A ressurreição de Dorcas (At 9.36-43)

Introdução

Pode-se comparar esse milagre com aquele outro realizado pelo Senhor Jesus, em que foi ressuscitada a filha de Jairo, segundo o registro de Lucas 8.41-56. Lucas continua a mostrar como até mesmo os mais poderosos milagres de Jesus foram reeditados no ministério de seus seguidores. Essa reedição, entretanto, era efetuada em seu nome e de conformidade com as suas promessas (ver Jo 14.12), através do poder do seu Santo Espírito. Tais milagres, por igual modo, demonstravam a autoridade da Igreja Cristã, delegada pelo Senhor Jesus, e davam a entender o derretimento do judaísmo. A cidade de Jope, que aqui aparece, modernamente se chama Jafa, um bairro da cidade de Tel-Aviv.

1. Dorcas, a discípula amada (vv. 36-37; 39b)

36   Havia em Jope uma discípula por nome Tabita, nome este que, traduzido, quer dizer Dorcas; era ela notável pelas boas obras e esmolas que fazia.
37  Ora, aconteceu, naqueles dias, que ela adoeceu e veio a morrer; e, depois de a lavarem, puseram-na no ce
náculo.

“Tabita” é a forma aramaica do vocábulo grego “Dorcas” (nome internacional). Ambas as palavras significam gazela ou antílope. Esta senhora, mui provavelmente, era conhecida por ambos os nomes. Isso parece indicar-nos como a cidade de Jope havia sofrido diversas influências da cultura helênica, embora ficasse a curta distância de Jerusalém (cerca de 60 Km, em linha reta). Era uma discípula ou seguidora de Jesus, uma cristã, que se sobressaía pelas boas obras e doação de esmolas que não apenas era um serviço piedoso, mas também necessário como serviço social. Não sabemos se ela era solteira, casada ou viúva. Se fosse casada é de estranhar que seu marido não tenha sido mencionado em toda a narrativa. Parece que era uma pessoa que tinha recursos financeiros pois se tornou notável pelas suas boas obras e esmolas que fazia. Usava o ofício de costureira para servir a comunidade carente, sendo as viúvas as mais beneficiadas pelas suas caridades (v. 39b).

Para tristeza da comunidade, ela adoeceu e veio a morrer. Vale ressaltar que até mesmo servos de Deus fiéis e atuantes também adoecem, nem sempre são curados apesar da oração e clamor da família da fé, e morrem. Tal como ocorria entre muitas nações, era costumeiro, entre os judeus, lavar os cadáveres. Era colocado em um cenáculo antes do sepultamento.

2. O último recurso (vv. 38-39)

38  Como Lida era perto de Jope, ouvindo os discípulos que Pedro estava ali, enviaram-lhe dois homens que lhe pedissem: Não demores em vir ter conosco.
39  Pedro atendeu e foi com eles. Tendo chegado, conduziram-no para o cenáculo; e todas as viúvas o cercaram, chorando e mostrando-lhe túnicas e vestidos que Dorcas fizera enquanto estava com elas.

Toda essa atividade, em prol de Dorcas, a ponto de continuarem esperançosos, mesmo depois de sua morte, e a despeito do poder inexorável da morte, mostra-nos o quão profundamente aquela mulher crente deve ter sido amada e respeitada pelos irmãos de Jope. Pedro representava, para elas, a esperança de que Deus nos confere, mesmo em face da morte; e não foram tardios em se apegarem a essa esperança. Pedro foi chamado lá em Lida, a cerca de 16Km de Jope, atendeu àquele apelo e foi com eles. Ele já havia visto ao Senhor Jesus, vivo após ter estado morto, e a sua fé era suficientemente firme. Fora também testemunha da ressurreição de várias pessoas, pelo Senhor Jesus. A cena que envolveu a Pedro no cenáculo era de partir o coração.

A morte não deveria e não deve ser encarada como uma tragédia, um mal irreparável. Entretanto, a dor daquela súbita separação era mais do que podiam suportar. A pergunta que não quer calar é: – Se morrermos agora, exatamente neste momento da nossa vida, a comunidade sentirá a nossa falta? Aquilo que fazíamos deixará um vazio na comunidade?

Há, pelo menos, nove casos de ressurreição registrados na bíblia, além da própria ressurreição de Jesus, sendo 3 casos no Antigo Testamento e 6 no Novo Testamento, conforme mostrado abaixo. Isto mostra o quão raro é esse milagre. Temos aqui o registro do primeiro caso através dos apóstolos.

