológicos, sexuais ou sociais. Segundo Kiley, o indivíduo tende a apresentar rasgos de irresponsabilidade, rebeldia, cólera, narcisismo, dependência e negação ao envelhecimento. Geralmente crianças superprotegidas adquirem este distúrbio que podem levar para vida toda.” (Wikipédia)

2º) Santidade e Missão

Outra forma de perceber o progresso na santificação é através do engajamento do crente na missão a ele confiada por Deus. Somos parte do corpo de Cristo, temos todos um comissionamento geral (Ide por todo o mundo e pregai o evangelho), somos embaixadores de Cristo neste mundo (2Co 5.20). Além disso, como membros deste corpo, precisamos encontrar, aceitar e desempenhar a nossa função e missão específicas (Ef 4.15-16; comp. Rm 12.4-5; 1Co 12.18). Isso, certamente nos fará crescer em santidade.

3º) Santidade e Imitação a Cristo

No texto de Filipenses 2.5-8 o apóstolo Paulo descreve alguns elementos importantes vivenciados por Jesus, no cumprimento da sua missão, que nos servem de exemplo, no cumprimento da nossa missão e crescimento espiritual. É claro que há outras tantas virtudes recomendadas ao cristão.

a) Amor

“Tende em vós o mesmo sentimento que também houve em Cristo Jesus,” (v.5)

O carro chefe, o elemento primeiro e mais forte é o amor a Deus e ao próximo: “…tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim.” (Jo 13.1)

b) Humildade

“a si mesmo se humilhou” (v.8a)

Se Jesus, sendo Deus, tomou a forma humana, por que não podemos esvaziar-nos de nós mesmos e assumirmos a forma de servo?

c) Obediência

“tornando-se obediente até à morte” (v.8b; comp. Hb 5.8)

Na posição de Deus-encarnado, como ser humano, ele experimentou a prática da obediência. No caso, obediência extrema que lhe custaria a entrega da própria vida (Jo 10.18).

d) Sofrimento

“e morte de cruz.” (v.8c)

Não quer dizer, necessariamente, que tenhamos que enfrentar sofrimento e martírio. Entretanto, o ápice da santificação pode ser demonstrado quando nos dispomos a abrir mãos da própria vida por amor a Deus e à salvação dos perdidos: “Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus.” (At 20.24)

4º) Santidade e dedicação

Quanto de nossa energia e de nosso tempo estamos dispostos a empregar no desenvolvimento da nossa salvação ou santificação? Em termos práticos isso implica em dedicação (dentre outros):

a) Na leitura diária da Bíblia.
b)Na prática diária e contínua da oração (orai sem cessar).
c) Na adoração e culto a Deus: com a vida, palavra e ações.
d) Na participação das atividades da igreja e do Reino.
e) No testemunho de Cristo e evangelização dos perdidos.
f) Na assistência aos necessitados (Tg 1.27 – a verdadeira religião).

Conclusão

Em que pese todas as circunstâncias desfavoráveis que possam surgir, inclusive o fato de vivermos na contracultura desse mundo, com o auxílio de Deus e do Espírito Santo que em nós habita, continuemos na nossa caminhada, fazendo como o apóstolo: “prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.” (Fp 3.14)
…………………………………………..

[1] Revista Expressão – Lições da História da Igreja – Editora Cultura Cristã – pg 8.

[2] O cisma é uma separação de uma pessoa ou grupo de pessoas do seio de uma organização ou movimento, geralmente religioso.

[3] Ascetismo é uma doutrina filosófica que defende a abstenção dos prazeres físicos e psicológicos, acreditando ser o caminho para atingir a perfeição e equilíbrio moral e espiritual.

[4] Monasticismo (do grego monachos, uma pessoa solitária) é a prática da abdicação dos objetivos comuns dos homens em prol da prática religiosa. Várias religiões têm elementos monásticos, embora usando expressões diferentes: budismo, cristianismo, hinduísmo e islamismo. Assim, os indivíduos que praticam o monasticismo são classificados como monges (no caso dos homens) e monjas (no caso das mulheres). Ambos podem ser referidos como monásticos e, por norma, vivem na chamada clausura monástica. É uma forma de ascetismo organizado.

