Pequenos Grupos, Grandes Resultados

Introdução          

O mundo gira em torno da globalização, porém as pessoas continuam caminhando nas suas tribos, nos seus grupos de afinidade!

Muitos são os fatores que podem exercer um papel importante no crescimento de uma igreja, um crescimento integral, que contemple aspectos muito além de números, tais como, maturidade espiritual, estreitamento da comunhão com Deus e com os irmãos, adoração autêntica, conhecimento da palavra e prática da fé, integridade moral, influência e transformação de pessoas, famílias e da sociedade. Neste caso, os pequenos grupos desempenham um papel relevante e determinante que precisa ser considerado.

Desde já é preciso esclarecer que não defendemos o modelo de estrutura de igreja celular ou em células ou em grupos, porém, o modelo tradicional, com ênfase na igreja como um todo, com grupos ou com células que são uma extensão ou ferramenta usada complementarmente para alcançar seus objetivos. Veja no “Apêndice” uma conceituação mais ampla dos dois modelos.    

O presente estudo tem o propósito de chamar a atenção para a importância dos pequenos grupos e do discipulado no crescimento da igreja; para a responsabilidade da liderança em preparar novos líderes e viabilizar essa assistência aos irmãos, promovendo crentes conhecedores e praticantes da Palavra de Deus.

Desenvolvimento:

1. PEQUENOS GRUPOS, NO ANTIGO TESTAMENTO

Pequenos grupos de convivência, compartilhamento e desenvolvimento não são novidade. Podemos considerar que a família consanguínea, de certa forma, é o embrião de pequenos grupos.  No Antigo Testamento há um clássico exemplo em termos de divisão de responsabilidade na gestão de pessoas, com a correspondente divisão em grupos, no conselho de Jetro ao seu genro e líder de Israel, Moisés (Êx 18). Muitos séculos depois, num tempo de restauração pós-cativeiro, Esdras, o sacerdote, escriba e líder espiritual maior, se dispôs a buscar, cumprir e ensinar a lei do Senhor (Ed 7.10; Ne 8.1-6). E ele teve a sabedoria divina de dividir esta responsabilidade e privilégio de ensinar e liderar com outros (Ne 8.7-8).

2. PEQUENOS GRUPOS, NO NOVO TESTAMENTO

“E todos os dias, no templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar e de pregar Jesus, o Cristo.” (At 5.42)

No Novo Testamento Jesus mesmo nos dá o exemplo quando chama e discipula o pequeno grupo dos doze. A igreja primitiva surge e se reúne no templo e nas casas, em pequenos grupos (At 2.42; 5.42; 20.20; Rm 16.5; 1Co 16.19; Cl 4.15). Foi com este modelo que a igreja neotestamentária se manteve ativa, se fortaleceu e se expandiu. Se deu certo naquele tempo, por que não daria hoje?

3. PEQUENOS GRUPOS, HOJE

Uma igreja com o templo superlotado de pessoas rasas na fé, inoperantes e centralizadas em um “pastor estrela” não é bom prognóstico. Não há garantia de futuro nesse modelo sonhado e desejado por muitos pastores. “Uma igreja não pode subsistir apenas na forma de auditórios superlotados, transformando-se em plateia consumidora de porções de regalo espiritual”. 

O Espírito Santo foi derramado sobre todos os salvos, distribuindo dons e chamando-os para adorar e servir a Deus; viver plenamente, testemunhar e pregar o Evangelho onde estiver; ensinar, discipular e exercer misericórdia. Fomos salvos para servir e não para incrementar estatísticas eclesiásticas, para ser mais um número na multidão. Fomos salvos e comissionados para sermos sal da terra e luz do mundo; infiltrados em toda a parte, presentes em todos os espaços que nos forem permitidos, a partir do lar e na sociedade. Isso está em perfeita harmonia com o ensino bíblico do sacerdócio universal dos crentes (1Pe 2.9).   

As Sociedades Internas ou Departamentos e Escola Bíblica Dominical (EBD), nas dependências da igreja, bem como os Pequenos Grupos, nos lares, são formas de promover a comunhão, o discipulado, o pastoreio e a evangelização entre os membros e os visitantes. Particularmente, os pequenos grupos desempenham um papel fundamental na vida e na dinâmica das igrejas em todo o mundo.

4. PEQUENOS GRUPOS E SUA RELEVÂNCIA

Eles são conhecidos por vários nomes, como grupos de células, grupos familiares, grupos de estudo bíblico ou grupos de comunhão, mas, independentemente do nome, sua importância para o crescimento espiritual e numérico da igreja é universalmente reconhecida pelos seguintes motivos, dentre outros:

1º) Comunhão e Relacionamento

Proporcionam um ambiente acolhedor onde os membros da igreja podem se conhecer melhor, desenvolver relacionamentos sólidos e não fluidos, e construir um sentimento de comunhão cristã. Isso promove um senso de pertencimento e apoio mútuo dentro da igreja.

2º) Crescimento Espiritual

São espaços ideais para o estudo da Bíblia, oração e discussão de temas espirituais. Eles permitem que os participantes cresçam em sua compreensão da fé, aprendam uns com os outros e apliquem princípios cristãos à vida cotidiana.

3º) Cuidado Pastoral

Os líderes dos pequenos grupos, bem como as lideranças presentes, muitas vezes desempenham um papel importante no cuidado pastoral. Eles podem identificar necessidades individuais, oferecer apoio emocional e espiritual e encaminhar pessoas para o pastor ou líder da igreja quando necessário.

4º) Evangelismo

Os pequenos grupos proporcionam oportunidades para que os membros da igreja convidem amigos, vizinhos e colegas de trabalho não crentes para participar. Um ambiente menos formal muitas vezes é mais convidativo para pessoas que podem se sentir desconfortáveis num culto público no templo. Portanto, oferece a oportunidade para se alcançar pessoas que ainda não conhecem a Jesus, através do testemunho e do convívio.

5º) Participação Ativa

Em uma igreja com muitos membros, pode ser desafiador mobilizar todos os membros para se envolverem ativamente. Os pequenos grupos oferecem um espaço onde as pessoas podem participar, liderar estudos bíblicos, orar em público e servir de várias maneiras, o que pode fortalecer seu senso de responsabilidade e utilidade na igreja. Portanto, oferece a oportunidade do desenvolvimento de dons, talentos e ministérios para servir a Deus e ao próximo.

6º) Apoio em Tempos de Crise

Quando membros da igreja enfrentam dificuldades pessoais, como doenças, perdas familiares ou desafios financeiros, os pequenos grupos muitas vezes se tornam uma fonte valiosa de apoio prático e emocional. É um espaço precioso para o encorajamento e fortalecimento espiritual através da oração, do estudo da Bíblia e da orientação espiritual.   

7º) Crescimento da Igreja

Os pequenos grupos podem servir como um meio eficaz de crescimento da igreja. À medida que os membros se envolvem em grupos menores, eles se sentem mais conectados à comunidade e são mais propensos a permanecer e convidar outras pessoas para se juntarem à igreja. Também oferecem um ambiente propício para o discipulado, onde os cristãos mais maduros podem orientar e mentorear os mais novos na fé. Desta forma, proporcionam a oportunidade de um crescimento integral.

5. PEQUENOS GRUPOS E ALGUNS DESTAQUES

As Sociedades Internas ou Departamentos da igreja são normalmente formados levando-se em conta faixas de idade (crianças, adolescentes e jovens) ou sexo (adultos homens, adultos mulheres) ou grupos organizados por afinidade e áreas de interesse (casais, sós, idosos etc.). Portanto, desta forma constituídos, procura-se reunir pessoas que se identifiquem melhor por possuírem interesses e expectativas comuns, bem como adequar melhor o conteúdo ao estado de desenvolvimento do ser humano e/ou às suas necessidades, dentre outras razões.

Os pequenos grupos nos lares, com uma composição mais heterogênica, como uma família consanguínea estendida, oferecem a oportunidade de um convívio mais estreito e necessário das pessoas, afinal, os jovens precisam se apropriar da experiência e legado dos mais velhos, bem como os mais velhos precisam se atualizar sempre, precisam conhecer e ver melhor o mundo vivido pelos mais jovens, até mesmo para se posicionarem de forma mais realista e poderem contribuir mais e melhor para o bem de todos.

Os Pequenos Grupos podem  ser considerados ou usados como uma extensão da família menor. Podem ser a única “família de fato” para os que não têm mais família ou que estão morando muito longe da família e de outros parentes.

O destaque final e comprovado na minha própria experiência de vida é que, os Pequenos Grupos, conseguem formar laços de relacionamento tão fortes e viscerais, que mesmo quando algumas pessoas do grupo se transferem para outras igrejas ainda continuam frequentando o grupo.

6. PEQUENOS GRUPOS E LIDERANÇA

“E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros.” (2Tm 2.2)

Considerando que os pastores não têm como trabalhar sozinhos, é preciso investir na formação de líderes, pessoas fiéis e idôneas, que possam atuar na igreja e, também, nos Pequenos Grupos para um discipulado efetivo, que é muito mais do que um projeto eventual, é um estilo de vida permanente. Jesus fez isso com os doze e nos deu o exemplo. Ele os ensinou, os treinou, fazendo e ensinando a fazer, fez na presença deles e os enviou para fazerem sem a presença física dele. Ele chamou homens simples e os capacitou. Na história da igreja muitas pessoas, de diversos tipos, formação e classes sociais, foram chamadas, mas deveriam esvaziar-se de si mesmas, para serem moldadas e capacitadas pelo Espírito Santo. Sem dúvida, o treinamento adequado das pessoas certas será de grande valia para o discipulado e crescimento integral dos crentes e da igreja.

Conclusão

Em resumo, os pequenos grupos desempenham um papel vital na vida da igreja: fortalecendo a comunhão e os relacionamentos; promovendo o crescimento espiritual dos crentes; cuidando pastoralmente dos membros; atraindo e evangelizando amigos e vizinhos; proporcionando a oportunidade de participação ativa, bem como o desenvolvimento de dons e talentos, com vistas ao sacerdócio universal dos crentes; apoiando e sustentando os irmãos em tempos difíceis;  e, contribuindo para o crescimento integral e o impacto da igreja na comunidade. Eles oferecem uma experiência mais pessoal e envolvente em complemento ao culto público e são uma parte essencial do ministério cristão eficaz.

Vale transcrever aqui parte do texto de capa do livro citado no item 4 da Bibliografia:

“As igrejas deveriam ser o último lugar para alguém se sentir só.

Fomos criados para viver em comunidade. Nosso coração anseia pelo tipo de relacionamento autêntico e profundo no qual Jesus pensou ao orar para que seus discípulos fossem um. Mesmo assim, essa qualidade de relacionamento ainda é muito difícil de encontrar. Como, então, uma igreja pode se transformar em um lugar onde ninguém se sinta sozinho?

Muitas igrejas estão descobrindo a resposta nos grupos pequenos. De modo único, eles oferecem o ambiente ideal que edifica e fortalece o corpo de Cristo, preparando o para crescer impactar o mundo. Na Willow Creek Community Church, os grupos pequenos são tão importantes que definem sua visão estratégica organizacional.

Em Edificando uma igreja de pequenos grupos, os autores compartilham a história de como Willow Creek se tornou uma igreja onde mais de 18000 pessoas se relacionam em 2700 grupos pequenos todas as semanas. Eles também mostram como uma igreja – não importando o tamanho – pode se tornar um lugar onde homens e mulheres, adultos e crianças, podem experimentar uma vida frutífera em comunidade e crescer com saúde e vitalidade espiritual.”
(Larry Crabb, psicólogo e autor)

Que Deus nos ajude!

Bibliografia

1. Bíblia Sagrada (SBB – Versão Revista e Atualizada).
2. Bíblia Online – SBB.
3. Revista Fazei Discípulos (Ed. Didaquê).
4. Edificando uma Igreja de Grupos Pequenos (Bill Donahue, Russ Robinson) (Editora Vida).
5. Internet.


Veja, também: Discipulado e crescimento da igreja.


Apêndice

Qual a diferença de uma igreja em grupos ou células, e com grupos ou células?

“A diferença entre uma igreja em grupos ou células e uma igreja com grupos ou células está relacionada à ênfase e ao papel desses grupos na vida da igreja. Vamos entender as distinções:

1. Igreja em Grupos ou Células:

   – Ênfase Principal: Nesse modelo, a ênfase principal recai sobre os grupos ou células. A igreja é vista como essencialmente composta por esses grupos pequenos, e as reuniões congregacionais são frequentemente vistas como complementares às atividades dos grupos ou células.

   – Funcionamento: Os grupos ou células são o núcleo da vida da igreja. Eles se reúnem regularmente para estudo da Bíblia, oração, comunhão e apoio mútuo. Muitas vezes, esses grupos são liderados por membros da igreja e desempenham um papel fundamental no discipulado e na comunhão.

   – Objetivos: Os grupos ou células em uma igreja desse modelo são geralmente responsáveis pelo discipulado, crescimento espiritual e cuidado pastoral dos membros. O objetivo é aprofundar relacionamentos e criar um ambiente íntimo para o crescimento espiritual.

2. Igreja com Grupos ou Células:

   – Ênfase Principal: Nesse modelo, a ênfase principal recai sobre a congregação como um todo, e os grupos ou células são uma extensão ou ferramenta usada pela igreja para alcançar seus objetivos.

   – Funcionamento: A congregação reúne-se regularmente em cultos e eventos congregacionais, que são o ponto central da vida da igreja. Além disso, a igreja usa grupos ou células para complementar o discipulado, a comunhão e o crescimento espiritual.

   – Objetivos: Os grupos ou células em uma igreja desse modelo podem ser usados para alcançar metas específicas, como discipulado mais próximo, cuidado pastoral eficaz ou alcance de diferentes grupos demográficos. Eles são considerados uma parte importante da estratégia da igreja, mas não substituem o papel central dos cultos congregacionais.

Em resumo, a principal diferença entre uma igreja em grupos ou células e uma igreja com grupos ou células está na ênfase dada a esses grupos em relação à congregação como um todo. Em uma igreja em grupos ou células, os grupos são a pedra angular da vida da igreja, enquanto em uma igreja com grupos ou células, os grupos são usados como uma ferramenta para apoiar e complementar os objetivos gerais da igreja. A escolha entre esses modelos depende das necessidades e da visão específica de cada congregação.” (Internet-IA)


Literatura

Certamente poderá ser encontrado no mercado literário evangélico alguns livros sobre a organização de Pequenos Grupos nas igrejas. Não conhecemos, portanto, não podemos recomendar, porém, apenas mencionar, para os que se interessarem em se aprofundar no assunto,  os seguintes livros:

– Liderança de Pequenos Grupos Com Propósitos (Steve Gladen)(Editora Vida).

– Edificando uma Igreja de Grupos Pequenos (Bill Donahue, Russ Robinson) (Editora Vida).

– Conduzindo pequenos grupos (Colin Marshall)(Editora Fiel)

– Pequenos Grupos: Implantação, revitalização e multiplicação na igreja (Dietmar Wimmersberger)(Editora Esperança).

– Pequenos Grupos. Um Guia Prático Para Implantação na Igreja (Dietmar Wimmersberger)(Editora União Cristã).

Certifique-se de escolher livros que se alinhem com a visão e os valores da sua igreja, bem como com a orientação teológica que você segue. Isso ajudará na implementação bem-sucedida de Grupos Pequenos na sua igreja.

Discipulado e Crescimento da Igreja

Introdução          

O que deve ser feito para promover o crescimento da igreja neste século 21?

Esta é uma pergunta que pastores e líderes de igreja se fazem continuamente. Muitos são os fatores que podem exercer um papel importante no crescimento de uma igreja. E é imprescindível pensar num crescimento integral, que contemple aspectos muito além de números, tais como, maturidade espiritual, estreitamento da comunhão com Deus e com os irmãos, adoração autêntica, conhecimento da palavra e prática da fé, integridade moral, influência e transformação de pessoas, famílias e da sociedade.

Ao refletirmos sobre crescimento da igreja não podemos deixar de levar em conta a importância do discipulado. Discipulado e crescimento espiritual são da responsabilidade indelegável das duas partes interessadas – do crente e da igreja. É comum se ver por aí pastores e líderes focados em encher os templos de pessoas e construírem templos cada vez maiores. Não há qualquer equívoco em investir para  expandir o Reino de Deus aqui na terra. O grande erro da liderança e da igreja é achar que a missão está cumprida e terminada quando mais uma pessoa é acrescentada ao rol de membros. A grande comissão de Jesus é para “pregar o evangelho a toda a criatura” (Mc 16.15) e “fazer discípulos de todas as nações” (Mt 28.19). A chegada de um novo convertido na comunidade de fé não é o término da missão, a linha de chegada, mas, o ponto de partida, o início da jornada de uma nova criatura em Cristo, que, como um recém-nascido precisa de cuidado, alimento, proteção, orientação, enfim, de atenção. Como eu e você, a igreja e sua liderança, estamos tratando dessa questão? 

“Porque, ainda que tivésseis milhares de preceptores[1] em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais; pois eu, pelo evangelho, vos gerei em Cristo Jesus.” (1Co 4.15)

O apóstolo Paulo nos dá o exemplo: “E sabeis, ainda, de que maneira, como pai a seus filhos, a cada um de vós, exortamos, consolamos e admoestamos, para viverdes por modo digno de Deus, que vos chama para o seu reino e glória.” (1Ts 2.11). Quem “gera” e ama também precisa cuidar e acompanhar o crescimento, assumindo a paternidade/maternidade: “meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós;” (Gl 4.19). 