  1. O filho da viúva de Sarepta  (1Rs 17.17-24 – Elias)
  2. O filho de uma mulher sunamita  (2Rs 4.32-37 – Eliseu)
  3. Homem que caiu sobre os ossos de Eliseu  (2Rs 13.20-21)
  4. O filho da viúva de Naim  (Lc 7.11-15 – Jesus)
  5. A filha de Jairo  (Lc 8.41-42, 49-55 – Jesus)
  6. Lázaro, irmão de Marta e Maria (Jo 11.1-44 – Jesus)
  7. Inúmeros cadáveres na morte de Jesus  (Mt 27.50-53)
  8. Dorcas ou Tabita (At 9.36-42 – Pedro)
  9. O jovem Êutico  (At 20.9-10 – Paulo)

3. O milagre da fé (vv. 40-41)

40  Mas Pedro, tendo feito sair a todos, pondo-se de joelhos, orou; e, voltando-se para o corpo, disse: Tabita, levanta-te! Ela abriu os olhos e, vendo a Pedro, sentou-se.
41  Ele, dando-lhe a mão, levantou-a; e, chamando os santos, especialmente as viúvas, apresentou-a viva.

Pode-se observar o paralelismo entre esta cena, em que Pedro tirou todos para fora da sala, e o que o Senhor Jesus fez, no caso da ressurreição da filha de Jairo (Lc 8.51). O mesmo modus operandi do Mestre é reeditado aqui pelo aluno. Pedro era homem de fé e poder, e sabia o que o Senhor Jesus podia fazer por intermédio dele, mas não queria quaisquer mentes duvidosas, céticas e meio-cegas ao seu redor, nem mesmo aquelas mentes que estavam vencidas de tristeza. Tinha mui importante tarefa a cumprir, e precisava que os canais de comunicação com as forças celestes estivessem totalmente desimpedidos.

Há três particularidades que devemos destacar quanto ao que Pedro fez:

1º) Pedro agiu privadamente – Não desejava para si qualquer glória humana, mas, acima de tudo, não queria que houvesse qualquer interferência no poder que estava prestes a transferir para aquele corpo morto.

2º) Pedro agiu mediante o poder da oração – Ele orou para aquele que é Deus dos vivos, e não dos mortos. Na realidade, se Deus seria o realizador daquele prodígio, este não seria de forma alguma difícil para o Senhor.

3º) Pedro se utilizou da palavra revestida de poder, aquela palavra que o Senhor Jesus lhe ensinara e inspirara a usar, dando-lhe, no princípio, exemplo de sua atuação, mediante grande multidão de incidentes.

4. O testemunho vivo (v. 42)

42  Isto se tornou conhecido por toda Jope, e muitos creram no Senhor.

Podemos sugerir e enumerar alguns motivos, pelos quais aquele milagre foi operado:

1º) Deus simplesmente teve compaixão daquelas viúvas que choravam a morte de Dorcas e a restituiu à presença delas. Deus, pois, pode permitir um milagre por essa mera razão, porquanto o Senhor é supremamente misericordioso.

2º) Dorcas ainda tinha alguma coisa a realizar; porquanto, se ela houvesse terminado a sua missão, Deus não a teria enviado de volta, nem mesmo para agradar àquelas viúvas. Portanto, devemos viver cada dia do tempo que nos está determinado; e esperemos fazê-lo tão piedosamente quanto Dorcas.

3º) Porém, acima de tudo, havia a questão da glória de Cristo, que redundaria de tudo isso; e, através da exaltação de sua glória, muitos haveriam de ouvir o que acontecera e crer em Jesus. Foi o que aconteceu ali. Dificilmente se poderia impedir que tal história se espalhasse. Assim é que, não somente os habitantes de Jope, mas todas as vilas e aldeias em redor, também souberam da extraordinária ocorrência.

5. Pedro, hospedado pelo curtidor (v. 43)

43  Pedro ficou em Jope muitos dias, em casa de um curtidor chamado Simão.

A ocupação nos curtumes, por causa do contato com corpos mortos de animais, era considerada imunda, sendo que aqueles que praticavam esse meio de vida tinham de viver separados do resto da comunidade. É significativo que Pedro não apenas se associou, mas também se hospedou com um curtidor, em sua própria casa, o que mostra que não se aferrava a todos os estritos preconceitos que havia entre os judeus. No entanto, estando ali, deixou escapar alguns de seus escrúpulos judaicos ao recusar-se a comer certas coisas que eram proibidas pela lei cerimonial judaica.

Foi no pátio do curtidor que ele recebeu a visão que o faria repensar seu relacionamento com não judeus, ao mesmo tempo que aprendia que os gentios podem e devem ser admitidos como membros da Igreja Cristã com plenos privilégios, contanto, naturalmente, que se arrependam e confiem em Cristo. De modo geral, poderíamos afirmar que a permanência de Pedro na casa de Simão, o curtidor, foi muito benéfica, embora ainda tivesse de passar bastante tempo até que esse apóstolo aceitasse abertamente essas novas revelações (Gl 2.11-14), pelo menos na prática, quando não na teoria. “A hospedagem com o curtidor foi um passo no caminho de comer com os gentios” (Furneaux)

Autor: Paulo Raposo Correia

Um servo de Deus empenhado em fazer a sua vontade.

2 comentários em “A ressurreição de Dorcas (At 9.36-43)”

  1. Irmão Paulo, obrigado pela explicação e melhor compreensão do texto. Que Deus lhe abençoe para que a Palavra de Deus esteja sempre e cada vez mais acessível à todos.
    Excelente semana!!!

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