[5] Peter Pan é um personagem criado por J. M. Barrie para sua notória peça de teatro intitulada Peter and Wendy, que originou um livro homônimo para crianças publicado em 1911, e de várias adaptações destes para o cinema. O personagem é um pequeno rapaz que se recusa a crescer e que passa a vida a ter aventuras mágicas. James Matthew Barrie, mais conhecido simplesmente como J. M. Barrie, inventou Peter Pan quando contava histórias aos filhos da sua amiga Sylvia Liewelyn Davies, os Liewelyn Davies boys, com quem mantinha uma relação de amizade muito especial. O nome provém de duas fontes: Peter Liewelyn Davies, o mais novo dos rapazes naquela época e de Pan, o deus grego das florestas. (Wikipédia)


Nota: esboço pessoal de aula, preparado por mim, para facilitar a ministração da Aula 4 (Nosso papel na santificação) – Módulo 1 – EBD Catedral 2017, de modo a atender a temática proposta no material elaborado por colaboradores para os alunos.

A santificação ilustrada

Gostaria de desafiá-los a refletir um pouco sobre alguns personagens bíblicos e verificar como eles ilustram quatro aspectos da santificação:

1. O chamado para a santidade:

Abraão, o patriarca judeu e pai na fé dos judeus e cristãos, passou pela experiência de ser chamado por Deus do meio de um povo pagão e idólatra, para formar um novo povo, o povo de Deus (Gn 12). De certa forma foi um chamado físico e geográfico; sair do meio de um povo (Caldeus) e de uma terra (Ur) para formar outro povo (Israel) em outra terra (Canaã). Como igreja e como cristãos, somos “chamados para fora”[1] do mundanismo, das práticas pecaminosas e de lugares onde acontecem eventos e programações que desagradam a Deus, para fazer parte do povo de Deus, tributando-lhe adoração e servindo-o.

2. O desafio da santidade:

José e Daniel são personagens bíblicos que viveram experiências contrárias, em certo sentido, às de Abraão. Ambos foram retirados à força do meio do povo de Deus para viverem no meio de povos pagãos e idólatras, em outras terras (Egito e Babilônia). Também foi um movimento físico e geográfico, envolvendo uma missão tremendamente desafiadora. Eles foram obrigados a viver em condições completamente desfavoráveis à uma vida de santidade, cumprindo uma missão divina e maior de preservação da vida dos povos e testemunhando a verdade de que só há um Deus vivo e verdadeiro. Como igreja e como cristãos, na maioria das vezes somos desafiados a trabalhar e viver no meio de uma geração perversa, desempenhando o papel preservador de sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13-14).

3. A restauração da santidade:

Jacó, Gideão e tantos outros personagens bíblicos servem de exemplo de que mesmo o chamado povo de Deus se contamina com o pecado e precisa confessá-lo e deixá-lo para ser perdoado e poder contar outra vez com a presença, proteção e poder de Deus. Com Jacó percebemos a importância dos pais nesse processo de restauração da santidade na família (Gn 35.1-5). Com Gideão, aprendemos que, a restauração espiritual de uma família e de um povo pode começar por um filho (Jz 6.15-16, 25-27).

4. O desprezo a santidade:

Noé, e tantos outros personagens bíblicos retratam épocas e contextos de povos que viviam à margem da santidade. Pela misericórdia de Deus apenas o remanescente fiel foi preservado, enquanto o juízo divino trouxe a condenação e a destruição de todos os impenitentes. A exemplo do que ocorreu pontualmente, no passado, a maior parte da humanidade caminha a passos largos para o abismo. Apenas o remanescente fiel que se guardar puro será poupado do terrível e derradeiro juízo de Deus que em breve há de se manifestar neste mundo. “Disse-me ainda: Não seles as palavras da profecia deste livro, porque o tempo está próximo. Continue o injusto fazendo injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na prática da justiça, e o santo continue a santificar-se. E eis que venho sem demora, e comigo está o galardão que tenho para retribuir a cada um segundo as suas obras.” (Ap 22.10-12)

[1] Igreja é ECCLESIA (lat.) ou  EKKLESIA (gr.). “EK”, significa “movimento para fora” e “KLESIA”, do verbo KALEO (gr.), “chamar”. A Septuaginta (100 aC) emprega o termo quando traduz a palavra hebraica “kahal”, que designava a congregação dos israelitas como uma coletividade nacional. Logo, “ekklesia “ é a assembleia dos “chamados para fora” do sistema mundano que aí está, para viverem como filhos de Deus, na casa do Pai Celeste.