Alguém resumiu bem as três fases da maturidade cristã, por analogia à maturidade humana:

1ª) Ele é servido: leite (peito -> mamadeira) -> papinha -> alimento sólido).

2ª) Ele mesmo se serve.

3ª) Ele primeiro serve outros para depois se servir. Esta é a fase mais madura!

O presente estudo tem a intenção de chamar a atenção para a importância do discipulado no crescimento da igreja; na responsabilidade da liderança em preparar novos líderes e viabilizar essa assistência aos irmãos, promovendo crentes conhecedores e praticantes da Palavra de Deus.

Desenvolvimento:

1. O CRESCIMENTO DA IGREJA PRIMITIVA

O crescimento da Igreja Primitiva é um tema complexo e multifacetado que envolve diversos fatores e eventos ao longo do primeiro século do Cristianismo. Alguns dos principais aspectos que contribuíram para o crescimento da Igreja Primitiva são:

a) O Ministério de Jesus

“Escrevi o primeiro livro, ó Teófilo, relatando todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar até ao dia em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera, foi elevado às alturas. A estes também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas provas incontestáveis, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando das coisas concernentes ao reino de Deus.” (At 1.1-3)

A pessoa de Jesus Cristo e seu ministério na Palestina impactou o mundo desde então e atraiu seguidores. Sua autoridade divina, seus ensinamentos, milagres e ressurreição foram aspectos e eventos essenciais que impulsionaram o início e expansão da Igreja.

b) O Pentecostes

“E, comendo com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, a qual, disse ele, de mim ouvistes. Porque João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias. … mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo,” (At 1.4-5, 8a)

O evento de Pentecostes, anunciado por Jesus antes da sua ascensão (At 1.4-5, 8) e cumprido em Atos 2, inaugurou o período da igreja Cristã e impulsionou o seu notável e expressivo crescimento inicial. No dia de Pentecostes, após a ascensão de Jesus, o Espírito Santo desceu sobre os discípulos, capacitando-os a falar em línguas e pregar o Evangelho com ousadia e poder, bem como a operar sinais e milagres. Isso atraiu a atenção de uma multidão de judeus e prosélitos de diferentes regiões, resultando na conversão e adesão de muitos deles à fé cristã.

c) O Ministério dos Apóstolos

“… mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra.” (At 1.8)

O que teria acontecido, após a ascensão de Jesus, se ele não tivesse chamado e instruído intensivamente, por três anos, um pequeno grupo de seguidores, os apóstolos? O que acontece se um missionário realiza missões transculturais, em determinada tribo indígena ou povo isolado da civilização, por alguns anos, e retorna para seu país, sem deixar líderes locais e a Bíblia?  

Os apóstolos desempenharam um papel relevante na propagação dos ensinos de Jesus. Eles e outros convertidos viajaram por diversas regiões, pregando o Evangelho e estabelecendo comunidades de crentes. Suas ações e ensinamentos atraíram seguidores e permitiram que o Cristianismo se espalhasse rapidamente.

d) A Perseguição e a Diáspora

“Quando ali entraram, subiram para o cenáculo onde se reuniam Pedro, João, Tiago, André, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelote, e Judas, filho de Tiago. Todos estes perseveravam unânimes em oração, com as mulheres, com Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele. … Naquele dia, levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e Samaria.” (At 1.13-14; 8.1.b)

O chamado de Jesus sempre contemplou o “estar” e o “ir”: “Então, designou doze para estarem com ele e para os enviar a pregar” (Mc 3.14). A perseguição dos primeiros cristãos, especialmente no Império Romano, ao invés de destruir a igreja, serviu para espalhar os cristãos e o evangelho para outras regiões. Isso levou à disseminação do Cristianismo para além das fronteiras da Palestina, superando barreiras raciais e culturais, em cumprimento a Atos 1.8.

e) A conversão de Saulo-Paulo

O livro de Atos dos Apóstolos registra a relevante atuação e ministério de outras pessoas convertidas, além dos doze inicialmente chamados por Cristo, que também muito influenciaram na expansão da igreja: Estêvão, Felipe, Barnabé, Tiago (meio irmão de Jesus), dentre tantos outros. Merece destaque o apóstolo Paulo, que exerceu um papel significativo na expansão e sistematização da fé cristã.

f) As Comunidades cristãs locais

Se, atualmente, muito se valoriza os grandes templos, no início da igreja as comunidades cristãs locais, muitas vezes organizadas em casas particulares, proporcionaram um ambiente acolhedor e de apoio para os novos convertidos. Ressalte-se a comunhão e a generosidade dos cristãos que compartilhavam seus bens e suas vidas uns com os outros, atraindo a simpatia do povo (At 2.42-47; At 4.32-35). Essas comunidades também desempenharam um papel importante na propagação do Evangelho.

g) A escrita e literatura cristã

Desde sempre Deus orientou que se escrevesse e registrasse suas palavras, suas alianças e os acontecimentos (Êx 17.14; 34.27; Jr 30.2; Hc 2.2; Ap 1.11). A produção de escritos cristãos, como cartas e evangelhos, ajudou na disseminação dos ensinamentos cristãos e na coesão das comunidades cristãs. A Bíblia, em particular, desempenhou e desempenha um papel fundamental na formação da teologia cristã.

Vale ressaltar que o crescimento da Igreja Primitiva, além de perseguições externas, também enfrentou desafios e controvérsias internas, como questões teológicas e divergências doutrinárias. No entanto, esses fatores mencionados foram contornados e não a impediram de pavimentar o caminho para a sua expansão, nos primeiros séculos, e seu subsequente avanço alcançando o mundo, atravessando séculos e chegando até nós.

2. A IMPORTÂNCIA DOS PEQUENOS GRUPOS

Pequenos grupos de convivência, compartilhamento e desenvolvimento são verdadeiramente muito especiais para o discipulado e crescimento da igreja. Assim sendo, resolvemos dedicar-lhe um artigo exclusivo para abordar e desenvolver um pouco mais o assunto.

Veja o artigo: Pequenos Grupos, Grandes Resultados

3. O CRESCIMENTO DA IGREJA ATUAL

Alguns dos fatores para esse crescimento são:

  • Liderança eficaz: Uma liderança sólida, agregadora e inspiradora é fundamental para o crescimento de uma igreja. Um pastor carismático, dedicado e que prega e ensina a palavra de maneira envolvente pode atrair novos membros e manter os existentes fortalecidos e engajados.
  • Comunidade acolhedora: Uma igreja amorosa, que ama a Deus e cuida do irmão, que faz com que os visitantes e novos membros se sintam bem-vindos e incluídos é um ambiente favorável ao crescimento. A construção de relacionamentos saudáveis e o oferecimento de oportunidades a todos dentro da congregação são aspectos importantes.
  • Dependência de Deus e Santificação: Uma igreja que busca sinceramente a orientação de Deus e unção do Espírito Santo, que mantém contínua oração. Estes são aspectos fundamentais para o seu crescimento espiritual e numérico. Certamente que a separação do mundo, pela santificação, é fator preponderante para ação de Deus na igreja.
  • Ensino bíblico sólido: Um ensino bíblico consistente, relevante e aplicável pode atrair e manter membros.
  • Evangelismo: O compartilhamento da fé e a busca ativa por novos membros através do evangelismo são práticas importantes para o crescimento da igreja.
  • Qualidade do culto: Um culto que agrade a Deus, incluindo música, louvor e adoração, liturgia e mensagem, pode desempenhar um papel significativo na atração e retenção de membros.
  • Programas e ministérios diversificados: Oferecer uma variedade de programas, ministérios e oportunidades de serviço que atendam às necessidades espirituais, sociais e emocionais dos membros e da comunidade em geral pode promover o crescimento da igreja
  • Atuação na comunidade: Uma igreja ativa na comunidade local, envolvida em atividades de serviço e ajuda aos necessitados, pode atrair a atenção positiva e construir uma reputação benéfica.
  • Crescimento orgânico: À medida que os membros existentes crescem espiritualmente e são ativos na igreja, eles podem convidar outras pessoas para se juntarem à comunidade. A formação de pequenos grupos ou células nos lares que aproximam e discipulam os membros e visitantes é um aspecto extremamente relevante a se considerar e desenvolver.
  • Uso da tecnologia: A utilização eficaz da tecnologia, como transmissões ao vivo, redes sociais e sites, pode ajudar a alcançar um público mais amplo e a manter os membros conectados.

É claro que existem muitos outros fatores que favorecem o crescimento da igreja, tais como: a localização geográfica do templo e a acessibilidade, estacionamento, a gestão adequada dos recursos financeiros, a decisão da liderança de investir no crescimento e mobilizar os membros, dentre outros.

É importante ressaltar que o crescimento de uma igreja deve se dar em números, mas também em termos de maturidade espiritual dos membros e do impacto positivo que a igreja tem na comunidade e na vida das pessoas. Cada igreja local é única e pode precisar adaptar suas abordagens de acordo com suas circunstâncias específicas.

Conclusão

Considerando que estamos tratando de discipulado e crescimento da igreja vale olhar para o passado, para a igreja neotestamentária, vale investir nos Pequenos Grupos e vale, também, olhar com atenção para os fatores elencados no tópico 3 acima tão relevantes para esse crescimento.

Que Deus nos ajude!

Bibliografia

1. Bíblia Sagrada (SBB – Versão Revista e Atualizada).
2. Bíblia Online – SBB.
3. Revista Fazei Discípulos (Ed. Didaquê).
4. Internet.


[1] Educador, mentor, instrutor.

Discipulado na igreja primitiva

Texto(s) base: Atos 2.42-47; 4.32-37

Introdução          

Discípulo, do grego “mathetés”, era uma palavra muito usada por Jesus, ocorrendo cerca de 153 vezes, nos Evangelhos e em Atos (discípulo = 33 vezes e discípulos = 120 vezes). Ser discípulo é ser um seguidor de Jesus, ensinado e treinado por ele.

Para começar a tratar do tema deste estudo é importante rever os conceitos ou significados de EVANGELIZAÇÃO  e de DISCIPULADO. Na grande comissão de Jesus aos seus discípulos isso fica evidenciado:

“E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado.” (Mc 16.15-16)

Evangelização é a pregação das boas novas do Evangelho para a salvação de todo aquele que crê. “E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo.” (Rm 10.17) e o Evangelho é o “poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê,” (Rm 1.16). É com o novo nascimento que começa o caminho do discipulado e, com o batismo, a inserção na igreja de Cristo. E, como definir o encontro de Filipe com o oficial etíope, eunuco, em Atos 8.26-40? Evangelização ou discipulado? Particularmente entendo que foi a evangelização de um homem piedoso, prosélito[1], adorador do Deus de Israel que ouviu a pregação e creu, confessou a Jesus como o Messias prometido, Filho de Deus e seu Salvador e foi batizado.

“Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.” (Mt 28.19-20)  

Neste registro de Mateus, da grande comissão, temos implícita a Evangelização – fazei discípulos – seguida da inserção na comunidade da fé pelo batismo, e o investimento no crescimento espiritual e amadurecimento dos discípulos de Cristo. São três imperativos, três pilares da fé cristã: Ide, Batizai e Ensinai!

Sem dúvida, evangelização e discipulado são dois aspectos inseparáveis e essenciais para a igreja, assim como são igualmente importantes a asa esquerda e a asa direita de um pássaro. Será que cada cristão e cada igreja local tem consciência e estão efetivamente comprometidos com isso? Será que o perfil do cristão moderno está mais para crente-cliente à procura de espetáculos gospels ou para seguidor de Cristo disposto a pagar o preço do discipulado? “A salvação é de graça, mas o discipulado custa tudo o que temos.” (Billy Graham). Ser discípulo de Jesus é muito mais do que ser membro e frequentador de uma igreja; é renunciar tudo e segui-lo, é ter comunhão e relacionamento com ele, é ser como ele foi, é obedecê-lo, é conhecer e praticar o que ele ensinou, e muito mais. Ser discípulo não é correr atrás de espetáculo gospel, entretenimento e bênçãos; mas, entrega, sacrifício vivo, santo e agradável a Deus (Rm 12.1).

O assunto discipulado é bem amplo e o nosso foco aqui é “se” e “como” isso acontecia no início da igreja. Certamente temos muito a aprender com a igreja primitiva sobre este assunto. A igreja começou no Pentecostes com um grupo relativamente pequeno de discípulos de Jesus – cerca de 120 pessoas (At 1.13-15; At 2.1-4). Com o derramamento do Espírito Santo a igreja vai para as ruas e, após a pregação de Pentecostes há um acréscimo, num só dia, de quase três mil pessoas (At 2.41). Mesmo sob ameaças e perseguições a igreja continua crescendo: “Muitos, porém, dos que ouviram a palavra a aceitaram, subindo o número de homens a quase cinco mil.” (At 4.4). Antes que a grande perseguição dispersasse a igreja, para que o Evangelho chegasse a outras regiões (At 8), a igreja de Jerusalém já contava com uma multidão de convertidos (At 4.32). Diante desse crescimento exponencial a igreja se deparou com o tremendo desafio de cuidar, assistir e discipular os novos convertidos. Era preciso manter o extraordinário resultado alcançado e continuar expandido a igreja. Como a igreja fez isso é o que abordaremos, a seguir.

Desenvolvimento             

“Toda pessoa nascida de novo é um milagre da graça de Deus. Está no plano de Deus que cada milagrosa vida nova cresça até a plenitude de Cristo…. O novo crente é uma criança espiritual e precisa ter imediatos cuidados maternos e paternos. O tempo longo, que, chocantemente, se deixa passar entre a decisão e o seguimento inicial, é um fator negativo de monta, que impede o futuro crescimento… Dentro de vinte e quatro horas o novo convertido deve receber oração, ser contatado pessoalmente e deve-se mostrar a ele como pode começar a alimentar-se com a Palavra de Deus. Um bebê necessita de carinho e de alimento! Quando lembramos os três anos do discipulado diário de Jesus, e os anos de comunhão de Paulo com Timóteo e Tito, vemos que o seguimento não é resolvido por um ou dois cultos na igreja.”(Waylon B. Moore)

Então, vejamos o que a igreja neotestamentária emergente fez:

1. ACOLHIMENTO E INTEGRAÇÃO

“E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações.” (At 2.42)

O que é mais difícil, atrair pessoas para Cristo, para a fé cristã e para a igreja, ou mantê-las em Cristo, na fé e na igreja? Vai saber… Prefiro pensar que recebemos a grande comissão de Jesus, precisamos fazer a nossa parte, mas somos apenas coadjuvantes do Espírito Santo nesta desafiadora missão.

Há uns quarenta anos atrás era comum a realização de grandes campanhas evangelísticas, com grandes pregadores. Havia muitas “decisões por Cristo”, porém, com pouca gente se arrolando a uma igreja. A literatura[2] da época também nos dava conta de que: (i) Nos Estados Unidos, 50% dos que tomavam decisão por Cristo, em suas igrejas, não chegavam a ser batizados; (ii) Na América do Sul, 8 em cada 10 dos que tomavam uma decisão por Cristo em reuniões evangelísticas, nunca voltavam à igreja. E, que isso também estava acontecendo na África e na Ásia. Portanto,  acolhimento, integração e discipulado imediatos são providências essenciais.

Temos observado que muitas igrejas hoje têm adotado estratégias de marketing e práticas visando atrair as pessoas, por exemplo, com a adaptação do ambiente de reunião de tal forma que lembram casa de show (paredes pintadas de preto, luz estroboscópica, canhões de led, telões de led, cortina de fumaça, são apenas alguns dos artifícios que fazem parte de igrejas contemporâneas, pensadas num público jovem). Nossa intenção aqui não é de julgar ou criticar, mas de provocar uma reflexão. A grande questão que se coloca é se tais práticas estão enchendo templos de discípulos verdadeiros de Jesus ou de espectadores vazios sempre em busca de “novas emoções”? De crentes alicerçados na Palavra de Deus e dispostos a obedecer e servir o Mestre e sofrer pela fé cristã, ou pessoas superficiais, rasas na fé, vulneráveis a todo vento de doutrina e totalmente dependentes de gurus espirituais?

Perseverança é a palavra de ordem na vida desses novos convertidos da igreja primitiva (At 2.42, 46). Começar a carreira cristã, após uma experiência pessoal com Deus, que levou à conversão, cheio de entusiasmo e vontade de fazer a diferença, é o que acontece com a maioria das pessoas nascidas de novo. O difícil é manter esse entusiasmo, indefinidamente. Perseverar é conservar-se firme e constante, é permanecer sem fraquejar. A perseverança nos treinos é a marca dos grandes campeões. É preciso perseverar na fé, primeiramente, e, também, em todos os compromissos assumidos com a igreja. Como fazer para não perder o entusiasmo? O que faziam os primeiros convertidos, pós-Pentecostes?

Um aspecto tremendamente facilitador na manutenção desse entusiasmo é estar junto com outros que compartilham os mesmos ideais. O versículo 44 destaca: “Todos os que creram estavam juntos…”. Isso tende a gerar:

• Sentimento de PERTENCIMENTO.
• A boa influência do grupo sobre uma pessoa.

