
Introdução
O que é Ressentimento?
Sentimento é um substantivo que vem do latim “sentimentum” e o verbo é “sentire” ou sentir. Com a inclusão do prefixo “RE” (elemento designativo de repetição, ação repetida ou retroativa; bem como indicativa de reforço), origina-se, então, a palavra “ressentimento”. Ressentimento é aquele sentimento de mágoa, melindre e angústia que se forma como consequência de uma ofensa recebida. É aquela lembrança permanente e dolorosa de palavra ou ato ofensivo que, muitas vezes, produz rancor, ira, seguido do desejo de vingança. É a ação de ressentir, ou seja, de sentir de novo ou sentir repetidamente as emoções negativas, aquelas mágoas profundas alojadas no coração, que foram provocadas a partir de ofensas ou injustiças sofridas ou atitudes mal-recebidas pela pessoa ressentida.
A Bíblia menciona explicitamente a questão do ressentimento duas vezes, embora aborde implicitamente essa questão em muitos outros textos. Em Atos 4.2, no início da igreja, os religiosos da época, ressentidos e corroídos de inveja perseguiam os seguidores de Cristo. Em 1Coríntios 13.5, o apóstolo Paulo, descrevendo as características do verdadeiro amor, diz que o amor “não se ressente do mal”.
Enquanto no “sentimento de culpa” a pessoa vive remoendo algo que fez e não deveria ter feito, no caso do “ressentimento” a pessoa vive remoendo algo que o outro fez contra ela e não deveria ter feito. Ambos os casos acontecem com todos os indivíduos, portanto, afeta cristãos e não cristãos. Por serem prejudiciais à saúde mental e física da própria pessoa, e por afetarem os relacionamentos familiares e sociais, esses sentimentos tóxicos precisam ser tratados.
Ressentimentos afetam nossa vida emocional e espiritual? Que mal eles causam? O que fazer em relação a ressentimentos? É o que abordaremos, a seguir.
1. ORIGEM DOS RESSENTIMENTOS
Todos sabemos que a convivência humana, o relacionamento entre as pessoas, é algo complexo e exige sensibilidade e habilidade no falar e agir, paciência e tolerância, compreensão e equilíbrio. O ensino e conselho de Tiago é: “Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar.” (Tg 1.19). Não podemos deixar de atentar para dois aspectos: (i)Precisamos nos preocupar e cuidar para não sermos nós mesmos agentes e provocadores de situações que possam gerar ressentimentos nos outros. (ii)Precisamos cuidar de nos livrarmos rapidamente de ressentimentos.
Várias são as possíveis origens ou causas que geram ressentimentos numa pessoa. Podem se dar por, dentre outras:
a) Ação deliberada e intencional do ofensor.
É quando uma pessoa fala ou faz algo contra outra de propósito, sabendo do resultado negativo que poderá causar. Há pessoas pouco cordiais, belicosas, que não medem suas palavras e ações, bem como as consequências dos seus atos.
b) Ação acidental e não intencional do ofensor.
É quando, sem conhecer bem o outro ou a sua situação, uma pessoa fala ou faz algo que o ofende.
c) Resultante da ação de terceiros.
É quando terceiros falam ou fazem algo, por exemplo, distinguindo ou favorecendo uma pessoa, o que acaba provocando inveja e ressentimento em outra pessoa contra a favorecida. Dois exemplos clássicos deste caso são: (i) José, favorecido por seu pai Jacó, gerando ressentimentos nos seus irmãos. (ii) Abel, aprovado e favorecido por Deus, gerando ressentimento em Caim.
d) Resultante de situações da vida.
É quando alguém próximo é bem-sucedido na vida, gerando inveja e ressentimento no outro. É quando o sucesso do outro incomoda muito mais do que o nosso próprio fracasso.
e) Resultante de interpretação equivocada e fantasiosa por parte do ofendido.
É quando a pessoa se sente ofendida e ressentida sem que haja culpa alguma do suposto ofensor, simplesmente por ter ouvido ou entendido erradamente a fala ou o gesto do outro.
2. MALES CAUSADOS PELOS RESSENTIMENTOS
“Guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra”.
Ninguém precisa e nem deve dificultar a vida carregando entulho no coração, como se fossem relíquias preciosas. “Coração não é terreno baldio, não o entulhe de ressentimentos. Do passado, carregue somente o necessário. Isso ajuda o pretérito a entender seu verdadeiro lugar no tempo.” (Ruth Borges)
2.1 A raiz de amargura
“atentando, diligentemente, por que ninguém seja faltoso, separando-se da graça de Deus; nem haja alguma raiz de amargura que, brotando, vos perturbe, e, por meio dela, muitos sejam contaminados;” (Hb 12.15)
A raiz de amargura mencionada aqui pelo escritor de Hebreus é uma referência à advertência de Moisés ao povo de Israel em Deuteronômio 29.18: “para que, entre vós, não haja homem, nem mulher, nem família, nem tribo cujo coração, hoje, se desvie do SENHOR, nosso Deus, e vá servir aos deuses destas nações; para que não haja entre vós raiz que produza erva venenosa e amarga,”. A erva daninha é considerada prejudicial à agricultura e tem características[1] assustadoras quando raciocinamos em termos de crescimento do mal. Moisés recorreu à figura da raiz venenosa e amarga para ilustrar o mal que a idolatria faria ao povo de Israel se seguissem os deuses das nações vizinhas. Da mesma forma, em Hebreus, a raiz de amargura é a pessoa que, se afastando da graça de Deus, poderia contaminar a comunidade cristã.