Os desafios do pastoreio na pós-modernidade

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Uma visão bíblica sobre o assunto.
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Desafios do pastoreio.pdf
(Última atualização: 20/03/2021)


Nota:

Este estudo serviu de base para a pregação do Presb. Paulo Raposo Correia, no Dia do Pastor.

11/12/2016 – Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro – Culto 10h 30min


Assista o vídeo da Pregação no Youtube:

O pecado de Acã

Pecado de Acã

“Respondeu Acã a Josué e disse: Verdadeiramente, pequei contra o SENHOR, Deus de Israel, e fiz assim e assim.  Quando vi entre os despojos uma boa capa babilônica, e duzentos siclos de prata, e uma barra de ouro do peso de cinqüenta siclos, cobicei-os e tomei-os; e eis que estão escondidos na terra, no meio da minha tenda, e a prata, por baixo.” (Josué 7.20-21)

Assim como o escritor do Livro de Hebreus dedicou-se a fazer um registro dos homens e mulheres de fé (Hebreus 11), também conhecido como a “Galeria dos heróis da fé”, poderíamos, de igual forma e sem muita dificuldade erguer a “Galeria dos vilões insensatos”. Enquanto os primeiros deixaram um rastro luminoso a ser seguido, de fé e obediência a Deus e as suas promessas; esses últimos, por sua rebeldia e incredulidade, egoísmo, cobiça e insensatez, deixaram marcas deploráveis na história humana, servindo de exemplo daquilo que não se deve fazer e de alerta quanto às consequências do pecado, explícito ou oculto. Mesmo antes de terminar de ler a frase anterior, certamente você já estava lembrando de alguns nomes para compor essa galeria. Concorda que alguns dos mais famosos seriam: Caim, Esaú, Coré – Datã – Abirão, Balaão, os filhos do sacerdote Eli, Saul, Amnom, Roboão, Acabe – Jezabel e tantos outros reis de Israel, Sambalá – Tobias, Judas Iscariotes. E, por que não incluir Ananias e sua esposa Safira, no início da igreja? É claro que não poderíamos esquecer de Acã!

Acã é quase um ilustre desconhecido, mencionado na bíblia apenas em Josué capítulo 7 e Josué 22.20. Ao analisar a narrativa bíblica sobre ele, podemos fazer importantes reflexões e chegar a algumas conclusões.

1. Pecar é humano!

Afirmar o óbvio parece algo desnecessário e enfadonho. Entretanto, considerando a natureza humana, sempre muito atenta para enxergar o cisco que está no olho do outro e não se dar conta da trave que está no seu (Mt 7.3), é bom lembrar que todos estamos sujeitos a cair nas tentações. Pensar que determinadas coisas jamais acontecerão conosco, já é o primeiro passo para a queda: “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia.” (1Co 10.12). Não podemos, em hipótese alguma, subestimar o inimigo de nossas almas e suas sutis seduções, nem confiar demais na nossa capacidade de resistir às tentações. “Vigiar e orar” a todo instante é o conselho da Palavra de Deus.