Viver em comunidade é viver “com + unidade”, “como + um”. Comum é o que pertence simultaneamente a mais do que um. Assim é a fé que professamos, a fé comum (Tt 1.4). Além do aspecto espiritual merece destaque o registro da cobertura ou assistência social ali praticada (At 2.4-45; 4.32-35). O amor de Deus derramado nos corações abre os olhos para o discípulo de Cristo enxergar a necessidade e a dor do próximo, principalmente do irmão em Cristo e, consequentemente, também abre o bolso para ajudá-lo em suas necessidades básicas. Todas as iniciativas de ajuda material eram feitas de forma voluntária. Também não podemos perder de vista a latente expectativa da iminente volta de Cristo, o que pode ter levado alguns a pensar que seria mais útil vender propriedades. Não há aqui qualquer base para a implementação de uma ideologia comunista. Diante de uma situação de carestia e perseguição aos seguidores de Cristo, a igreja fez o que precisava fazer naquele momento. De um modo geral a sociedade deve ter em mente a transformação de comunidades de consumo em comunidades produtivas! A dignidade humana se dá através do emprego e não do assistencialismo paternalista que explora a pobreza.

Há pessoas que pensam e defendem o ponto de vista de que não há necessidade de frequentar e participar de uma igreja local. Advogam a causa do “basta ter fé em Deus e viver uma vida justa e piedosa, diante de Deus e dos homens”. Isso não expressa, de forma alguma, a vontade de Deus, que instituiu a Igreja, a ECCLESIA (lat.) ou EKKLESIA (gr.). “EK”, que significa “movimento para fora” e “KLESIA”, do verbo KALEO (gr.), chamar. A Septuaginta (100 aC) emprega o termo quando traduz a palavra hebraica “kahal”, que designava a congregação dos israelitas como uma coletividade nacional. Logo, “ekklesia “ é a assembleia dos “chamados para fora” do mundo para viverem como filhos de Deus, na casa do Pai. “Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.” (Mt 16.18). A resistência está na vivência em comunidade e na unidade da fé comum.

Vejamos, a seguir, as quatro áreas nas quais eles perseveravam, coletivamente, como igreja, que servem de referência para a igreja de todos os tempos. Quando se tenta reduzir essas quatro áreas, a quatro tipos de reunião que devem compor a agenda da igreja, muito se perde da essência do que aqui está escrito. Senão, vejamos: eles perseveravam …

2. NO ENSINO e DOUTRINA

“E perseveravam na doutrina dos apóstolos …”

Infelizmente tem se levantado gurus espirituais promovendo uma espécie de reducionismo teológico e eclesiástico. Defendem  eles que: (i) Só valem os ensinos de Jesus nos Evangelhos; (ii) Jesus é a “chave hermenêutica” da Bíblia. Assim sendo, segundo eles, nos demais livros do AT e NT só vale o que for respaldado nos ensinos de Jesus. Esse reducionismo despreza a importância e o papel da igreja institucional, o que é um lamentável equívoco. Os ensinos de Jesus são sim a nossa referência maior, porém, cremos que: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.” (2Tm 3.16-17). A habitação do Espírito Santo no crente não o exime de observar e praticar os ensinos bíblicos!

Em certa ocasião, após sua pregação, muitos creram em Jesus. E Jesus lhes falou da importância de permanecerem na sua palavra: “Ditas estas coisas, muitos creram nele. Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” (Jo 8.30-32). Um dos requisitos básicos para ser verdadeiro discípulo de Jesus é permanecer na sua Palavra.

Doutrina é o conjunto de princípios básicos, fundamentais, de um sistema religioso, político ou filosófico. Qual era a doutrina dos apóstolos? No tempo desses primeiros convertidos ainda não existia um só livro do Novo Testamento. Nesse tempo, os apóstolos transmitiam oralmente, ungidos e inspirados pelo Espírito Santo, toda a doutrina de Jesus: “…mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito.” (Jo 14.26). 

Jesus ensinava e provocava admiração nas multidões com sua nova doutrina. “Maravilhavam-se da sua doutrina, porque os ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas.” (Mc 1.22).

Eles também transmitiam os ensinos que recebiam por revelação direta do Espírito Santo, numa época em que a Bíblia estava sendo escrita.

As Escrituras do Antigo e Novo Testamentos, transmitidas pelos apóstolos e profetas formaram o firme alicerce da igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito.” (Ef 2.19-22).  Era assim que os novos convertidos alimentavam suas mentes diariamente. Era assim que se mantinha a unidade da igreja, que os líderes e as igrejas eram orientados: “Expondo estas coisas aos irmãos, serás bom ministro de Cristo Jesus, alimentado com as palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido.” (1Tm 4.6). “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração.” (Cl 3.16)

O entusiasmo e a unidade da igreja têm tudo a ver com o conhecimento e comprometimento dos remidos com a sã doutrina. Isso se cultiva através de uma vida devocional diária, enriquecida pela leitura e estudo da Bíblia e por ouvir a exposição precisa e edificante da Palavra de Deus. Todo grande Avivamento Espiritual, bíblico ou posterior, tem sido marcado por uma busca insaciável da Palavra de Deus. (2Rs 23; Ne 8 e 9)

Não queremos ser a igreja dos homens ou de um homem, mas a Igreja de Cristo ou do Livro. É com saudade que lembramos daquele tempo em que o crente era chamado de “bíblia”. É preciso estar alerta quanto àqueles que ficam aquém ou vão além da sã doutrina, ensinando a sua própria doutrina. “Se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade, é enfatuado, nada entende, mas tem mania por questões e contendas de palavras, de que nascem inveja, provocação, difamações, suspeitas malignas, altercações sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade, supondo que a piedade é fonte de lucro.” (1Tm 6.3). Esses não são de Deus e só provocam divisões e escândalos: “Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho.” (2Jo 1.9); “Rogo-vos, irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos, em desacordo com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles,” (Rm 16.17). “Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas.” (2Jo 1.10)

Enquanto a igreja primitiva buscava a solidez doutrinária e o firme fundamento das Escrituras, hoje nos deparamos com igrejas e pregadores da prosperidade, da ajuda do alto, do evangelho sem Cristo, do discurso motivacional, do vem como estás e continua assim mesmo, afinal, Jesus disse que aquele que estiver sem pecado atire a primeira pedra (Jo 8.7).

3. NA COMUNHÃO

“E perseveravam … na comunhão …”

A segunda área na qual perseveravam era a comunhão, no grego koinonia. A palavra tem o sentido de “participação em comum em crenças ou ideias”.  Há duas dimensões básicas da comunhão ensinadas na Bíblia: vertical e horizontal.

  • Comunhão com Deus (Pai, Filho e Espírito Santo) é a dimensão vertical.

“Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo.” (1Jo 1.3b); “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós.” (2Co 13.14). Na verdade, é muito mais do que uma “participação em comum” é uma interação íntima e visceral, pois somos coparticipantes da natureza divina (2Pe 1.4). Passamos a ser morada de Deus: “Respondeu Jesus: Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada.” (Jo 14.23); “Naquele dia, vós conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós, em mim, e eu, em vós.” (Jo 14.20); “….logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim;” (Gl 2.20a). O grande projeto de Deus é reproduzir em nós a imagem do seu Filho, Jesus: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito.” (2Co 3.18)

  • Comunhão com os irmãos, os santos, é a dimensão horizontal.

“Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado.” (1Jo 1.7). A comunhão com Deus é fator preponderante para se ter comunhão com os irmãos na fé. Nós somos diferentes uns dos outros e temos nossas particularidades. Entretanto, quanto mais nos aproximamos de Deus, mais nos aproximamos uns dos outros, e, mais as nossas diferenças individuais diminuem. “completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento.” (Fp 2.2).

Essa comunhão se estabelece, na vivência comunitária, através de ações práticas, produzidas pelo Espírito em nós – o fruto do Espírito: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei.” (Gl 5.22-23)

Se os membros relaxam e deixam o saudável convívio da igreja promovem um cristianismo individualista, egoísta, superficial e desfigurado. O convívio de Jesus com os seus discípulos era intenso, visceral e orgânico. Assim deve ser na igreja. Muitas igrejas têm adotado a boa prática de reuniões em pequenos grupos nas casas. Sem dúvida é uma excelente iniciativa e oportunidade para estreitamento da comunhão e crescimento espiritual (discipulado). 

“Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.” (At 2.42-46)

Este versículo resume muito bem o saudável ambiente da igreja primitiva, de perseverança na fé, acolhimento, integração, comunhão com Deus e uns com os outros. E o resultado não poderia ser outro – expansão do reino!

4. NO PARTIR DO PÃO

“E perseveravam … no partir do pão …”

O partir do pão ou a refeição comunitária, gera a intimidade da família de Deus.

A essência da Ceia foi transmitida pelo Senhor quando a instituiu (Mt 26.26-29; Mc 14.22-25 e Lc 22.17-20). O apóstolo Paulo, quando trata dos problemas que estavam ocorrendo quando da observância da Ceia, não ousa lançar novas bases doutrinárias sobre este assunto; simplesmente ele destaca a instrução que recebeu do Senhor (1Co 11.17-34).

A Ceia do Senhor é:

  • Ordenança: “Fazei isto”. Uma das duas ordenanças de Jesus para a sua igreja. A outra é o batismo.
  • Memorial: “Em memória de mim”. Um meio para manter o foco dos remidos na Pessoa e na Obra Redentora de Cristo.
  • Proclamação: “Anunciais a morte do Senhor, até que ele venha”. Um meio de manter viva a esperança da sua volta.
  • Comunhão: Um instrumento de aproximação dos filhos, entre si, e do Pai Celestial. “A Ceia não é para todos, mas somente para aqueles que são espiritualmente capazes de discernir o corpo do Senhor. Ela não se destina à conversão dos pecadores, mas à edificação dos discípulos.” (Spurgeon)

Há duas deturpações perigosas quando da observância da Ceia:

A primeira se dá quando um crente, que entende claramente o significado da celebração da Ceia, não lhe dar o devido valor; não se interessa em participar ou quando o faz, é por mero hábito, rotina ou obrigação.

A segunda acontece quando alguém, cristão professo ou não, não entendendo o seu significado, faz questão de participar por achar que o pão e o cálice têm algum poder sobrenatural ou trará alguma graça divina para sua vida.

Daí a exortação do apóstolo: “Examine-se…..e assim coma do pão e beba do cálice” (1Co 11.28). “As três perguntas que Philip Henry aconselhava às pessoas a fazerem a si mesmas, em autoexame, antes da participação na Ceia, eram: O que sou eu? Que tenho feito? Que desejo? – John Whitecross”

5. NAS ORAÇÕES

“E perseveravam …  nas orações.”

A última área mencionada neste versículo, na qual eles perseveravam é a oração. No capítulo 12 de Romanos, o apóstolo associa a cada dom ou ação ou atitude, uma palavra-chave. Assim, para a oração a palavra-chave é perseverança:

“regozijai-vos na esperança, sede pacientes na tribulação, na oração, perseverantes;” (Rm 12.12);
“Perseverai na oração, vigiando com ações de graças.” (Cl 4.2);
“com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito e para isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os santos” (Ef 6.18);
“Orai sem cessar”.(1Ts 5.17)

Jesus mesmo fez questão de ressaltar a importância da perseverança na oração. “Disse-lhes Jesus uma parábola sobre o dever de orar sempre e nunca esmorecer: Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los?” (Lc 18.1,7)

Conclusão

Muito mais se pode dizer sobre o discipulado na igreja primitiva. Por exemplo, sobre o trabalho desenvolvido por Barnabé com Saulo e com seu sobrinho Marcos; por Áquila e Priscila com Apolo; por Paulo com Timóteo, Tito e outros colaboradores. Também podemos citar alguns dos métodos utilizados na época, como “Correspondências Pessoais” (1Tm 1.1-2) e “Coletivas” (1Ts 1.1), “Intercessão Pessoal” (1Ts 1.2; 3.10), “Representantes Pessoais” (1Ts 3.1-5) e “Contato Pessoal” (1Ts 2.18).  Vale destacar o fato de o apóstolo Paulo mencionar, em Romanos 16, cerca de 28 nomes de pessoas ou famílias, o que demonstra o quanto ele valorizava o relacionamento pessoal.

Nesta abordagem, fica evidente a importância dos líderes eclesiásticos, por toda a parte, perceberem o vasto potencial que existe na abordagem feita nos pequenos grupos e no discipulado um-a-um. 

Finalmente, fica aqui para reflexão. Você sabe o que é ser um discípulo? Você é um discípulo? Você é um discipulador ou precisa ser discipulado? O que um discípulo precisa saber, praticar e compartilhar? O que um discipulador precisa saber, praticar e compartilhar? Qual o papel do cristão e da igreja no discipulado? Que importância tem a Escola Bíblica Dominical, as Sociedades Internas ou Departamentos da Igreja (por afinidade e/ou idade e/ou sexo), os Pequenos Grupos etc. no discipulado? Que pontos fortes e pontos de melhoria podem ser identificados no seu ministério pessoal de discipulado e no da sua igreja? Será que podemos afirmar que discipulado é mais do que um programa pontual, é um estilo de vida dos cristãos?

Que Deus nos ajude!

Bibliografia
1. Bíblia Sagrada (SBB – Versão Revista e Atualizada).
2. Bíblia Online – SBB.
3. Revista Fazei Discípulos (Ed. Didaquê).
4. Multiplicando Discípulos – Moore, Waylon B. – JUERP, 1983.
5. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo (Russel Norman Champlin, Ph D. – 1982).
6. Internet.


[1] Prosélito: gentio (estrangeiro) que adotou a religião judaica (Mt 23.15; At 13.43).
[2] Multiplicando Discípulos – Moore, Waylon B. – JUERP, 1983.

Lidando com problemas na igreja

Introdução

A igreja primitiva não era perfeita, em que pese a seu favor a forte presença e manifestação poderosa do Espírito Santo no seu início. Não existe igreja local perfeita, porque nós, seres humanos que a compomos, não somos perfeitos; logo todas precisam saber lidar com problemas internos, além dos externos. Numa passada de olhos apenas no Livro de Atos encontramos alguns exemplos de problemas: (i) Em Atos 5, a trama mentirosa do casal Ananias e Safira quanto ao valor encoberto da venda do terreno, doado parcialmente à igreja. (ii) Aqui em Atos 6 a falha na distribuição diária para algumas viúvas e a murmuração dela decorrente. (iii) Em Atos 8.9-13, 18-24 o pecado de Simão que abraçou a fé cristã e depois quis comprar o poder do Espírito Santo. (iv) Em Atos 9.26-27 a desconfiança e temor dos irmãos que dificultavam a aceitação e acolhimento do recém-convertido Saulo de Tarso devido ao seu passado de terrível perseguidor da igreja. (v) Em Atos 11.1-18 a desconfiança dos defensores da circuncisão por Pedro ter entrado na casa do incircunciso Cornélio e comido com eles (vv.1-3). A explicação foi dada e o apaziguamento foi  feito (vv.4-18). (vi) Em Atos 15.1-35 a equivocada questão imposta pelos legalistas da necessidade da circuncisão para a salvação. (vii) Em Atos 15.36-40 a desavença entre Paulo e Barnabé quanto a levar João Marcos na 2ª Viagem Missionária. Neste estudo, veremos como a igreja lidou e tratou do problema que surgiu, conforme registrado em Atos 6.1-7.

1. O CONTEXTO (At 6.1)

     “Naqueles dias…”

É interessante relembrar o contexto desse “naqueles dias” quando se deu o problema. Em Atos 1, o Senhor ressurreto se reuniu com os seus discípulos, anunciou o iminente batismo com o Espírito Santo, os comissionou e foi elevado aos céus, deixando-os um tanto quanto desolados e na expectativa do que viria a acontecer. Enquanto aguardavam, resolveram preencher a vaga deixada por Judas Iscariotes completando, assim, de forma um tanto quanto açodada, o quadro dos doze apóstolos, com a escolha de Matias. Em Atos 2 acontece o Pentecoste e o nascimento da igreja, em Jerusalém. Em Atos 3, a retomada dos milagres, com a cura do paralítico e a mensagem de Pedro ao povo. Em Atos 4 o recomeço da perseguição, a prisão, testemunho e libertação dos apóstolos Pedro e João, encerrando com o ajuntamento dos irmãos. Em Atos 5, a purificação interna da igreja com o juízo divino sobre Ananias e Safira que ousaram mentir ao Espírito Santo; na sequência, acontece a prisão dos apóstolos, seu testemunho e libertação.

2. A EXPANSÃO DA IGREJA (At 6.1)

     “…multiplicando-se o número dos discípulos…”

É relevante o registro desses primeiros passos da igreja, do seu crescimento extraordinário e do modus vivendi dos remidos do Senhor. Em Atos 2.41, após a pregação do Pentecoste, houve um acréscimo de quase 3.000 pessoas. Em Atos 2.44-47, registra-se que eles viviam unidos, tinham tudo em comum, vendiam suas propriedades doando o valor auferido para a igreja que usava esses recursos para ajudar aqueles que tinham necessidade. Desta forma, perseverando na fé e na adoração a Deus, bem como ajudando os mais necessitados, o Senhor acrescentava os que iam sendo salvos. Em Atos 4.4 contabiliza-se o número de homens convertidos chegando a quase 5.000. Em Atos 4.32-37 encontramos um significativo relato e descrição dessa comunidade cristã: Uma multidão unida, compartilhando os bens materiais, sem necessitados entre eles. Os apóstolos pregando e testemunhando com poder; bem como recebendo as doações dos irmãos e administrando sua distribuição aos necessitados. Em Atos 5.12-16 ratifica-se a poderosa atuação dos apóstolos, realizando sinais e prodígios e que a comunidade cristã crescia, agregando-se ao Senhor tanto homens como mulheres.

3. A DESCRIÇÃO DO PROBLEMA (At 6.1)

     “…houve murmuração dos helenistas contra os hebreus, porque as viúvas deles estavam sendo esquecidas na distribuição diária….”

Até este tempo, parece que os apóstolos haviam tomado para si a tarefa de administrar os recursos financeiros da igreja (At 4.34-37). Mas, dentro de pouco tempo, a igreja crescera significativamente, a ponto da atividade de beneficência alcançar proporções tais que requeria muito tempo dos apóstolos. O fato é que as viúvas dos helenistas estavam sendo esquecidas na distribuição diária de alimentos e outros bens, no seio da igreja. Os helenistas eram judeus que haviam adotado o estilo grego de viver. Os hebreus, por sua parte, eram judeus que tinham preferido reter a maneira tipicamente judaica de vida. (Alguns eruditos pensam que os helenistas eram gentios, prosélitos e tementes a Deus, ao passo que outros opinam que os hebraístas eram samaritanos. Entretanto, é difícil imaginar que muitos indivíduos, dessas categorias, já tivessem entrado na igreja). Lucas já havia registrado como a igreja cuidava dos necessitados, em que muitos crentes vendiam as suas propriedades, trazendo o dinheiro apurado aos pés dos apóstolos (At 4.32, 34, 35). A distribuição diária, para as necessidades das viúvas, provavelmente se fundamentava nesses fundos.

Não temos uma informação precisa sobre a causa do esquecimento das viúvas dos helenistas. Talvez houvesse uma disposição de preferência, de preconceito, por parte daqueles que estavam com a responsabilidade de cuidar das mulheres que não podiam sustentar-se, por serem viúvas pobres e idosas. Ou pode tudo ter sido causado pela negligência da parte dos encarregados dessa questão, incluindo os apóstolos, os quais se ocupavam muito mais da pregação e do ensino, não podendo, por isso mesmo, cuidar minuciosa e atenciosamente de questões como essa da distribuição diária. É preciso ficar atento ao que fazemos na igreja. Todos são igualmente importantes na igreja de Cristo e não podemos fazer acepção de pessoas. Não raro acontece de alguém assumir determinados cargos e ministérios na igreja e passarem a defender veementemente apenas o seu grupo, inclusive recursos financeiros, não se importando com os demais grupos, ministérios e sociedades internas da igreja! Cuidado com o corporativismo eclesiástico!

4. O PAPEL DA LIDERANÇA (At 6.2)

     “Então, os doze convocaram a comunidade dos discípulos…”

O papel da liderança é sempre importante na resolução de problemas. Isso não significa que esta tenha, necessariamente, todas as respostas, mas precisa assumir e conduzir o processo de solução. Na igreja primitiva verificamos que, em algumas situações, a própria liderança tomou a decisão, como no caso de Ananias e Safira; há outras em que toda a igreja foi convocada a participar, como neste caso. Vemos aqui a democracia operante na igreja primitiva. Não devemos supor que todas as pessoas convocadas tiveram parte ativa no debate, pois isso seria inviável, devido ao seu grande número; mas, pelo menos, deve ter-se manifestado um bom grupo representativo. As Escrituras não determinam quaisquer regras fixas no que diz respeito ao tipo de governo que deve prevalecer na igreja cristã (episcopal, presbiteral ou congregacional). Entretanto, devemos verificar como a igreja primitiva funcionava e beneficiar-nos com o seu exemplo.

5. O ARGUMENTO INICIAL (At 6.2)

     “… e disseram: Não é razoável que nós abandonemos a palavra de Deus para servir às mesas.”

O argumento inicial dos apóstolos deixou claro a necessidade de priorização de tarefas na igreja. Cada tarefa deve ter a sua razão de ser para não se gastar energia inutilmente. Todas são importantes, quando necessárias, porém algumas são mais prioritárias, a razão de ser da igreja, a sua atividade fim. Cada uma deve ser exercida de acordo com o chamado divino, vocação e dons distribuídos pelo próprio Espírito de Deus. Os apóstolos tinham conhecimento, como testemunhas oculares, da preciosa história e ensinos de Jesus. O melhor e mais imediato meio de fazê-los conhecidos era através da palavra falada. Não deviam permitir que nada, ainda que importante, os desviasse dessa tarefa. O ministério do ensino está contido dentro da própria Grande Comissão (Mt 28.19-20). O evangelismo, por si só, não pode cumprir essa comissão. A outra tarefa, confrontada aqui com o ministério do ensino e que precisava de outros colaboradores que não os apóstolos, era o de “servir as mesas”. Neste caso, a palavra “servir” (diakonein) se deriva do vocábulo do qual obtivemos nossa palavra “diácono” (diáconos), que significa servo, administrador ou ministro. Quanto as mesas, geralmente se acredita que estaria em foco aqui, em sentido figurado, a administração das ofertas destinadas a Ação Social da igreja.

6. A PROPOSTA DE SOLUÇÃO (At 6.3)

6.1 A participação da igreja (v.3a)

     “Mas, irmãos, escolhei dentre vós….”

Deve-se observar, com base nas palavras dos apóstolos, que à congregação é que cabia o privilégio de fazer a escolha. Estamos diante de uma verdadeira aula de administração eclesiástica que estabelece o valor e importância da democracia representativa. A igreja reunida “em assembleia” deveria eleger aqueles que deveriam exercer o ofício do diaconato, nesta ocasião estabelecido de forma embrionária. Em outras oportunidades o apóstolo Paulo expôs detalhadamente as qualificações dos presbíteros (1Timóteo 3.1-7 e Tito 1.5-9) e diáconos (1Timóteo 3.8-13).

6.2 As premissas e requisitos (vv.3b)

     “… sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos quais encarregaremos deste serviço;”

O embrião do ofício de diácono está expresso em Atos 6.1-6, tendo ocorrido a partir de delegação da autoridade apostólica e, portanto, constitui-se num exercício de autoridade na igreja. Desta forma, coerentemente com o “princípio divino da autoridade de gênero”, foram escolhidos sete homens. As qualificações completas para o ofício de diácono na igreja apareceram posteriormente, no texto de 1Timóteo 3.8-13.

Nessa democracia representativa, o privilégio da escolha acarreta a necessária responsabilidade pelo ato da escolha e suas consequências para a comunidade. Cumprindo o seu papel, a liderança fixou o número de homens a serem escolhidos e instruiu a congregação quanto a aspectos importantes que deveriam ser considerados nessa escolha, a saber:

1º) Boa reputação: Deveriam ser conhecidos em seus negócios e caráter passado, sendo recomendados favoravelmente.

2º) Cheios do Espírito Santo: Tal qual os apóstolos, deveriam ter experimentado o revestimento e plenitude do Espírito Santo. É muito provável que os dons espirituais também estivessem em foco. Estes servos precisavam ser homens dotados de habilidades, sendo homens destacados na comunidade cristã, como homens de Deus, ativos e poderosos no ministério. Deve-se notar que um dos indivíduos assim escolhidos foi Estevão, homem “cheio de graça e poder” (At 6.8), o qual “fazia prodígios e grandes sinais entre o povo”.

3º) Cheios de sabedoria: Naturalmente, essa qualidade era resultado direto do poder habilitador do Espírito Santo. Era necessário que soubessem como rejeitar as murmurações e como cuidar delas, sabendo discernir bem as pessoas e as situações, principalmente em se tratando de beneficência. A sabedoria dos diáconos precisava ser terrena e prática, dando eles mesmos exemplo de discrição e poupança, além da aptidão pelas coisas e soluções práticas. Contudo, essa sabedoria também teria de ter um aspecto espiritual, fazendo com que olhassem para seus semelhantes com espírito de amor, de ternura e de bondade, visando, além do suprimento físico, o desenvolvimento de suas almas.

Ou seja, teriam de ser homens que cuidassem tanto das necessidades físicas como das necessidades espirituais de muitíssimas pessoas, motivo pelo qual teriam de ser indivíduos altamente qualificados. É perfeitamente possível que o ofício diaconal, especialmente criado nesta ocasião, não seja idêntico ao ofício mencionado no trecho de 1Timóteo 3.1-13, onde aparecem, dadas pelo apóstolo Paulo, as qualificações necessárias dos presbíteros e diáconos, porquanto diversas modificações podem ter sido efetuadas no decorrer dos anos. Entretanto, o ofício diaconal, aqui no Livro de Atos, foi o precursor daquele encontrado nos anos posteriores, e que tem a ver com as questões materiais, seculares da vida diária das igrejas.

7. A ESTRATÉGIA – DIVISÃO DO TRABALHO (At 6.4)

     “e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra.”

O argumento inicial dos apóstolos também deixou claro a necessidade e conveniência da divisão do trabalho na igreja, a descentralização de certas atividades. Na igreja de Cristo, às vezes é preciso ter coragem e humildade para delegar tarefas, crendo no sacerdócio universal dos crentes! Cada indivíduo tem os seus próprios dons, de conformidade com aquilo que o Espírito Santo estabelece e confere, e todos os dons e serviços são igualmente importantes e necessários para o desenvolvimento e bem-estar da igreja local (Ef 4.4-16). Todo crente é responsável por fazer o máximo, sob a mão de Deus, no desenvolvimento e uso de seus dons pessoais. Os apóstolos mostraram-se bem sensíveis a esse fato, sendo que também entregaram a outros as funções que podiam ser delegadas, a fim de que tivessem a liberdade de se entregarem aos importantíssimos ministérios da oração, do ensino, da pregação e da evangelização, além da orientação geral da igreja. Era mister que os apóstolos não somente orassem, mas também se dedicassem à oração, para que se aprofundassem nessa prática, a fim de que experimentassem o autêntico e maior poder de Deus, sendo cheios do Espírito Santo, a fim de que por ele fossem usados como vasos consagrados. As lideranças das igrejas atuais devem observar bem este legado da igreja neotestamentária.

8. A RESPOSTA DA COMUNIDADE (At 6.5)

     “O parecer agradou a toda a comunidade; e elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia.”

Como é salutar para uma igreja quando sua liderança traz propostas sábias e oportunas para o bom andamento dos trabalhos ou para a solução de conflitos; propostas assertivas e iluminadas pelo Espírito Santo de Deus e, assim, recebem boa acolhida pela comunidade! Como é relevante preservar a Unidade, a Paz e a Pureza da igreja de Cristo através das boas decisões!

Deve-se observar que, nesta lista, todos os nomes são gregos. Apesar de ser verdade que muitos judeus da palestina tinham também um nome grego, além do nome hebraico, é bem provável que a maioria desses diáconos se compusesse de judeus helenistas. Todavia, a menção de Nicolau, prosélito de Antioquia, mui provavelmente significa que ele era gentio puro quanto à sua raça, embora se tivesse convertido anteriormente ao judaísmo, e, se submetesse, ao Cristianismo.

9. A SUBMISSÃO À LIDERANÇA (At 6.6)

     “Apresentaram-nos perante os apóstolos, e estes, orando, lhes impuseram as mãos.”

A igreja, como um todo, escolheu esses sete homens, mas os apóstolos aprovaram a seleção e os encarregaram do seu ofício. Então, os sete foram ordenados para esse ofício, pela imposição das mãos dos apóstolos. Tal rito se fundamenta nas páginas do AT, onde simboliza o recebimento de algum poder vital, como transferência de poder de uma pessoa para outra. Assim é que, ao nomear Josué como seu sucessor, Moisés lhe impôs as mãos, infundindo algo de sua “autoridade” (ver Nm 27.20, 23, e ainda Gn 48.13ss; Lv 1.4). A imposição de mãos no NT, às vezes acompanha a oração (Mt 19.13, 15), simboliza uma doação, quer de bênção (Mc 10.16), cura (Mc 5.23; 6.5 etc.), o Espírito Santo (At 8.17, 19; 9.17; 19.6) ou responsabilidade e autoridade para um serviço especial (At 6.6; 13.3; 1Tm 4.14 etc.).

10. A BÊNÇÃO DIVINA (At 6.7)

     “Crescia a palavra de Deus, e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé.”

A comunidade cristã não estava isenta dos problemas. Entretanto, estes eram tratados cuidadosamente, sob a orientação do Espírito Santo. Assim, o crescimento do testemunho cristão, não era descontinuado. Ao contrário, sua eficácia aumentava, a ponto de até “muitíssimos sacerdotes” crerem. Essa declaração acerca da fé que muitíssimos sacerdotes punham em Cristo, serve para mostrar-nos que, embora a nação de Israel, em sua maioria, tivesse continuado em sua atitude de rejeição ao seu próprio Messias, contudo, em todos os níveis da sociedade judaica, incluindo as classes dominantes e indivíduos de reconhecida piedade, muitos chegaram a perceber a veracidade da mensagem cristã, tendo-se passado, de todo o coração, para a nova comunidade dos seguidores de Jesus Cristo.

Conclusão

O fato é que na igreja de Cristo tudo deve ser feito com decência e ordem, com a finalidade de glorificar a Deus, anunciar o evangelho para a salvação de almas e expansão do Reino de Deus, ensinar e zelar pelo bem-estar e crescimento espiritual dos remidos do Senhor, até que ele venha.


Veja também: As qualificações dos diáconos

Igreja e Política – Pronunciar-se ou Silenciar-se?

O assunto CRISTÃO ou IGREJA e POLÍTICA é muito amplo e requer abordagens sérias e elucidativas. A relação do Cristão com o Estado é diferente da relação da Igreja com o Estado. Sendo o Estado laico não há que se pensar em interferência direta da instituição Igreja na Instituição Estado. O inverso também não é aceito. Sendo o Cristão um cidadão da pátria deve praticar uma cidadania responsável, exercendo os seus direitos constitucionais e legais, expressando-se de forma respeitosa, dentro dos limites da lei, com base em fatos e dados verdadeiros, participando diretamente (ou não) das instituições públicas e da política, também cuidando de cumprir os seus deveres; mas sempre fazendo a diferença, dando um bom testemunho da sua ética cristã.

E a instituição Igreja? Qual deveria ser o seu papel na política, em relação a atuação do Estado? Deve pronunciar-se ou silenciar-se? Deve cuidar apenas do que diz respeito à ortodoxia e à ortopraxia, nos limites da sua membresia ou no campo da religião, ou avançar na direção do ambiente sócio-político? Como deve ser a relação entre Igreja e Estado, Fé e Política?

1. O que é política?

Antes de tudo torna-se necessário purgar e desmistificar o termo “política”. A estreita associação deste termo a vários políticos desqualificados ou a certos partidos políticos abjetos, contaminou-o de tal forma que passou a ser visto por muitos com algo repulsivo e repugnante.

O termo política pode ter vários significados diferentes, mas tem um significado principal. “O termo política é derivado do grego antigo πολιτεία (politeía), que indicava todos os procedimentos relativos à Pólis, ou cidade-Estado grega. Por extensão, poderia significar tanto cidade-Estado quanto sociedade, comunidade, coletividade e outras definições referentes à vida urbana.”[1] Está intimamente ligado ao ato de governar, de tomar decisões em nível federal, estadual e municipal, para o bem comum de todos os cidadãos. O termo também pode ser estendido ao governo ou gestão de qualquer instituição ou organização ou empresa pública ou privada, que também devem visar o bem comum. Portanto, governantes e gestores precisam sempre ter em vista o atendimento dos interesses legítimos dos cidadãos, dos servidores, dos empregados. O termo também pode ser aplicado aos relacionamentos entre as pessoas, quando buscam um consenso ou objetivo em comum, atendendo assim os interesses das partes. Política é a arte do possível! A política se faz presente em todo o tempo e em todas as fases da nossa vida. Quando argumentamos, quando defendemos uma ideia, quando tentamos convencer alguém, estamos fazendo política. Vejam que o foco da política são as ações ou tomada de decisões para o bem comum. Neste sentido, até a investida num pedido de namoro ou de casamento podem ser considerados no conceito de política.

Retornando à questão do governo das cidades, se está em foco o bem comum dos cidadãos, torna-se necessário e é natural que este cidadão se faça representar no governo, o que ocorre num regime democrático através do voto do cidadão civilmente capaz.

“Política Eclesiástica” é uma expressão que as vezes pode ter um sentido pejorativo. Certamente será considerada de forma positiva quando buscar o convencimento, o senso comum, na tomada de decisões para o bem comum e que estejam totalmente alinhadas e alicerçadas na palavra de Deus, nossa regra infalível de fé e prática. Por outro lado, poderá ser um desastre na vida da igreja quando envolver interesses e caprichos pessoais e escusos, negociação de cargos em troca de benefícios, projeção humana em detrimento da glória de Deus, o bem de algum grupo de afinidade e não o bem comum,  a violação de princípios e valores bíblico-cristãos.