2. Ninguém peca por falta de aviso.

Deus sempre deixa claro o que se deve e o que não se deve fazer. Foi assim no Jardim do Éden (Gn 2.15-17) e foi assim no caso de Jericó: “Porém a cidade será condenada, ela e tudo quanto nela houver; somente viverá Raabe, a prostituta, e todos os que estiverem com ela em casa, porquanto escondeu os mensageiros que enviamos. Tão-somente guardai-vos das coisas condenadas, para que, tendo-as vós condenado, não as tomeis; e assim torneis maldito o arraial de Israel e o confundais. Porém toda prata, e ouro, e utensílios de bronze e de ferro são consagrados ao SENHOR; irão para o seu tesouro.” (Js 6.17-19). Mesmo quando a voz de Deus não se manifestar de forma explícita, ele nos falará através da nossa consciência: “Estes mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se,” (Rm 2.15). O fato é que todos foram informados do que Deus havia determinado, inclusive Acã. O grande problema é o ser humano dar ouvidos à voz de Deus, quando tantas vozes contrárias berram em seus ouvidos. Às vezes, infelizmente, alguns que caminham com o povo de Deus, a exemplo de Acã, acabam cedendo às tentações, apegando-se às coisas e prazeres efêmeros deste mundo, rebelando-se contra Deus e sua soberana vontade: “Cobiçais e nada tendes; matais, e invejais, e nada podeis obter; viveis a lutar e a fazer guerras. Nada tendes, porque não pedis; pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres. Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.” (Tg 4.2-4). Há grande perigo e equívoco, em pecar em oculto, e, ficar tranquilo, achando que ninguém está vendo. Deus está vendo! Outro perigo é racionalizar, achando que aquilo que Deus fala não tem lógica, não faz sentido. Então, preferimos ficar com a nossa lógica e desconsiderar a ordem divina. Provavelmente Acã seguiu essa linha de raciocínio. Afinal, pensava ele, que mal haveria em se apossar de um pouco dessas riquezas de Jericó?

3. O pecado de alguns, contamina o todo.

“Prevaricaram os filhos de Israel nas coisas condenadas; porque Acã, filho de Carmi, filho de Zabdi, filho de Zera, da tribo de Judá, tomou das coisas condenadas. A ira do SENHOR se acendeu contra os filhos de Israel.” (Js 7.1). Um pecou, porém o texto bíblico afirma que todos prevaricaram. Uma laranja podre, espremida no suco, estraga todo o suco. A laranja podre do cesto tem que ser removida antes que ela contamine todo o cesto. Quando o pecador contamina o todo, a ira de Deus vem sobre todos. Não é sem razão que as Escrituras enfatizam tanto a necessidade de se tratar o pecador.  O grande desafio é convencer, líderes e liderados, da relevância disso.

4. A quebra da comunhão com Deus tem consequências.

Acã pecou e fez todo o povo de Israel prevaricar, ou seja, faltar ao dever (Js 6.18-19). A nossa conduta particular, fora do alcance da igreja, não é só problema nosso, desde que ela possa afetar a relação de Deus com a sua igreja, isto é, no momento em que ela se torna incompatível com a vontade de Deus.

Algumas consequências dessa quebra de comunhão, são:

a) Falsa confiança (Js 7.2-3):

Josué não sabia o que estava acontecendo de errado e agia normalmente, mas a ira de Deus era qual fogo ardente sobre todo o povo. Ele estava acostumado a contar com o agir sobrenatural de Deus para vencer as batalhas, mas não fazia a menor ideia de que sua maior “arma” e fonte de poder havia se retirado. Ele estava por sua própria conta, ou pior do que isso, Deus estava do lado do inimigo para dar-lhes uma lição. Ele estava tão autoconfiante que ouviu as sugestões dos espias, mas não consultou a vontade de Deus e enviou parte do exército para a batalha.

b) Derrota e frustração (Js 7.4-9):

A derrota na batalha contra Ai foi realmente inesperada e frustrante. Quantas vezes, grandes programações e projetos fracassam porque há pecado encoberto no nosso meio ou há confiança exagerada na capacidade humana? Alguns desdobramentos disso são:

– Decepção com Deus (Js 7.7)

– Humilhação diante do inimigo (Js 7.8)

– Temor e insegurança (Js 7.9)