2. A trajetória do poder político na história.

A luta pelo poder político, os meios para se chegar ao poder e impor sua vontade e dominar comunidades tem sido uma prática constante desde o início da história. Várias são as formas que têm sido empregadas para se fazer política. A história humana começou com uma família. Então, ali prevalecia o poder político patriarcal familiar. As famílias se multiplicaram e constituíram tribos. Em cada tribo o poder político era exercido pelo líder e/ou o conselho tribal. Com o crescimento populacional, os povos primitivos, as sociedades humanas, as civilizadas, as bárbaras e as selvagens, foram se organizando, cada qual com seu poder político estabelecido ainda que rudimentar. Desde então, várias formas de governo têm sido praticadas no mundo.

Vale lembrar que o objetivo desse poder político é manter a ordem por meio de leis e regras, garantir a unidade e integridade combatendo levantes internos e a defesa contra invasões externas, e promover o desenvolvimento e bem-estar da sociedade.

Esse poder político tem sido exercido ao longo da história por líderes-ditadores (reis, imperadores etc.), às vezes assessorados por conselheiros próximos. Nesses casos o entendimento do tal “bem comum” é definido unilateralmente pelos tais governantes, sem a participação popular.  O povo de Israel inicialmente estava sob a liderança de um governo teocrático. Deus estabelecia o líder visível e governava através deste, orientando-o diretamente. Permaneceu assim até que o povo clamou por um rei e Deus o atendeu, estabelecendo a monarquia, sendo Saul o primeiro rei.

Os historiadores nos dão conta de que por volta do século V ou VI a.C. surgiu em Atenas, na Grécia Antiga, o regime de governo denominado de “democracia” ou “governo do povo” (demos=povo + kracia=poder). “Democracia é um regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente — diretamente ou através de representantes eleitos — na proposta, no desenvolvimento e na criação de leis, exercendo o poder da governação através do sufrágio universal. Ela abrange as condições sociais, econômicas e culturais que permitem o exercício livre e igual da autodeterminação política.”[2]. Ainda que outras formas de governo coexistam no mundo, a sociedade moderna parece convergir no sentido de admitir que a democracia não é um sistema de governo perfeito, mas é o menos ruim. “O sistema democrático contrasta com outras formas de governo em que o poder é detido por uma pessoa — como em uma monarquia absoluta — ou em que o poder é mantido por um pequeno número de indivíduos — como em uma oligarquia. No entanto, essas oposições, herdadas da filosofia grega, são agora ambíguas porque os governos contemporâneos têm misturado elementos democráticos, oligárquicos e monárquicos em seus sistemas políticos. Karl Popper definiu a democracia em contraste com ditadura ou tirania, privilegiando, assim, oportunidades para as pessoas de controlar seus líderes e de tirá-los do cargo sem a necessidade de uma revolução.”[3]

Tudo o que tem sido exposto até aqui é apenas um verniz histórico e conceitual que cobre esse complexo tema do poder político para enfatizar as forças que atuam e exercem influência na sociedade e sobre os cidadãos, dentre eles os cristãos. Precisamos conhecer essas forças, bem como o regime ao qual os cidadãos e a igreja estão sujeitos, bem como nossos limites para ação ou manifestação cidadã ou institucional.

3. O papel da igreja frente ao Estado.

O poder político não é a única forma de poder e de autoridade existente na sociedade. Há, também, autoridade religiosa, familiar, econômica, dentre outras. Diversas são as associações que os cidadãos firmam, porém queremos destacar aqui, além da instituição Estado, a instituição Família e a instituição Igreja (ou religiosa). O Estado exerce o poder político sobre todas as áreas, instituições e pessoas, através dos poderes constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário. Entretanto, deve haver limites na interferência do Estado sobre a Família e a Igreja. A recíproca também é verdadeira.

A grande questão que se coloca e que tem sido motivo de muita polêmica é o potencial de influência efetiva de cada uma dessas três instituições basilares sobre o cidadão! Estados totalitários, como os comunistas, farão de tudo para anular o poder de influência da família e da igreja sobre os cidadãos. Ideologias autodenominadas como “progressistas” farão de tudo para desconstruir as instituições família e igreja e, assim, anularem essas possibilidades de influência. Eles querem dominar as mentes dos cidadãos e sabem muito bem do obstáculo que igreja e família representam. Quando um governo se levanta com uma bandeira em prol da defesa da igreja e da família, de valores judaico-cristãos, sem dúvida provocará a reação de todas as forças alinhadas com as trevas e o inferno.

É fato inquestionável que desde o início dos tempos, no Éden, encontramos o propósito de Deus de inculcar na mente humana a sua “política existencial”, para o bem comum. Por outro lado, desde então encontramos, também, Satanás propagando a sua “política existencial” nefasta e destruidora, visando o afastamento da criatura do seu Criador. As formas e os meios utilizados para esses dois propósitos opostos variarão, mas prevalecerão até o final dos tempos.

Outro aspecto extremamente relevante nesses tempos de pós-modernidade é o “poder político” exercido pelos blocos econômicos e pelos veículos de comunicação de massa. Estes poderes são capazes de ultrapassar qualquer limite territorial, cultural, ético, moral, linguístico etc., e financiar ou propagar ideias, ideologias, usos e costumes que atendam seus interesses e moldem a mente dos cidadãos de qualquer nação. Daí a importância de um  Estado independente e honesto que atue eficazmente na regulação da ação das instituições, inibindo investidas que atentem contra os valores basilares da sociedade, preservando o bem comum.

Portanto, diante de tantos desafios e ameaças ao propósito divino para a humanidade, entendemos que a igreja, como instituição, deveria considerar seriamente os seguintes aspectos, dentre outros contemplados no documento do Supremo Concílio da IPB e transcrito no artigo “Igreja e Política – Mídia Tendenciosa” publicado neste blog em 11/02/2020:

a) Não se alienar dos acontecimentos e fatos que afetam a sociedade e os cidadãos, fechando-se e limitando-se aos aspectos teológicos e religiosos.

b) Sendo o Brasil um Estado laico, manter-se independente e distante do Estado e dos Partidos Políticos, jamais buscando aproximação que lhe renda benécias e vantagens, principalmente as financeiras ilícitas ou não convenientes.

c) Manifestar seu apoio àquelas iniciativas governamentais – propostas, pautas, bandeiras ou agendas – que estejam claramente definidas e alinhadas como os ensinos da bíblia e nossa herança judaico-cristã-reformada.

d) Pronunciar-se nos púlpitos e publicamente como voz profética, de forma lúcida, coerente e respeitosa, em tempo oportuno, quanto àquelas grandes questões que violem nossa herança judaico-cristã-reformada, contrariando princípios e valores de ética, da moral, da justiça, da liberdade, da igualdade, da dignidade humana e da fraternidade.  

Que assim Deus no ajude, iluminando nossas lideranças eclesiásticas a não se omitirem naquilo que precisa ser dito, e nem a extrapolarem se pronunciando em assuntos e áreas que não são de sua competência. Afinal, fomos chamados pelo nosso Mestre para sermos Sal da Terra e Luz do Mundo!


[1] Wikipédia
[2] Wikipédia
[3] Wikipédia

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Veja também:
Igreja e Política – Mídia Tendenciosa
Cristão e Política
Cristão e Comunismo – Como conciliar?

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Veja o que este jovem político tem a dizer:

Igreja e Política – Mídia Tendenciosa

Tudo para chamar a atenção

Imagine-se voltando no tempo há uns 40 anos atrás. Você passa numa banca de jornal e vê estampado num jornal, numa das matérias em destaque da primeira página, o título – “PASTOR FAZ MAL A MOÇA”.  É, ou não é, algo curioso e irresistível, considerando a reputação dos crentes e pastores naquela época! Alguns parariam para ler a matéria. Ao ler, descobria-se a verdade dos fatos: “Aconteceu nesta terça-feira. Um cão da raça pastor alemão atacou uma moça deixando-a gravemente ferida…..”. Um misto de chateação, por ter sido enganado com aquele título apelativo, se misturava com a dor daquela tragédia. E o que aconteceria com quem ficou só no título, foi em frente, não leu a matéria toda? Provavelmente ficaria com uma impressão não muito boa dos crentes, dos pastores evangélicos. Pois bem, o que a mídia não é capaz de fazer para chamar a atenção e alcançar seus objetivos?

Tentando influenciar o cidadão

No último dia 30 de janeiro de 2020 um site publicou uma matéria com o seguinte título: Igreja Presbiteriana condena apoio a partido de Bolsonaro[1]. Imediatamente as redes sociais se agitaram repercutindo a matéria. Por que razão? Qual a primeira impressão que esse título causa ou passa? Não seria algo do tipo: “– É, parece que os evangélicos estão retirando o seu apoio ao presidente Bolsonaro, pois os presbiterianos estão condenando o apoio ao seu partido”. Então, a matéria diz: “A cúpula da Igreja Presbiteriana do Brasil, a décima maior denominação protestante do país, publicou uma nota rechaçando a postura do Pastor e bolsonarista Filipe Barros (PSL-PR), que usou os fiéis para coletar assinaturas para criação do partido de Bolsonaro ‘Aliança pelo Brasil’”. Mais adiante vem a verdade dos fatos: “Em resolução de sua reunião ordinária em 1990, o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil orienta seus concílios em geral que evitem apoio ostensivo a partidos políticos e que as igrejas não cedam seus templos ou locais de culto a Deus para debates ou apresentações de cunho político”. O fato é que a IPB tem um posicionamento claro de não apoiar “ostensivamente” partidos políticos, seja ele qual for, o que é correto. Seria algum exagero ou preciosismo essa minha abordagem sobre a referida publicação? Certamente que não! Quem checar a linha ideológica do site “Brasil 247” verá que é de esquerda e em oposição ao governo Bolsonaro. Isso explica tudo!

Na mesma data acima mencionada, outro site se mostra mais cuidadoso ao noticiar o mesmo fato: “Em nota, Igreja Presbiteriana afirma que não apoia partidos[2]”. Na sequência diz: “Denominação contraria pastor de Londrina que usou estrutura da igreja para pedir apoio ao Aliança pelo Brasil.”

A posição da Igreja Presbiteriana do Brasil

Nas Publicações acima mencionadas há uma referência ao posicionamento da IPB em documento datado de 1990. Considerando ser oportuno esclarecer presbiterianos e não presbiterianos sobre o assunto, estamos ajudando a divulgar, abaixo, o inteiro teor do referido documento. Como tantas outras decisões do Supremo Concílio da IPB, vale à pena uma leitura cuidadosa de um documento elaborado com tanto zelo, qualidade e coerência com as Sagradas Escrituras. Numa tentativa de resumir tal documento e posição, sem perder sua essência, diríamos que a IPB se posiciona assim:

1) Tríplice compromisso da IPB:

– Com a democracia.
– Com o bem-estar das pessoas.
– Com a paz, dentro e fora da igreja.

 2) Recomendações para concílios, igrejas, pastores e crentes:

– Oração incessante pela política nacional e pelas autoridades constituídas.

– Participação cidadã, consciente e responsável, no exercício dos seus direitos constitucionais.

– Evitar apoio ostensivo a partidos políticos.

– Apoio, com moderação, a candidatos oriundos de igrejas Evangélicas, de reconhecida idoneidade moral e político-social.

– Distanciamento de candidatos reconhecidamente descompromissados com a ética cristã-social.

– Preservação do templo não o cedendo para eventos e atividades de cunho político.

– Inibição de propaganda política no âmbito interno da igreja.

– Restrição total de apoio e compromisso de voto, em troca de favores de candidatos políticos.

Vale a pena investir um tempo na leitura cuidadosa do inteiro teor do documento acima resumido e transcrito, a seguir:

“…. Do Supremo Concílio da IPB –
A todos os concílios, igrejas, pastores, Oficiais e Membros, irmãos em Cristo Jesus, o Senhor.
Graça a vós e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Filho, nosso Salvador e do Espírito Santo, nosso Consolador, em cujo nome vos exortamos quanto ao comportamento ético-cristão diante das oportunidades, dos desafios, dos dilemas e perigos hoje representados pela atividade e participação na vida política nacional.
Recebei, pois, irmãos no amor de Cristo, este pronunciamento e ponde-o em prática no âmbito da vossa vida e ação.

1) A IPB, consciente da sua herança judaico-cristã-reformada, tem um compromisso histórico e ideológico com a democracia, entendida como a participação direta do povo nos seus destinos através do voto, de apoiá-la e contribuir positivamente para o seu desenvolvimento no Brasil e no mundo.

2) A IPB, da mesma forma, tem um compromisso, fundamentado no amor ao próximo, (Lv 19.18) com a justiça social, com o bem estar do povo, com a eliminação da miséria e da pobreza, (Dt 15.4) com a igualdade dos homens em todos os lugares, níveis, situações, independentemente de sexo, idade, ou condição social individual. (Dt 16).

3) A IPB tem um compromisso com o desenvolvimento e a manutenção da paz entre os homens, a promoção da harmonia e da concórdia, tanto no seio da Igreja, como da comunidade nacional. (Mt 5.9).

4) Assim, a IPB consciente de seu tríplice compromisso e no desejo de contribuir para que eles sejam implementados na vida de seus concílios, igrejas, pastores e crentes, recomenda-lhes:

4.1) Orem incessantemente a Deus pelo processo político nacional, seus projetos e planos, bem como por todos aqueles que estão investidos de autoridade, atendendo desta forma a exortação do apóstolo Paulo em 1Tm 2.1-15.

4.2) Participem, como de direito em geral, da escolha de seus dirigentes, sejam eles nacionais, estaduais ou municipais, fazendo jus à condição de eleitores e cidadãos da pátria, no exercício dos seus direitos constitucionais.

4.3) Aos concílios em geral, que evitem dar apoio ostensivos a Partidos Políticos, ou a candidatos a cargos eletivos exceto, neste caso, aqueles oriundos de igrejas Evangélicas, de reconhecida idoneidade moral e político-social.

4.4) Que se evite todo e qualquer apoio a candidatos reconhecidamente descompromissados com os ideais de democracia, justiça e paz propugnados pela nossa Igreja, que visam apenas o interesse pessoal, pactuam com os injustos e corruptos, aceitam subornos, negam justiça aos pobres (Is 5.18, 22-23), decretam leis injustas (Is 10.1) e se afastam da Palavra de Deus como “regra de fé e prática”.

4.5) Que se evite a cessão do templo, ou santuário, local de culto a Deus, para debates ou apresentações de cunho político, podendo as mesmas serem realizadas em suas dependências.

4.6) Que se evite propaganda política no âmbito interno da Igreja, do seu templo ou por seus órgãos e departamentos, exceto se mantidos democraticamente os direitos, a liberdade e o respeito aos contrários.

4.7) Que, em nenhuma circunstância, a Igreja, o Pastor, os concílios, ou Sociedades Domésticas aceitem favores de candidatos políticos que possam resultar em comprometimento de voto, que deve ser pessoal, direto e secreto” (Constituição Federal Art. 14).

5) A IPB, pois, reconhece como legítima a dignidade dos membros seus, incentiva a assumirem ‘uma cidadania responsável, como testemunhas de Cristo, nos sindicatos, nos partidos políticos, nos diretórios acadêmicos, nas fábricas, nos escritórios, nas cátedras, nas eleições e nos corpos administrativos, legislativos e judiciários do país’ (Pronunciamento de 1962, item X, 2), sempre pautada no respeito às instituições e a ordem legal. Reconhece ao mesmo tempo, que ‘nenhum sistema ideológico de interpretação da realidade social, seja em termos filosóficos, políticos ou econômicos pode ser aceito como infalível ou final (Ibid., item IX), mas que a ética cristã-social vivida no sentido da plenitude do Reino de Deus continua a ser a proposta mais significativa, satisfatória e profunda para o homem do nosso século e de nosso país.’”

(Extraído da decisão do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil SC – 1990 – DOC. CLII).

Finalmente, vale dizer que o assunto CRISTÃO, IGREJA e POLÍTICA é muito amplo e requer outras abordagens. Entretanto, entendemos ser imprescindível adiantar desde já que a relação do Cristão com o Estado é diferente da relação da Igreja com o Estado. Sendo o Estado laico não há que se pensar em interferência direta da instituição Igreja na Instituição Estado. O inverso também não é aceito. Por outro lado, sendo o Cristão um cidadão da pátria tem ele a responsabilidade de exercer os seus direitos constitucionais e legais, participando diretamente (ou não) das instituições públicas e da política, também cuidando de cumprir os seus deveres; mas sempre fazendo a diferença, dando um bom testemunho da sua ética cristã.


[1] https://www.brasil247.com/brasil/igreja-presbiteriana-condena-apoio-a-partido-de-bolsonaro

[2] https://www.gospelprime.com.br/em-nota-igreja-presbiteriana-afirma-que-nao-apoia-partidos/

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Veja também:
Igreja e Política – Pronunciar-se ou silenciar-se?
Cristão e Política
Cristão e Comunismo – Como conciliar?

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Sobre Mídia e Manipulação vale a pena assistir este vídeo:

Os 20 Dons Espirituais

Os Dons Espirituais

Introdução:

Enquanto os ofícios e encargos dizem respeito às atividades ou serviços desenvolvidos na igreja, os dons (naturais e espirituais) nos remetem à questão da capacitação ou habilidade ou qualificação para a realização desses serviços. Não se pode deixar de mencionar aqui a relevância, para a igreja, daqueles dons espirituais ou sobrenaturais concedidos aos crentes, pelo Espírito Santo, bem como a importância daqueles dons naturais ou talentos que cada crente possui. Ao considerarmos os apóstolos Pedro e Paulo, ambos homens de Deus e cheios do Espírito Santo, constatamos que o serviço desenvolvido por cada um deles foi, até certo ponto diferente: Pedro foi bastante usado por Deus na expansão do Evangelho, principalmente entre os judeus; enquanto Paulo, entre os gentios, sendo que coube, principalmente a Paulo, a sistematização e ensino da doutrina cristã. Certamente, porque os nossos talentos naturais e capacitações pessoais, quando submetidos a Deus, depositados ao pé da cruz de Cristo, podem e serão usados por ele.