Quantas vezes temos nos sentido no direito de argumentar com Deus sobre a falta de poder espiritual na nossa vida ou mesmo na igreja? Quantas vezes temos pedido provas ao Senhor, com a intenção de manter nossa fé em bom nível? Será que podemos culpar a Deus quando existe frieza espiritual em nosso meio, mesmo sabendo que em outras igrejas há fervor espiritual, há muitas conversões etc? Será que o Senhor não é o mesmo? Resta, então, a cada um de nós, e a todos nós, fazer como Josué (7.6). Humilhou-se e buscou a explicação e orientação divinas para o caso. Não adianta somente nos prostrarmos diante de Deus e simplesmente dizer: “– Senhor, se tenho pecado perante ti, perdoa-me”. A Bíblia é o padrão de conduta do crente. A nossa conduta perante o Senhor só pode melhorar se nos moldarmos segundo o padrão apresentado em sua Palavra.

5. A restauração da comunhão exige providências

As muitas misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos e nos permitem o retorno à normalidade, isto é, a restauração da comunhão com Deus. Há três passos claramente indicados no texto (Js 7.10-15):

a) Ouvir a voz de Deus (Js 7.10-12)

A frustração, lamentação e clamor de Josué não ficaram sem resposta. Deus lhe revelou o que estava acontecendo. A Palavra de Deus está expressa na Bíblia. Ela deve atuar preventivamente (Sl 119.11) e corretivamente (2Tm 3.16-17).

b) Buscar a santificação (Js 7.13)

“Dispõe-te, santifica o povo e dize: Santificai-vos para amanhã, porque assim diz o SENHOR, Deus de Israel: Há coisas condenadas no vosso meio, ó Israel; aos vossos inimigos não podereis resistir, enquanto não eliminardes do vosso meio as coisas condenadas.”

Sem santificação não há comunhão; sem comunhão não há poder. Todo o povo deveria se santificar e manter-se santificado se quisesse contar com o poder de Deus agindo a seu favor. Esse também é hoje o grande desafio da igreja.

Para nossa reflexão:

  • Até que ponto seria utopia, idealismo, pensar numa igreja sem mácula? Não podemos aceitar que isso seja utopia! Para esse fim Cristo se entregou por ela (Ef 5.25b-27). Entendemos que isso não significa que os membros da igreja deixarão de pecar. Mas sim, que os remidos do Senhor terão o ardente desejo de não pecar (Hb 10.22-24).
  • Se é necessária a santificação de todos os membros da igreja, para que haja poder e manifestação do Espírito Santo, então é quase impossível que isso ocorra? Mesmo que seja tão difícil, esta unidade de propósito, não é impossível. Já tem ocorrido muitas vezes, em vários lugares. No entanto, isto é tão importante que o apóstolo, quando se dirigia às igrejas sobre este assunto, usava a expressão “Rogo-vos…” (Rm 12.1; 1Co 1.10; Ef 4.1; Fp 4.2). É por isso que damos tanta ênfase a este assunto.
  • Mas, se o joio está semeado entre o trigo, como é possível, então, a santificação da igreja? Quanto ao joio, embora atrapalhe bastante, não faz parte da igreja. Entendemos que o “rogo-vos” do apóstolo Paulo não foi e não é dirigido ao joio. Estes são parasitas que, a seu tempo, serão cortados pelo Senhor.

c) Exercer a disciplina (Js 7.14-15)

A disciplina não é uma opção, é uma necessidade; quer na família, quer na igreja, quer em qualquer outra instituição da sociedade. É interessante a abordagem que considera a disciplina eclesiástica em três níveis: preventiva, corretiva e cirúrgica ablativa1.

1º) Disciplina preventiva

A disciplina eclesiástica preventiva é aquela que se esforça para ensinar os referenciais bíblicos, portanto seguros e confiáveis, de conduta e comportamento, de modo que o crente tenha onde se ancorar. Isso é feito através da ministração da Palavra de Deus e de bons exemplos de vida dos líderes. O apóstolo Paulo se ocupava e se empenhava diuturnamente nessa lida, diante de tantas igrejas emergentes. Esse precisa ser um trabalho contínuo com vistas a construir alicerces inabaláveis de princípios e padrões morais e espirituais, na tentativa de prevenir a prática do pecado.

2º) Disciplina corretiva

A disciplina corretiva se impõe como necessária quando a prática do pecado é verificada. No ensino do Senhor Jesus Cristo, em Mateus 18.15-20, ela pode e dever ser exercida de forma equilibrada e curativa, respeitando-se três estágios de poder de persuasão crescentes e progressivos: o ofendido e o ofensor; o ofendido e algumas testemunhas e o ofensor; a igreja e o ofensor.

3º) Disciplina cirúrgica ablativa

A disciplina eclesiástica cirúrgica ablativa é o nível extremo e, portanto, mais traumática e se impõe quando todas as tentativas anteriores não surtiram efeito e o infrator mantém-se impenitente. O termo “cirúrgico ablativo” se aplica pela similaridade figurada entre se extirpar do corpo humano um tumor e se desligar do corpo de Cristo, a Igreja, um membro que se recusa a arrepender-se e a deixar o pecado.

A responsabilidade de julgar, disciplinar, cassar privilégios e excluir do rol de membros é prerrogativa da igreja ou de sua liderança formalmente constituída e por delegação desta, fundamentado nas Escrituras e na autoridade delegada do Senhor e cabeça da Igreja (Mt 18.17-20).

Esse terceiro nível foi o caso da disciplina aplicada a Acã, seus filhos, suas filhas, seus animais, sua tenda e tudo o que possuía. Eles foram apedrejados e, depois, tudo foi queimado, no vale de Acor (Js 7.22-26). A Lei Mosaica previa meios de perdão e restauração do transgressor. Entretanto, neste caso, a soberania divina determinou, de imediato, a sentença de morte. A família de Acã também foi punida, pois, provavelmente foi cúmplice de seu pecado (Dt 24.16). Em alguns casos narrados na bíblia, a punição divina pode parecer ser excessiva, mas tem a explícita intenção de ser exemplar, como neste caso ou no caso de Ananias e Safira, por exemplo.

Conclusão:

Pode-se dizer que essa ideia de levar vantagem em tudo não é coisa tão recente assim, nem é marca registrada do povo brasileiro. Acã, no Antigo Testamento; e,  Ananias e Safira, no Novo Testamento, são bons exemplos disso.

Finalmente, podemos concluir que os efeitos do pecado em nossa vida hoje são tão maléficos como nos dias de Jericó. Quando o Espírito Santo é persistentemente ofendido, mostrará a sua tristeza, retirando primeiramente o seu poder e, depois, o seu testemunho. Se isso não for o suficiente para trazer de volta o crente inconstante, então é certo que virá o açoite da correção.

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1 CIRURGIA ABLATIVA:  Tipo de cirurgia em que se remove parte, ou todo, do órgão afetado pelo câncer.

Um apelo irrecusável

Apelo

“Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” (Rm 12.1-2)

Na terceira parte da epístola aos romanos (Rm 12.1–15.3), o apóstolo Paulo faz exortações práticas à igreja. Particularmente em Romanos 12.1-2 o assunto é “o cristão e o seu dever para consigo mesmo”, ou seja, santidade de vida, consagração a Deus e dedicação pessoal ao seu serviço. Estes aspectos são recorrentes nos escritos de Paulo e em outros escritos do Novo Testamento. Aliás, este tema vem de muito mais longe. Desde o tempo de Abraão, “…apareceu-lhe o SENHOR e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda na minha presença e sê perfeito.” (Gn 17.1) e, mesmo antes dele. Deus sempre manifestou sua vontade de ter um povo separado, exclusivo e de boas obras.

1. A caracterização (Rm 12.1)

“Rogo-vos, pois, irmãos,…”

A expressão “Rogo-vos” que inicia o versículo caracteriza o apelo, sério e ardoroso, aos irmãos, aos crentes em Cristo. O assunto se revestia de tamanha importância que ele não apenas recomendou ou disse que era algo interessante. Ele se expressa da forma mais forte e convincente que podia encontrar, para demonstrar seu intenso e total interesse no sentido de que seus leitores levassem a sério a questão em foco. E, certamente, o seu apelo podia ser acreditado em função do seu próprio exemplo de vida. Ele tudo deixou e tudo sofreu por amor a Cristo. Vale lembrar que em outras questões de real importância para os crentes, nesta e em outras epístolas, ele também recorreu ao expediente de apelar às suas mentes e corações (“rogo-vos” – Rm 15.30; 16.17; 1Co 1.10; Ef 4.1).