Desenvolvimento:

1. DOM NATURAL ou TALENTO

Dom natural ou talento é a capacitação que nos permite usar, de forma excepcional, as competências que cada um de nós tem ou adquire ao longo da vida e, assim, gerar resultados diferenciados e significativos. Todos nascemos com competências, ou aptidões para certos tipos de trabalhos ou atividades. Precisamos identificá-las, desenvolvê-las e empregá-las, para o bem da família, da igreja e da sociedade.

2. DOM ESPIRITUAL ou SOBRENATURAL

“A respeito dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes.” (1Co 12.1). Não há dúvida de que precisamos conhecer as doutrinas bíblicas, tais como: da Redenção, da forma de atuação do Espírito Santo na igreja, da atualidade dos dons espirituais e a da Escatologia Bíblica ou da Doutrina das Últimas Coisas, dentre outras. Então, comecemos por não confundir “FRUTO DO ESPÍRITO”, com seus “9 gomos” (Gl 5.22-23), que são manifestações do caráter do crente regenerado pelo Espírito, com os “DONS DO ESPÍRITO” que são capacitações do Espírito Santo para as realizações na igreja. Também é necessário distinguir “dom natural ou talento”, de “dom espiritual ou sobrenatural”, em que pese o valor e utilidade de ambos a serviço de Deus, na igreja e fora dela. Os salvos (nascidos de novo) recebem o dom, que é o próprio Espírito. Os carismas do Espírito são dados para habilitar o crente – aquele que tem o Espírito Santo – a servir a Deus de modo útil.

Podemos dizer que há cerca de 20 dons espirituais, os quais são mencionados nas Escrituras Sagradas em Romanos 12.6-8, 1Coríntios 12.8-10, 1Coríntios 12.28 e Efésios 4.11. Este assunto sempre foi e será importante e sensível para igreja. Há algumas décadas atrás agitou o mundo eclesiástico e dividiu algumas igrejas. Há igrejas ou denominações que supervalorizam os dons espirituais, enquanto outras têm medo de lidar com o assunto. Há, também, crentes fascinados por tudo o que diz respeito a poder sobrenatural, mas pouco se importam com o amor cristão e com o discipulado que paga o preço de um autêntico estilo de vida cristão. Os extremos são prejudiciais à igreja.

Independentemente se todos esses dons continuam, se alguns deles cessaram ou quase não se manifestam, atualmente (Continuísmo, Cessacionismo e Cessacionismo moderado), são estes os 20 dons mencionados no Novo Testamento:

2.1 Dons Ministeriais:
(Dons que concedem capacitação sobrenatural para o exercício dos ministérios.)

1º) O dom de APÓSTOLO (Ef 4.11a; 1Co 12.28a)

No sentido de apóstolo de Jesus ficou restrito aos doze (ou treze – Paulo 1Co 9.1), conforme credenciais do apostolado (2Co 12.12; At 1.21-22). No sentido da palavra (gr, apostolov ou apostolos) é um enviado, conhecido pela igreja de hoje como um missionário.

2º) O dom de PROFETA (Ef 4.11b; 1Co 12.28b)

No sentido bíblico do AT (gr. profhthv ou prophetes) os profetas eram a boca de Deus aos homens para denunciar o pecado, advertir, anunciar o julgamento divino, a restauração futura e, finalmente, o julgamento dos povos usados como instrumento divino para aplicar o castigo a Israel. E, também, para exortar, consolar, ensinar e aconselhar, com toda a autoridade de quem representa e fala em nome de Deus ao povo. Este ministério findou com João Batista, conforme as palavras de Jesus em Mt 11.13. Mas, Jesus foi e é o ápice deste ministério: “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo.” (Hb 11.1-2). Portanto, em termos de igreja, os profetas de hoje são os pregadores da Palavra de Deus. “Mas o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando.” (1Co 14.3)

3º) O dom de EVANGELISTA (Ef 4.11c)

O dom de evangelista se caracteriza pela capacitação sobrenatural concedida pelo Espírito Santo para anunciar o evangelho; expor com clareza e persuasão o caminho da salvação em Jesus. Exemplo disso é o diácono Filipe, o evangelista (At 21.8). Não podemos perder de vista que todo o cristão é chamado a pregar o evangelho e não apenas os que recebem uma capacitação especial.

4º) O dom de PASTOR (Ef 4.11d)

O dom de pastor se caracteriza pela capacitação sobrenatural concedida pelo Espírito Santo para “cuidar”, “apascentar” o rebanho de Deus. O dom de pastor não deve ser confundido com o ofício de pastor de uma igreja. Enquanto o dom de evangelista é usado para alcançar os não convertidos, o dom de pastor para cuidar dos convertidos.

5º) O dom de MESTRE (Ef 4.11; Rm12.7b; 1Co 12.28c)

O dom de mestre se caracteriza pela capacitação sobrenatural concedida pelo Espírito Santo para “ensinar” a Palavra de Deus – a Bíblia – a Sã Doutrina. O mestre é aquele que conhece e pratica a Bíblia e é apto, hábil, para transmitir aos outros as verdades bíblicas.

2.2 Dons Operacionais:
(Dons que concedem capacitação sobrenatural para o funcionamento da Igreja.)

6º) O dom de PROFECIA (Rm 12.6; 1Co 12.10b)

O dom de profecia (gr, Propheteia) é a proclamação e exposição de algo novo e importante recebido de Deus, das Sagradas Escrituras, mediante o poder do Espírito Santo, para edificar, exortar e consolar um irmão ou a igreja (1Co 14.3).

7º) O dom de EXORTAÇÃO (Rm 12.8a)

O dom de exortação se caracteriza pela capacitação sobrenatural concedida pelo Espírito Santo para convencer, persuadir, aconselhar, animar, encorajar alguém a seguir determinada conduta, principalmente os valores da vida cristã.

8º) O dom de GOVERNO (Rm 12.8c; 1Co 12.28g)

O dom de governo se caracteriza pela capacitação sobrenatural concedida pelo Espírito Santo para presidir e liderar.

9º) O dom de MINISTÉRIO ou SERVIÇO (Rm 12.7a)

O dom de ministério ou serviço (gr, diakonia) se caracteriza pela capacitação sobrenatural concedida pelo Espírito Santo para servir a igreja, os irmãos ou o próximo, nas múltiplas oportunidades e situações que se nos oferecem no cotidiano.

10º) O dom de MISERICÓRDIA (Rm 12.8d)

O dom de misericórdia se caracteriza pela capacitação sobrenatural concedida pelo Espírito Santo para exercer misericórdia, aliviando a aflição e o sofrimento, perdoando os faltosos.

11º) O dom de SOCORROS (1Co 12.28f)

O dom de socorros se caracteriza pela capacitação sobrenatural concedida pelo Espírito Santo para auxiliar, ajudar, suportar a carga de outros.

12º) O dom de CONTRIBUIR (Rm 12.8b)

O dom de contribuir se caracteriza pela capacitação sobrenatural concedida pelo Espírito Santo para dar, repartir, recursos financeiros e outras bênçãos recebidas de Deus. Vale lembrar que“Deus dá! O Diabo rouba! O homem retém!” (quanto ao homem, essa é a sua tendência).

2.3 Dons de Revelação:
(Dons que concedem capacitação sobrenatural para saber.)

13º) O dom da PALAVRA DE SABEDORIA (1Co 12.8a)

O dom da Palavra de Sabedoria (gr, Logos Sophia) se caracteriza pela comunicação de uma palavra (logos) de sabedoria a outros, revelada mediante a operação sobrenatural do Espírito Santo. Tal palavra aplica a sabedoria da Palavra de Deus ou a sabedoria do Espírito Santo a uma situação ou problema específicos.

14º) O dom da PALAVRA DE CONHECIMENTO (1Co 12.8b)

O dom da Palavra de Conhecimento (gr, Logos Gnôsis) se caracteriza pela comunicação de uma palavra (logos) a outros, mediante a operação sobrenatural do Espírito Santo, revelando conhecimento a respeito de pessoas, de fatos, de circunstâncias, ou de verdades bíblicas.

15º) O dom de DISCERNIMENTO DE ESPÍRITOS (1Co 12.10c)

O dom de discernimento de espíritos (gr, Diakriseis Pneumaton) é a capacidade sobrenatural, conferida pelo Espírito Santo, para identificar se determinada manifestação tem origem divina ou satânica ou humana.

2.4 Dons de Poder:
(Dons que concedem capacitação sobrenatural para agir.)

16º) O dom da FÉ (1Co 12.9a)

O dom da fé (gr, Pistis) se caracteriza por uma profunda e sobrenatural convicção e certeza, inoculadas pelo Espírito Santo, de algo a ser realizado que seja proveitoso para a igreja, para o reino de Deus ou para pessoas que Deus queira abençoar.

17º) Os dons de CURAR (1Co 12.9b; 1Co 12.28e)

Os dons de curar (gr, Carismata Iamaton) se caracterizam por um poder sobrenatural, outorgado pelo Espírito Santo, para o restabelecimento imediato da saúde de pessoas enfermas alcançadas pela misericórdia de Deus, para a glória de Deus, para testemunho do Evangelho e para bênção da Igreja de Cristo.

18º) O dom de OPERAÇÃO DE MILAGRES (1Co 12.10a; 1Co 12.28d)

O dom de operação de milagres (gr, Energemata Dynameon) é uma intervenção sobrenatural nas leis da natureza ou no mundo, mediante o poder do Espírito Santo.

2.5 Dons de Comunicação:
(Dons que concedem capacitação sobrenatural para se comunicar.)

19º) O dom de LÍNGUAS (1Co 12.10d; 1Co 12.28h)

O dom de variedade de línguas é a capacidade sobrenatural, conferida pelo Espírito Santo, para falar em outra língua desconhecida para quem fala.

20º) O dom de INTERPRETAÇÃO DE LÍNGUAS (1Co 12.10e)

O dom de interpretação de línguas é a capacidade sobrenatural, conferida pelo Espírito Santo, para se interpretar outra língua, desconhecida para quem fala e para que a interpreta.

Conclusão:

A presença de sinais e prodígios não é garantia da manifestação do poder do Espírito Santo: “porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos.” (Mt 24.24). Por outro lado, a ausência de sinais também não é garantia de um status espiritual superior, de mais equilíbrio, de doutrina correta.  Pode ser até um sintoma de apostasia, de vida em pecado e consequente afastamento de Deus. De fato, a questão é que a igreja não pode prescindir da ação e do poder do Espírito Santo!

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Síntese: Os 20 dons do Espírito Santo.pdf

Cristãos num mundo tecnológico

Adoração virtual?

Introdução:

O tema proposto é atual e oportuno. Ao longo deste estudo, algumas palavras e expressões merecerão nossa atenção. Ciência e Tecnologia são conceitos ou áreas próximas, porém distintas. A ciência busca as explicações sobre os fenômenos que ocorrem na natureza, mas a tecnologia tem seu foco na aplicação prática do conhecimento, de modo a atender às necessidades do ser humano, nas coisas que se tornam essenciais à vida cotidiana. Como se diz, por aí: “Ciência é aquilo que você sabe, Tecnologia é aquilo que você usa.”. No entender de Jack Challoner: “Ciência e tecnologia são interdependentes. A ciência é nossa maneira de revelar as leis da natureza por meio de teoria e experimentação. A tecnologia é a aplicação prática da nossa compreensão do mundo para alcançar aquilo que precisamos ou queremos fazer. Ela vai além de “coisas” como computadores ou bicicletas: inclui técnicas e processos como, por exemplo, o alfabeto, os sistemas numéricos e a extração de metais.”. A ciência diz ao homem que a carne de peixe é excelente alimento, mas é a tecnologia que fez surgir, há milhares de anos atrás, o anzol para fisgar o peixe. Após a queda, nossos primeiros pais perceberam que estavam nus. Então, o instinto inventivo tecnológico entrou em cena e eles fabricaram suas primeiras vestes: “coseram folhas de figueira” (Gn 3.7). Desde então, quantas invenções tecnológicas aconteceram, tais como: ferramentas de pedra, domínio do fogo, construção de abrigos, armas e talhas e lâminas de pedra, arco e flecha, corda trançada, lampião a óleo, utilização do metal, calçado, tecido, mapa, carpintaria, canoa, barco a vela, roda com eixo, carro etc etc. E, agora, depois de tantas invenções tecnológicas, vivemos num mundo dominado pela tecnologia. O mesmo Jack Challoner acrescenta, num tom de êxito, mas, também, de preocupação: “As invenções tiveram um papel crucial na história da humanidade, nos transformando de caçadores-coletores primitivos em uma espécie sofisticada, estável e autossuficiente. O mundo atual conta com inúmeras tecnologias de vários calibres que enriquecem nossa vida. Entretanto, nem todas as invenções foram para o bem; algumas causam males, de forma intencional ou não. E há o persuasivo argumento de que o processo tecnológico em si poderia ameaçar nossa sobrevivência por causa do irrestrito crescimento da população e do desequilíbrio natural do planeta.”

Neste estudo consideraremos alguns aspectos envolvendo a tecnologia e suas implicações na vida do cristão e da igreja.

Desenvolvimento:

1. A QUESTÃO DO VIRTUAL E DO REAL

O termo “virtual” vem do latim medieval virtuale ou virtualis, cujo radical virtus foi mantido e significa: virtude, força ou potência. De um modo geral, virtual é algo existente como possibilidade, porém, sem efeito real; tem a virtude de produzir um efeito, apesar de não o produzir verdadeiramente. O virtual, mesmo não sendo o real, tem a força e o poder de afetar a mente. E, em termos psicossomáticos, o imaginário subjetivo pode afetar diretamente o corpo.

Com o avanço tecnológico nas áreas de telecomunicações e computação, e o advento das redes de computadores e internet, na década de 1980, a utilização da palavra virtual ficou fortemente associada à simulação, com o sentido de “fisicamente não existente, mas simulado por software”. Cada vez mais, a realidade que está sendo vivenciada em qualquer ambiente, está sendo gravada e disponibilizada na internet ou em outros meios, ou está sendo transmitida ao vivo, para quem estiver online. Como se isso fora pouco, cada vez se tornam mais populares dois outros inventos:

a) Realidade Virtual (RV): É uma tecnologia de interface avançada entre um usuário e um sistema operacional. O objetivo dessa tecnologia é recriar ao máximo a sensação de realidade para um indivíduo, levando-o a adotar essa interação como uma de suas realidades temporais. Assim, com os óculos de Realidade Virtual (VR – virtual reality), você vai se sentir dentro da cena do vídeo, o que provoca reações incríveis no cérebro, e, ainda, o não desejado efeito colateral de sensação de náusea (enjoo e tontura).

b) Realidade Aumentada (RA): É uma tecnologia que permite que o mundo virtual seja misturado ao real, possibilitando maior interação e abrindo uma nova dimensão na maneira como nós executamos tarefas, ou mesmo as que nós incumbimos às máquinas. Na Realidade Aumentada você pulará para dentro do mundo virtual para interagir com objetos que só estão limitados à sua imaginação.

2. IGREJA E TECNOLOGIA

A tecnologia e o avanço tecnológico afetam e impactam direta e cotidianamente a vida das pessoas e das igrejas. De um modo geral, os inventos tecnológicos sempre serão vistos como oportunidade de melhoria de alguma coisa, bem como, ameaça de produzir algum efeito negativo. Uma panela de pressão é ótima para cozinhar o feijão, mas, eventualmente, pode explodir, se não for bem fabricada ou bem manuseada. Inventos tecnológicos com potencial de influenciar usos e costumes são vistos com muita desconfiança e preocupação por certa parcela da população evangélica.

2.1 O impacto das grandes invenções tecnológicas

a) A Imprensa

Quando em 1450 dC Johannes Gutenberg inventou a Máquina de Impressão com tipos móveis de liga metálica, e a Bíblia passou a ser impressa e disponibilizada para mais pessoas, certamente que os reformadores ficaram em estado de graça. Entretanto, quando começaram a ser publicados outros livros, religiosos ou não, com conteúdo contrário ao ensino bíblico, dá para imaginar a preocupação e desconforto de muitos cristãos, com o receio da corrupção dos valores cristãos.

b) A Televisão

Em 1949 já havia 10 milhões de aparelhos de TV preto e branco nos Estados Unidos. Alguns anos depois, com a chegada da TV no Brasil, a reação de alguns evangélicos ou, até mesmo, de determinadas denominações evangélicas, foi de repulsa. A TV foi taxada, por estes, como um instrumento de Satanás dentro da casa. A explicação é a de que os telespectadores cristãos seriam corrompidos por conteúdo impróprio ou contrário ao ensinamento bíblico. Até hoje, há uma grande discussão quanto à questão das novelas e determinados programas: a TV imita a vida ou a vida imita a TV? Não sejamos ingênuos; Satanás não deixaria de usar pessoas e programações, para influenciar sutilmente pessoas e famílias, afastando-os dos valores e princípios cristãos.

c) A internet, o Computador Pessoal, o Smartphone e as Redes Sociais

A partir da década de 1980, o foco de atenção e preocupação de muitos cristãos se volta para esses novos inventos. A facilidade de acesso a conteúdos com potencial de corromper princípios e valores cristãos, de afetar usos e costumes é o grande motivo de desconfiança e desconforto.