2. A evocação (Rm 12.1)

“pelas misericórdias de Deus,”

O apelo do apóstolo não está fiado em si mesmo, nos seus próprios méritos, grandeza ou poder. Ele evoca o Deus altíssimo e sua maravilhosa e sublime Graça. Graça é favor imerecido. É Deus, na sua infinita misericórdia, não nos imputar o castigo merecido pelo nosso pecado. Pois Cristo levou sobre si este fardo e pagou o preço com sua morte, e morte de cruz. Então, esse grandioso feito de Deus por nós deve ser suficientemente motivador para atendermos ao apelo de vivermos uma vida santificada e dedicada ao Senhor! Em outra ocorrência do “rogo-vos” Paulo evoca explicitamente “o Senhor Jesus e o amor do Espírito Santo” (Rm 15.30).

3. O foco – o culto racional (Rm 12.1)

“que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.”

O apelo de Paulo traspassa culturas e épocas e chega até nós, a igreja de qualquer tempo e contexto. Quando hoje se fala em culto, nossa mente nos remete imediatamente para aquele ajuntamento coletivo realizado nos templos ou em outro lugar. Porém, o culto aqui referido é um culto pessoal e espiritual. Deve ocorrer cotidianamente no contexto da “liturgia da vida”. Nossa participação no culto coletivo (da igreja) só será aceita nos céus se o nosso culto pessoal e individual também for aceitável diante de Deus.

Quando o apóstolo se refere ao corpo, está tratando da individualidade e totalidade do nosso ser. Esse ser deve ser apresentado ou oferecido a Deus de três maneiras: Em….

a) Sacrifício vivo

Para um povo tão familiarizado com os sacrifícios e rituais da lei mosaica, Paulo propõe uma abordagem comparativa. Nas ordenanças da lei mosaica, o pecador e transgressor deveria oferecer em sacrifício um animal para que o sangue deste cobrisse ou expiasse sua culpa. Tais sacrifícios eram repetitivos e imperfeitos. Na graça, Cristo, com o seu sacrifício único e perfeito já providenciou essa expiação, por nós, de uma vez por todas (Hb 9.28). Nos resta, agora, comparecer diante de Deus não com animais mortos, mas com o nosso corpo ou ser, muito vivo e lhe dizer: “Eis-me aqui, envia-me, a mim” (Is 6.8); “usa-me, Senhor”.

b) Sacrifício santo

Nas ordenanças da lei, o animal a ser sacrificado devia ser sem defeito e separado, isto é, santo (Ex 12.5). Era uma exigência que não admitia exceções. Semelhantemente, nosso culto pessoal só será aceito se nos apresentarmos a Deus em santidade de vida. Templo sempre foi lugar de santidade e nós somos o templo do Espírito Santo, santuário de Deus que também precisa ser santo: Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Co 3.16)

c)  Sacrifício agradável a Deus

Numa visão antropocentrista, o homem está sempre procurando algo que lhe agrade e satisfaça. Entretanto, o culto racional é realizado para agradar a Deus. Para tanto, tem que ser em conformidade com suas exigências.

Alguns crentes têm a ideia equivocada de que para agradar a Deus deve maltratar, desprezar e impor sacrifícios ao seu corpo. É preciso mortificar os feitos do corpo e não o corpo: “Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis.” (Rm 8.13). Vale lembrar que a verdadeira força do jejum não está simplesmente na abstinência de alimentos, mas sim no volver de todo o nosso ser para Deus durante aquele período e, antes de tudo, viver em santidade. “Seria este o jejum que escolhi, que o homem um dia aflija a sua alma, incline a sua cabeça como o junco e estenda debaixo de si pano de saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aceitável ao SENHOR? Porventura, não é este o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo?” (Is 58.5-6)