Analisando os efeitos e impacto das grandes invenções tecnológicas, pode-se afirmar:

i) Como já foi expresso logo no início, sempre haverá resultados positivos e negativos como consequência do avanço tecnológico.

ii) É preciso ter em mente que, a tecnologia, em si mesma, não é boa nem ruim para o caráter dos crentes ou das pessoas. A forma como ela é usada sim, pode produzir consequências benéficas ou danosas.

iii) Considerando o seu uso, é preciso ter sempre respeito e paciência com aqueles irmãos que são mais conservadores, não aceitam ou demoram a aceitar as inovações tecnológicas, com medo de possíveis danos no caráter dos crentes mais fracos na fé.

iv) É preciso ter em mente que não é possível deter o avanço tecnológico.

v) Considerando que é necessário conviver com as tecnologias, devemos concentrar nossos esforços no sentido de tirar o melhor proveito delas. Isso tem tudo a ver com a produção e disponibilização, em escala crescente, de conteúdo saudável, capaz de facilitar a vida, edificar os crentes e evangelizar os perdidos.

vi) Considerando que os maus conteúdos sempre existirão, seja qual for a tecnologia considerada, revistas, livros, CDs, DVDs, Rádio, TV, Computador, Internet, Smartphone etc, cabe à liderança (eclesiástica ou familiar) manter orientação segura e permanente, e a todos nós, crentes em Cristo, vigiar e orar para não nos deixarmos contaminar com certas coisas deste mundo ímpio.

3. CULTO E TECNOLOGIA

3.1 O uso da tecnologia no local do culto

Se a humanidade como um todo se beneficia da tecnologia, a igreja não é uma exceção. Um templo bem construído e com boas instalações hidráulicas, elétricas e de refrigeração, é apenas o começo. Banco de igreja confortável também é fruto da tecnologia. Um bom sistema de sonorização é essencial para que todos ouçam a pregação da Palavra. E os instrumentos musicais são tecnologias que vêm sendo criados e aperfeiçoados desde a antiguidade. O instrumento musical em si mesmo, também não é, nem sacro, nem profano. Entretanto, como os hinos cantados são em adoração e louvor a Deus, sempre haverá instrumentos que combinam melhor com o repertório sacro. Hinos e Cânticos espirituais são constituídos de Letra e Música. A Letra deve exaltar a Deus e ser coerente com o ensino bíblico. A Música é composta de Melodia, Harmonia e Ritmo. Dizem que “a Melodia é para o espírito, a Harmonia é para a alma e o Ritmo é para o corpo. A música sacra litúrgica que agrada a Deus é eminentemente melódica, secundariamente harmônica e o ritmo nela só existe, exclusivamente o necessário, para ordená-la e dar-lhe sequência e pausa”. É claro que a cultura de cada povo tem tudo a ver com essa questão.

Considerando a diversidade que é a comunidade dos santos – a igreja de Jesus Cristo – é preciso ter em mente, quando construímos e equipamos um templo, ou quando nos reunimos nele para adorar ao Senhor, que não há espaço para a ditadura do gosto pessoal.

3.2 Culto virtual

O avanço tecnológico tem ocasionado determinados debates na igreja que não existiam até o Século 19. É o caso do debate sobre o Culto à distância, ou o Culto virtual. Com o advento da Radiodifusão e a transmissão de Cultos pelo Rádio, começou a discussão se tal iniciativa não afastaria os crentes das igrejas. Com o surgimento da TV a discussão continuou. Atualmente, com a facilidade e custo reduzido da transmissão dos cultos pela Internet, a discussão ficou ainda mais acirrada. Será que essa iniciativa, de muitas igrejas, está mesmo afastando os crentes dos cultos? Alguns acham que sim, outros acham que não, e o debate não tem prazo para acabar. Entretanto, o que temos de concreto mesmo é que algumas pessoas idosas ou enfermas, impossibilitadas de se locomoverem até ao templo, estão tendo a bênção de acompanhar a liturgia do culto, de casa ou até mesmo de um quarto de hospital. O mesmo pode ser dito de membros da igreja que estão viajando; ali onde estão, podem acompanhar os cultos da sua igreja. E aquelas pessoas que, porventura, estejam morando em uma cidade que não tenha sequer uma igreja evangélica, também podem fazê-lo agora, gratuitamente.

3.3 A importância do Culto presencial

A ideia e iniciativa de um local de Culto e Adoração partiu do próprio Deus: “E me farão um santuário, para que eu possa habitar no meio deles.” (Êx 25.8). E, Davi, expressando o sentimento do povo de Israel, diz assim: “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Casa do SENHOR.” (Sl 122.1, ver também Sl 22.22; 26.12). Jesus nos convida a congregar e confirma sua presença, dizendo: “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.” (Mt 18.20). O autor de Hebreus ressalta a importância de nos estimularmos, uns aos outros, a nos congregarmos: “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima.” (Hb 10.25)

Não há nada que possa substituir o Culto real e presencial. Nem mesmo o avanço e popularização da Realidade Virtual ou Realidade Aumentada, dando a sensação de que você está dentro do ambiente de culto. Nada substitui o calor humano do contato pessoal. É como diz o cântico:

Como é precioso irmão
Estar bem junto a ti
E Juntos lado a lado
Andarmos com Jesus
E expressarmos o amor
Que um dia Ele nos deu
Pelo sangue no calvário
Sua vida trouxe a nós.

Conclusão:

Desde o início da sua existência, o ser humano passou a ser alvo de apelos e chamamentos: bons, não tão bons e maus. Jesus, antes de iniciar o seu ministério, recebeu várias propostas de Satanás, mas fez sempre a escolha certa. A vida é repleta de opções e as escolhas que fazemos determinam nosso presente e futuro. Educar filhos, ou orientar os membros de uma igreja, não se faz blindando-os das más propostas, dos maus apelos, dos maus conteúdos. Antes, porém, é necessário investir para forjar neles princípios e valores que os permitam resistir às más propostas, fazendo, por si próprios as decisões certas (1Ts 5.21-22).

Não há como impedir os avanços tecnológicos. A Bíblia, o Hinário, e tantos outros aplicativos estão ou estarão no aparelho celular (smartphone). Em vez de combater, vamos sim, fazer o melhor uso da tecnologia; administrar bem o seu uso. Precisamos adotar uma postura de protagonista das boas práticas, a favor do bem e do Reino, para não nos tornarmos meros figurantes ou plateia, consumindo os maus conteúdos propostos pelos ímpios de qualquer tempo. Por exemplo, um simples estudo, guardado numa pasta, não produz qualquer efeito, porém, quando publicado hoje, num site ou blog, pode ser acessado e lido por milhares de pessoas, no mundo inteiro, edificando vidas.

Os avanços tecnológicos vieram para ficar e mudar o status quo. Não há como deter a circulação da informação, seja ela fato ou fake. As redes sociais, os grupos de relacionamento estão por aí desempenhando este papel. Decisões de Concílios Superiores circulam imediatamente. Infelizmente, alguns chamados crentes, se utilizam de espaços virtuais públicos para externarem suas críticas à igreja ou à sua liderança. O desafio é grande, de saber lidar com tudo isso, de forma adequada. Que o Senhor nos dê sabedoria.

Finalmente, há outras questões sérias, que surgiram como consequência desse avanço tecnológico, que, de tão relevantes e complexas, mereceriam um estudo à parte: Dependência Virtual e Isolamento Virtual. Países com muita tecnologia, como o Japão, estão enfrentando problemas graves nesse sentido. Já há lá empreendimentos sendo desenvolvidos para proporcionar algum tipo de convivência entre pessoas que se isolaram no seu mundinho virtual e tratamentos para curar a dependência tecnológica. Vamos nos mobilizar para estar em comunhão real com Deus e com os irmãos, para não nos sentirmos sozinhos na multidão.

Culto Individual, Familiar e Comunitário

Introdução

Com a intenção de testar Jesus e coloca-lo em dificuldade, o intérprete da Lei pergunta: – Mestre, qual é o principal, o primeiro, de todos os mandamentos? Considerando a imensa quantidade de mandamentos, abrangendo tantas áreas e aspectos importantes, a tarefa de escolher um ou fazer um resumo de todos, parecia simplesmente impossível. Para os homens comuns, sim; mas para Jesus, não. De forma magnífica Jesus responde: “…O principal é: Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor! Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. O segundo é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes.” (Mc 12.29-31).

Na nossa curta existência terrena precisamos levar muito a sério essas palavras de Jesus, priorizando-as acima de tantas outras que chegam até nós, ou seja:

  • Há um só Deus e Senhor, sobre tudo e sobre todos. Ele é o Deus criador e sustentador de toda a criação e deve ser distinguido e cultuado em espírito e em verdade.
  • Em decorrência desta primeira e sublime realidade, nossos pensamentos e ações precisam estar intimamente ligados a ele, distinguindo-o acima de tudo e de todos. Somente ele é digno de receber a maior manifestação do nosso amor, devoção e obediência.
  • E, complementando a síntese, Jesus nos ensina que, abaixo de Deus, o nosso próximo deve ser alvo de nosso amor, na mesma medida com que amamos a nós mesmos e, ainda mais, na medida que Cristo nos amou (Jo 13.34).

Então, de forma prática e efetiva, nossa vida precisa ser um contínuo culto a Deus, cuja liturgia se desenvolve através de atitudes e ações direcionadas diretamente a ele ou, indiretamente, quando amamos e servimos ao nosso próximo. É o que veremos a seguir:

1. CULTO INDIVIDUAL
(O Alicerce da vida cristã)

Assim como na biologia existem vários níveis hierárquicos de organização dos seres vivos, começando pelos átomos, depois moléculas e terminando no corpo vivo; de igual forma, a igreja, o corpo vivo de Cristo é constituída por indivíduos e famílias. Podemos afirmar que igreja saudável é uma igreja que agrada a Deus. Para uma igreja ser saudável, os indivíduos e famílias que a compõem também precisam ser espiritualmente saudáveis. Igreja também é comparada a um edifício. Um edifício sólido e estável é aquele edificado sobre a rocha, que é Cristo, o alicerce sólido sobre o qual as pedras vivas (os crentes) são colocadas (Ef 2.19-22; Cl 2.6-7). Essas e outras figuras metafóricas expressam a estreita ligação entre Deus e sua igreja.

É na intimidade com Deus-Pai, Deus-Filho e Deus-Espírito Santo que a vida cristã se fundamenta e se desenvolve: “A intimidade do SENHOR é para os que o temem, aos quais ele dará a conhecer a sua aliança.” (Sl 25.14); “porque o SENHOR abomina o perverso, mas aos retos trata com intimidade.” (Pv 3.32). Esse estreito relacionamento entre o crente e o Senhor é que produz crentes “Alegres na Esperança, Fortes na fé, Dedicados no Amor, Unidos no trabalho”, como diz o moto da UMP (União de Mocidade Presbiteriana).

É no Culto Individual que desenvolvemos esta intimidade com Deus. Temos belíssimos exemplos, na bíblia e na história, de servos de Deus que fizeram a diferença em seu tempo por conta de seu estreito relacionamento com Deus: Enoque andava com Deus (Gn 5.22-24); Moisés tratava com Deus face a face (Dt 34.10-12); Ana, na sua intimidade com o Senhor foi atendida (1Sm 1 e 2); Samuel, em tempos de apagão espiritual foi usado por Deus para a restauração espiritual do povo de Israel, pois o Senhor se manifestava a ele (1Sm 3.21). Davi, apesar de suas fraquezas era um homem segundo o coração de Deus (At 13.22). Os salmos de autoria de Davi são testemunhas da sua intimidade com Deus, onde ele expressa louvores, ações de graças, sua confiança em Deus, mas, também, suas perplexidades e clamor. E, o que dizer de Daniel? O registro bíblico já diz tudo: “Daniel, pois, quando soube que a escritura estava assinada, entrou em sua casa e, em cima, no seu quarto, onde havia janelas abertas do lado de Jerusalém, três vezes por dia, se punha de joelhos, e orava, e dava graças, diante do seu Deus, como costumava fazer.” (Dn 6.10). Mesmo sob ameaça e correndo o risco de perder a sua vida, ele não alterou sua rotina cotidiana.

Jesus nos ensina que precisamos buscar um momento a sós com Deus: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.” (Mt 6.6). Além de orar, em hora apropriada e lugar sossegado, precisamos, primariamente, nos enriquecer com a leitura da bíblia[1], e, complementarmente com a leitura de bons textos devocionais, livros etc. O cântico de louvores é parte integrante e relevante do culto a Deus (Sl 34.1; Mt 26.30; At 16.25).   Finalmente, é bom deixar claro que o culto individual não fica restrito a um momento reservado e isolado. O servo de Deus deve cultuar a Deus em todo o tempo e em todo o lugar, com seus pensamentos, palavras, atitudes e ações.

2. CULTO FAMILIAR
(O Alicerce da família cristã)

Famílias cristãs espiritualmente fortalecidas são bênção para a igreja. Ao invés de drenar recursos e esforços da liderança, na solução de seus problemas, elas contribuem para ampliar os recursos a serem utilizados para alcançar os perdidos. Para que isso aconteça, os pais ou responsáveis precisam desempenhar o seu papel, ao invés de querer delegar ou terceirizar o que é seu dever. Isso deve ser feito com muita sabedoria, dedicação e oração, nunca por decreto ou por força ou por violência. Não é eficaz obrigar os filhos pequenos a participar de culto doméstico, ler a bíblia e ir à igreja. Conduzir não é obrigar! Antes de tudo é preciso viver uma vida cristã tão linda que contagie os outros membros da família a amar a Deus, obedecê-lo e fazer a sua vontade. É preciso respeitar sempre a individualidade de cada um e usar de sabedoria para conduzi-los.

Vejamos alguns aspectos importantes do culto doméstico ou familiar:

a) É mandato de Deus para os pais (Dt 6.6-9)

“Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te.” (Dt 6.6-7).

É preciso ensinar, primeiramente com o exemplo pessoal, mas também com as palavras; repetindo quantas vezes for necessário e insistindo até a absorção e prática natural.

b) Proporciona a oportunidade de transmissão de valores para a formação de caráter (Gn 35.2; Js 24.15; Ml 2.6)

“Então, disse Jacó à sua família e a todos os que com ele estavam: Lançai fora os deuses estranhos que há no vosso meio, purificai-vos e mudai as vossas vestes;” (Gn 35.2)

“Porém, se vos parece mal servir ao SENHOR, escolhei, hoje, a quem sirvais: …. Eu e a minha casa serviremos ao SENHOR. (Js 24.15)

“A verdadeira instrução esteve na sua boca, e a injustiça não se achou nos seus lábios; andou comigo em paz e em retidão e da iniquidade apartou a muitos.” (Ml 2.6)

O pai, e na sua ausência a mãe ou outro responsável, precisa exercer os papéis de profeta, sacerdote e pastor da sua família. Como profeta, ele recebe a palavra de Deus e a transmite para a sua família. Como sacerdote, ele zela pela pureza e santidade da sua família. Como pastor, ele guia e cuida da sua família.

c) Tem a promessa de resultado duradouro (Pv 22.6)

“Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele.” (Pv 22.6)

Para que o resultado seja alcançado é preciso observar cuidadosamente o início do texto: “ensina a criança”. É a partir da mais tenra idade que o processo deve começar. A criança é uma verdadeira esponja, absorvendo tudo o que ouve e vê na sua família. Inicialmente ela reage por imitação; depois, por sua própria vontade e decisão. Vale ressaltar que o ensino se dá “no caminho”, isto é, durante a caminhada e convivência.

d) Tem a promessa de prolongamento da vida (Dt 6.2)

“para que temas ao SENHOR, teu Deus, e guardes todos os seus estatutos e mandamentos que eu te ordeno, tu, e teu filho, e o filho de teu filho, todos os dias da tua vida; e que teus dias sejam prolongados.” (Dt 6.2)

No período do AT, aquele que se desviava dos mandamentos divinos, sendo rebelde e transgressor, não vivia muito tempo, inclusive porque a tolerância divina era mínima para com os ímpios. Observando-se a história humana, não será difícil constatar que, de um modo geral, aquelas pessoas que foram bem cuidadas e orientadas quando crianças tiveram vida mais longa. E, essa constatação é muito mais evidente e tangível quando essa orientação familiar se dá a partir de princípios e valores cristãos.

d) Proporciona a oportunidade de um prazeroso convívio familiar.

Há muitos momentos de convívio familiar prazeroso. Família é bênção de Deus em nossas vidas! Entretanto, esse momento em que a família se reúne para cultuar a Deus é especialmente prazeroso. Apenas quem já o vivenciou pode testemunhar essa realidade. São momentos de deleite e edificação: na leitura e meditação na Palavra de Deus, no ouvir aquela oração simples e sincera da criança, no compartilhar as vivências do dia, no esclarecimento de dúvidas. São momentos de plantar memórias que servirão de esteio para os filhos para o resto de suas vidas. São momentos temporários, mas com desdobramentos eternos.

e) Deve ser feito com criatividade e de forma lúdica.