Finalmente, ao tratar de culto racional, precisamos nos referir aos escritos de Pedro. Em 1Pedro 2 o apóstolo também focaliza a individualidade e a coletividade deste culto. Cada remido é “pedra viva” e o conjunto dos remidos do Senhor são edificados “casa espiritual”, para dois ofícios:

  • Sacerdócio santo (1Pe 2.5)

Quando essas “pedras vivas” exercem o “sacerdócio santo” o alvo é bem definido: “a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo”. Os crentes-sacerdotes oferecem “sacrifícios espirituais” ao Senhor: individualmente e coletivamente. Individualmente, quando na intimidade de sua vida privada mantém intima comunhão com o Senhor: em oração, na leitura e meditação da sua Palavra, no louvor com os lábios, mente e coração etc. Coletivamente, quando os crentes-sacerdotes se reúnem para cultuá-lo em espírito e em verdade. Vale lembrar que sem a intermediação de Jesus, nada disso chega ao Pai Celestial.

  • Sacerdócio real (1Pe 2.9)

Quando essas “pedras vivas” exercem o “sacerdócio real” o alvo também é bem definido: “a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;”. Certamente isso diz respeito ao IDE de Jesus, ao testemunho e evangelização dos de fora pelos crentes-sacerdotes.

4. A exigência – Diferenciação (Rm 12.2)

“E não vos conformeis com este século,”

O mesmo Deus de Israel, que exigia do seu povo um viver diferenciado das outras nações, agora, em tempos da Nova Aliança, da Graça, também requer dos cristãos um viver diferenciado em relação ao estilo de vida presente em cada época. É tão claro e tão óbvio, mas como é difícil para os crentes entenderem e obedecerem a essa inequívoca, inquestionável e inflexível vontade de Deus! A palavra “conformeis” ou “amoldeis” tem o sentido de “tomar a forma”, modelar, se ajustar a uma fôrma ou molde ou padrão. A modelagem de caráter, de comportamento, de princípios e valores, de motivação existencial, de linguajar etc etc do cristão se dá através da Bíblia, pelo agir do Espírito Santo que nele habita! O apóstolo Pedro também apela aos crentes, neste sentido: “Como filhos da obediência, não vos amoldeis às paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância;” (1Pe 1.14). O apóstolo João acrescenta: “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele;” (1Jo 2.15). E, Jesus, nos convoca: “Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.” (Mt 16.24)

5. O desafio – Transformação (Rm 12.2)

“mas transformai-vos pela renovação da vossa mente,”

Não basta recusar a se ajustar ao molde social do presente século. Além de blindar a mente das más influências e comportamentos é indispensável moldá-la pela Palavra de Deus. O cristão precisa aprontar a sua mente para viver a nova vida sem dar espaço para a vida antiga, para as obras das trevas. Esse preparo da mente passa, primeiramente, por uma vida devocional disciplinada e, também, pela assimilação da Palavra de Deus, participando de uma igreja séria que não se presta à promoção de uma superficialidade cultual, entretenimento ocupacional e emocionalismo terapêutico. A mente precisa mesmo de atenção, pois dela procedem o pensar e o agir. Ela é a sede das concepções, que condicionam as percepções, que influenciam comportamentos. Tanto isso é verdade, que o Senhor Jesus dedicou atenção especial ao ensino dos seus discípulos, a preparar suas mentes. Uma mente renovada produz uma vida transformada que agrada a Deus!

6. A recompensa – Bênção (Rm 12.2)

“para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.”

Deus não tem compromisso com ímpios, nem com “cristãos” que não estão dispostos a pagar o preço de “negarem-se a si mesmo”, nem “as paixões do mundo” e, que também não estão dispostos a dedicarem suas vidas ao Senhor. Mas aqueles que obedecerem e dedicarem seus talentos, sua vida, ao Senhor, receberão suas bênçãos aqui e agora, e por fim, a vida eterna. Podem até enfrentar provações, dificuldades e perseguições, mas desfrutarão sempre da preciosa presença, consolação e força do Senhor.

Que assim Deus nos ajude!