Há que usar de sabedoria e criatividade para tornar esse momento tão atrativo que a criança fique na expectativa de chegar a hora do próximo “cultinho”. Os pais não precisam ser teólogos ou professores para conduzir esse momento. Basta buscarem um conhecimento básico daquilo que será ensinado e compartilhado. Certamente o conteúdo bíblico será a base. Além da Bíblia, as livrarias evangélicas (físicas ou virtuais) oferecem inúmeros materiais ou recursos de apoio para serem utilizados no culto familiar ou doméstico (livros, cadernos, jogos, CDs, DVDs etc). Na internet podem ser encontradas muitas dicas sobre o assunto.

Finalmente, a pergunta que não quer calar é: por que o culto familiar é tão negligenciado, se há pleno conhecimento, tanto da sua importância, quanto do estrago causado quando não é praticado? A influência dos pais sobre os filhos pode ser impactante e duradoura, como aquela de Jonadabe, filho de Recabe, usada por Deus como exemplo de obediência (Jr 35.1-19). Por que não aproveitar esse momento para exercer influência benéfica sobre a família?

3. CULTO COMUNITÁRIO
(O Alicerce da igreja cristã)

Longe de ser uma rotina dominical ou uma obrigação religiosa, o culto comunitário deve ser algo muito esperado e desejado por todos (2Cr 20.13), algo que gera alegria e júbilo (Ne 12.43), algo a ser preservado (At 2.42; Hb 10.25). Qualquer que seja a forma de culto – individual, familiar ou comunitário – o culto bíblico deve ser norteado por alguns princípios.

Vejamos alguns aspectos importantes do culto comunitário:

a) Princípio da destinação

“….Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto.” (Mt 4.10)

O culto bíblico é oferecido única e exclusivamente a Deus, portanto, é teocêntrico e não antropocêntrico.

b) Princípio da autoridade

“ Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo homem, e o homem, o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo.” (1Co 11.3)

Considerando a presença de muitas pessoas no culto comunitário, há que se ter pessoas responsáveis pela liderança da programação. Não é razoável que cada um resolva fazer o que tiver vontade. A autoridade de gênero estabelecida por Deus não deve ser desprezada.

c) Princípio da comunhão

“esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz;” (Ef 4.3)

Além da adoração a Deus, o culto deve promover a comunhão e unidade do corpo de Cristo, a igreja.

d) Princípio da decência e ordem

“Tudo, porém, seja feito com decência e ordem.” (1Co 14.40)

Deus merece o nosso melhor, tanto em termos de forma como de conteúdo.

e) Princípio da participação

“Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um tem salmo, outro, doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua, e ainda outro, interpretação. Seja tudo feito para edificação.” (1Co 14.26)

Ainda que alguns atuem mais diretamente na liturgia do culto – orando, pregando, cantando no coral ou tocando um instrumento musical – não podemos nos comportar como meros espectadores ou, muito menos, como quem frequenta o culto apenas para avaliar e criticar. Somos parte integrante daquilo que está sendo realizado, associando nossas mentes e emoções.

f) Princípio da edificação

“Contudo, prefiro falar na igreja cinco palavras com o meu entendimento, para instruir outros, a falar dez mil palavras em outra língua.” (1Co 14.19)

Seja tudo feito para edificação.” (1Co 14.26b)

No culto se exalta a Deus e se promove o crescimento espiritual dos crentes, rumo à maturidade cristã.

g) Princípio da reverência

“Lembraram-se os seus discípulos de que está escrito: O zelo da tua casa me consumirá.” (Jo 2.17)

É preciso manifestar respeito profundo ao cultuarmos a Deus. Ele está presente para receber o culto que lhe oferecemos. Enquanto se desenvolve a programação litúrgica: onde estão os nossos pensamentos? Cantamos refletindo sobre a letra? Acompanhamos cada palavra da oração que está sendo feita? Prestamos atenção na mensagem? Ou: conversamos com quem está perto a qualquer tempo, nos distraímos com a criança que está à nossa frente, consultamos o celular a todo instante.

h) Princípio do amor

“Segui o amor e procurai, com zelo, os dons espirituais,…” (1Co 14.1)

Quando o amor a Deus e ao próximo se torna a base de tudo em nossas vidas, inclusive a base do culto que prestamos a Deus, tudo flui melhor. Ainda que as nossas imperfeições pessoais sejam fatores de limitação na realização do culto comunitário, esse amor vem preencher as lacunas (1Pe 4.8).

Conclusão:

Esclarecidos a respeito dessas três formas de culto (individual, familiar e comunitária), quanto ao que consiste e quanto à sua importância, resta a todos nós o desafio permanente de praticá-las e incentivar outros a fazerem o mesmo.


[1] Sugerimos o uso do Plano de Leitura Bíblica em 2 anos disponibilizado neste blog:
https://pauloraposocorreia.com.br/category/leitura-biblica/portugues/

A espiritualidade no culto do NT

Introdução          

Neste estudo, abordaremos a espiritualidade no culto do Novo Testamento (NT), no período que precede o nascimento da igreja e, principalmente, no período da igreja.

É relevante lembrar aqui alguns aspectos relacionados ao culto. Adoração e culto são termos fortemente entrelaçados. A adoração é a essência do culto, porém o culto vai além da adoração. O culto envolve o(s) cultuador(es) e o(s) objeto(s) de culto (At 17.23). O culto bíblico é a resposta do povo de Deus, ao Deus único e verdadeiro que a ele se revela, através da Bíblia, tributando-lhe adoração, louvor, honra e glória por aquilo que ele é; louvando e agradecendo por aquilo que ele tem feito. Culto é mais do que um evento; é orgânico, é visceral, é vida com Deus que se expressa em todo o tempo e no lugar onde estivermos. Assim sendo, pode ser considerado como culto pessoal, familiar e público. A base deste culto não é a livre vontade e espontaneidade do cultuador, mas os termos estabelecidos por Deus naquela aliança que liga o Criador às criaturas. Assim, em cada uma das alianças de Deus com os homens, havia elementos específicos para o culto. Nessas alianças, Deus fazia promessas de bênçãos que eram condicionadas à obediência desses aos seus decretos.

No AT, a principal aliança, a Mosaica ou da Lei ou Antiga Aliança continha elementos para o culto a Deus, pelo povo de Israel, que serviram de referência para o culto na Nova Aliança, pela Igreja:

a) Um dia separado para o culto;
b) Um local para o ajuntamento;
c) Um sistema sacrificial e rituais de purificação etc.

Nosso objetivo, neste estudo, não é investigar a espiritualidade no NT, mas como ela se expressava e se desenvolvia no culto:

1. Antes do Ministério Público de Cristo

Pode-se dizer que a rebeldia do povo de Israel, na Antiga Aliança, chegou a níveis insuportáveis, acarretando o exílio e cativeiro; primeiramente do Reino do Norte e, depois, do Reino do Sul. Vale ressaltar que, no início, no meio e no final do AT encontramos recados explícitos de Deus aos cultuadores e ofertantes, a saber (dentre outros):

  • Tanto o ofertante, quanto a sua oferta precisam agradar a Deus (Abel e Caim – Gn 4.3-5).
  • Obedecer é melhor do que sacrificar (Samuel disse isso a Saul – 1Sm 15.22).
  • Deus não suporta iniquidade associada ao Culto (Is 1.10-15; Am 5.21-23).
  • O sacrifício dos perversos é abominável ao SENHOR, mas a oração dos retos é o seu contentamento. (Pv 15.8).

Com a destruição do principal local de culto, o Templo de Jerusalém, e o exílio, o povo começou a cultuar nas sinagogas. O NT começa com o povo de Israel cultuando a Deus no Templo reconstruído por Zorobabel (516 aC) e remodelado por Herodes (1º Séc. dC), bem como nas Sinagogas, nas mesmas bases da Antiga Aliança (Lc 1.8-10; 2.22-23; 2.41-50).

2. Durante o Ministério Público de Cristo

Precedendo o ministério público de Jesus entra em cena João Batista, o precursor predito pelos profetas (Mc 1.2-3; Ml 3.1; Is 40.3). Que tipo de culto ele prestava a Deus? O que sabemos é que ele atuava fora das quatro paredes e extramuros, pregando e realizando o batismo de arrependimento, anunciando Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Ele começa a fazer a ponte entre a Antiga e a Nova Alianças.

A primeira menção a culto no NT saiu da boca de Jesus, no deserto da tentação (Mt 4.10).

“Indo para Nazaré, onde fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga, segundo o seu costume, e levantou-se para ler.” (Lc 4.16)

Ele tinha o costume de frequentar o templo e as sinagogas (Lc 4.16; 4.31-37; 21.37-38; Mc 1.21-22; Mt 12.9) e, ainda, o Monte das Oliveiras (Lc 22.39).

Desde o início Jesus declarou que não veio revogar a Lei e os Profetas, mas para cumprir (Mt 5.17). Ele começou a fazer uma releitura da Lei: “eu porém vos digo”. E, assim, deu continuidade à ponte entre a Antiga e a Nova Alianças. O seu campo de ação preferido eram as áreas externas, sempre cercado de multidões. Também se reunia em casas. Na sua conversa com a mulher samaritana, que estava tão confusa quanto a um lugar específico para adoração ou culto a Deus, ele esclarece que o Pai procura adoradores que o adorem em espírito e em verdade (Jo 4.19-24). Pode-se dizer que isso era uma verdadeira quebra de paradigma. Para Jesus, o templo de Jerusalém não tinha a relevância que os religiosos lhe davam (Mt 24.1-2).

Que informações temos de espiritualidade e culto neste período? O que Jesus leu na sinagoga sintetiza sua missão e forma de cultuar a Deus: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor.” (Lc 4.18). Evangelizar, pregar, ensinar, curar e operar milagres era parte desse culto (Mc 1.32-34; 2.13; 4.1-2; Mc 9.35; Lc 5.17; 8.1). Ele também tinha o hábito de orar (Mc 1.35; Mt 14.23; 26.36; Lc 6.12; Jo 17.1-26) e cantar (Mt 26.30). Jesus também tinha o costume de participar das festas judaicas, principalmente da páscoa. Na sua última páscoa, instituiu a ceia memorial (Mc 14.22-25; Mt 26.26-29; Lc 22.17-20; 1Co 11.23-26) que haveria de ser observada pela igreja.

3. Na igreja do Novo Testamento (neotestamentária)

No período de “gestação da igreja”, o Senhor ressurreto diz aos seus discípulos: “…permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder.” (Lc 24.49b). Após a ascensão, Lucas registra: “e estavam sempre no templo, louvando a Deus.” (Lc 24.53). No Livro de Atos, este mesmo Lucas diz que eles subiram para o Cenáculo (salão construído em cima do andar térreo de uma casa) (At 1.13), lugar provável onde nasceu a igreja, no dia de Pentecostes (At 2.1).

Como o Templo de Jerusalém estava muito atrelado ao judaísmo, a igreja nascente se expande para além dele, na mesma linha de João Batista e de Jesus: “o campo é o mundo”, isto é, espaços ao ar livre (outdoor) (praças – At 17.17b; praia – At 21.5; junto ao rio – At 16.13) e em ambientes fechados (indoor)(Ainda no Templo – At 3.1; 5.25; 5.42; Cenáculos – At 20.8; Casas – At 2.46; 5.42; 20.20; Rm 16.5; Sinagogas – At 13.14; 14.1; 17.1-9; 17.10-15 etc).

3.1 O paralelo entre o culto no AT e no NT

Há três aspectos importantes a se considerar, quando se compara o culto nos AT e o culto no NT:

 a) O Templo (o lugar)

Se no AT a centralidade e espiritualidade no culto demandava um local e construção específicos (Dt 12.13-14), como o Tabernáculo e, depois, o Templo; na era da igreja ela se desloca para o santuário do corpo do salvo: “Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Co 3.16; ver tb 1Co 6.19). Isso significa que este deve prestar um culto contínuo a Deus, na liturgia da vida. Numa analogia bastante modesta, o culto no Antiga Aliança (AT) está para o telefone fixo, assim como o culto na Nova Aliança (NT) está para o telefone móvel. No primeiro caso era necessário ir ao “telefone fixo” (templo) para falar (cultuar); no segundo, o “telefone móvel” (corpo-templo) para falar (cultuar) vai conosco.

b) O Sacerdócio (o mediador)

Se no AT a centralidade e espiritualidade no culto demandava a intermediação de um Sumo Sacerdote, da linhagem de Levi; na era da igreja ela se desloca para o nosso eterno Sumo Sacerdote – Jesus Cristo – um Sumo Sacerdote perfeito (santo, inculpável e sem mácula) (Hb 7.26-28). Nenhuma figura ou líder humano deve se atrever a tentar ocupar este lugar de mediador entre Deus e os homens (1Tm 2.5), tanto no que diz respeito a salvação eterna, quanto no que diz respeito ao acesso a Deus; pois o Espírito Santo foi dado a todos os remidos do Senhor.

c) O Sacrifício (o sistema de expiação)

Se no AT a centralidade e espiritualidade no culto demandava a utilização de um sistema de sacrifícios; na era da igreja o sacrifício de Jesus na cruz foi único, eficaz, perfeito e definitivo, para expiar o pecado e nos reconciliar com Deus (Hb 9). Os povos pagãos cultuavam seus deuses oferecendo-lhes seus filhos em sacrifício; mas o Deus único revela a todos os seres humanos que apenas o sacrifício do seu Filho Unigênito pode aplacar a sua ira e conceder-lhes eterna salvação (Rm 5.9; 1Ts 1.10). Nenhuma obra ou sacrifícios pessoais (penitências) são requeridos do cristão com vistas a aproximá-lo de Deus; mas espera-se que as suas obras e seu viver diário testemunhem a todos sua nova vida em Cristo.

3.2 Expressões da espiritualidade no culto, nas epístolas e Apocalipse:

a) Culto racional (Rm 12.1)

Na epístola aos romanos encontramos o seguinte apelo: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.” (Rm 12.1). Na graça devemos comparecer diante de Deus não com animais (para sacrifício e morte), mas com o nosso corpo ou ser, muito vivo e lhe dizer: “Eis-me aqui, envia-me, a mim” (Is 6.8); “usa-me, Senhor”. Templo sempre foi lugar de santidade e nós somos o templo do Espírito Santo, santuário de Deus que também precisa ser santo (1Co 3.16). Este culto racional é realizado para agradar a Deus. Para tanto, tem que ser em conformidade com as suas exigências.

b) Culto com ordem (1Co 14.26-40)

“Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um tem salmo, outro, doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua, e ainda outro, interpretação. Seja tudo feito para edificação.” (1Co 14.26). A igreja de Corinto, tinha muitos problemas, que foram tratados pelo apóstolo Paulo. Ele também teve que orientá-la quanto à liturgia do culto, particularmente quanto ao uso dos dons espirituais (1Co 14.26-40). Também teve que orientá-la quanto à “Ceia do Senhor” (1Co 11.20-29). Tudo isso porque culto tem que ser prestado com ordem e visando a edificação.

c) Culto com conteúdo (Ef 5.19-21)

À igreja de Éfeso Paulo instrui: “falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais,” (Ef 5.19).

À igreja de Colossos Paulo recomenda: “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração.” (Cl 3.16).

Na epístola de Tiago somos instruídos que, de certa forma, também cultuamos a Deus quando servimos ao nosso irmão, ao nosso próximo (Tg 2.14-26). Cultuar a Deus não pode ser algo teórico e abstrato, da boca pra fora; mas algo muito concreto que afeta a nossa vida a tal ponto que redunde na glorificação de Deus e bênção na vida dos que nos cercam.

No culto público, a essência precisa prevalecer sobre a forma, assim como a espiritualidade sobre a religiosidade. Portanto, na Nova Aliança, fazem parte do culto neotestamentário: a pregação da Palavra (At 20.7), a leitura das Escrituras (1Tm 4.13), a oração (1Tm 2.8), os cânticos de louvor (Ef 5.19) e as ofertas (1Co 16.1-2), além do Batismo (At 2.37-41) e da Ceia do Senhor (1Co 11.23-29) e o serviço cristão (Tg 2.14-26).

d) Culto dominical

No AT, os israelitas suspiravam pela chegada do dia de participarem das festividades em Jerusalém e irradiavam alegria enquanto peregrinavam rumo ao Templo (Sl 122.1). O ajuntamento do povo da cruz, para cultuar a Deus, deve ser motivo alegria. A igreja neotestamentária também se reunia no primeiro dia da semana, no domingo (At 20.7). O autor de Hebreus ressalta a importância de nos estimularmos, uns aos outros, a nos congregarmos: “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima.” (Hb 10.25)

e) Culto eterno

O Cordeiro de Deus que é cultuado e adorado pela igreja, na terra, no livro de Apocalipse é adorado eternamente (Ap 5.8-14; 15.2-4).

Conclusão:

Que Deus nos ajude a compreender essa espiritualidade no culto bíblico que deve nortear o culto na igreja de Cristo em qualquer época. Que tenhamos sempre em mente que culto não é show, beleza estética ou ritual para animar uma plateia; mas algo orientado por Deus e centrado em Deus, portanto, teocêntrico e cristocêntrico. Que compreendamos que culto é algo contínuo, pois quando termina a liturgia do templo, começa a liturgia da vida; sendo que a liturgia do templo só será aceita se tiver lastro numa consistente e santa liturgia da vida. Que, sejamos encontrados por Deus como aqueles que o adoram e o cultuam em espírito e verdade.