Por analogia, podemos dizer que os maus sentimentos são como erva daninha ou raiz de amargura que brotando no coração tem o potencial de devastação emocional e grande destruição.
Quando os ressentimentos se alojam no coração, as consequências se tornam evidentes:
- Os relacionamentos e a convivência são afetados.
- As pessoas se tornam menos alegres ou mais amargas.
- Roubam a paz interior, desejando o mal para o seu ofensor.
- Alimentam o desejo de vingança, que pertence a Deus (Rm 12.9).
- Os relacionamentos familiares degeneram e podem desestruturar a família.
- Compromete a comunhão na igreja.
- Repercute na sociedade, como mau testemunho perante os não crentes.
Todos conhecemos a máxima – “Mente sã, corpo são”. Os ressentimentos causam distúrbios emocionais, tristeza, abatimento de espírito. Tudo isso concorre para a instalação de doenças emocionais e físicas. A Bíblia declara que: “O coração alegre aformoseia o rosto, mas com a tristeza do coração o espírito se abate.” (Pv 15.13). De alguma forma, todos acabam sendo atingidos e sofrem: o ofendido, o ofensor e as pessoas que estão à volta.
Pessoas que guardam ressentimentos são fortes candidatas a uma série de desajustes que afetam o espírito e o corpo. Nesse sentido, a Bíblia adverte: “O coração alegre é bom remédio, mas o espírito abatido faz secar os ossos.” (Pv 17.22).
3. TRATANDO OS RESSENTIMENTOS
Guardar ressentimentos não é aconselhável pelos profissionais da psicologia. A explicação está no fato de que manter e nutrir constantemente emoções negativas poderá dificultar o progresso nas diversas áreas da vida da pessoa.
O aconselhável é que a pessoa ressentida (que guarda ressentimentos) procure resolver as suas pendências emocionais, evitando que “sentimentos tóxicos”, como o ódio, a angústia e o rancor, sejam comuns no seu cotidiano.
3.1 Ressentimento e vingança
“não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor.” (Rm 12.19)
Não pode haver, na mente de um crente regenerado por Cristo, espaço para acolher pensamentos de vingança. Maquinar o mal é pecado. Deus declara que a ele pertence a vingança (Rm 12.19; Dt 32.35; Pv 20.22; 24.29). O amor de Deus derramado em nossos corações deve nos levar a buscar a reconciliação e a paz. Humanamente é muito difícil, mas Deus pode nos capacitar nesse sentido. Portanto, “se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens;” (Rm 12.18).
3.2 Ressentimento e Perdão
“Longe de vós, toda amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmias, e bem assim toda malícia. Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou.” (Ef 4.31-32)
É patente a relação entre ressentimento e perdão. Pode-se inferir que situações mal resolvidas alimentam ou sustentam o ressentimento. Quando o perdão pleno se manifesta cessa o ressentimento. Se a ofensa não foi evitada já causou o dano. Restam, portanto, dois caminhos na direção do restabelecimento do relacionamento entre as partes: (i) A retratação por parte do ofensor; (ii) O perdão por parte do ofendido.
Algumas palavras gregas traduzidas como perdão são “aphíemi”, “aphesis” e “paresis” e têm o sentido de deixar ir, enviar para longe, soltar, mandar embora, despachar, cancelar; desobrigar; não levar em conta, deixar passar. O modus operandi do processo de perdão se dá em três etapas: (i) Separar o ofensor da sua ofensa; (ii) Lançar fora a ofensa; (iii) Restaurar o relacionamento com o ofensor, ou melhor, ex-ofensor. É o que podemos denominar de “liberar o perdão”. É o que Deus faz com o pecador penitente, redimido por Cristo: “Quanto dista o Oriente do Ocidente, assim afasta de nós as nossas transgressões.” (Sl 103.12).
Sendo perdoados e salvos por Deus, em Cristo, esse perdão divino deve prover-nos de um crédito elevado de perdão a ser compartilhado com o nosso próximo. Jesus deixou claro que não há limites para o perdão (Mt 18.21-22). Também, na oração modelo, nos ensinou o aspecto condicionante do perdão: “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas.” (Mt 6.14-15)
Em se tratando de conflito entre irmãos, na igreja, Jesus nos deixou instrução que prevê três etapas progressivas (Mt 18.15-17):
1ª) “Se teu irmão pecar contra ti, vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão.”
2ª) “Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça.”
3ª) “E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano.”
4. Prevenindo o ressentimento
Uma das formas de prevenir doenças é fortalecendo o sistema imunológico. De igual forma, para evitar que os ressentimentos se instalem no coração e produzam seus efeitos nocivos, é necessário cultivar virtudes cristãs. Precisamos nos fortalecer espiritualmente nos alimentando da Palavra de Deus e mantendo a comunhão com Deus através da oração. O texto de Colossenses 3.12-17 nos oferece excelentes dicas, neste sentido.
12 Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade.
13 Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós;
14 acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da perfeição.
15 Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso coração, à qual, também, fostes chamados em um só corpo; e sede agradecidos.
16 Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração.
17 E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai.
“Quando cultivamos as virtudes cristãs, não nos deixamos melindrar facilmente; e encontramos forças para amar, perdoar e eliminar quaisquer vestígios de ressentimento.”
Conclusão
Ressentimentos, em nada contribuem para a solução dos problemas de relacionamento; pelo contrário, tendem a agravar a situação ou, no mínimo, impedem a reconciliação. “Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus.” (Tg 1.20)
Não há como viver uma vida cristã sadia e frutífera se o coração guarda ressentimentos. Não há como prestar culto a Deus vivendo em litígio com os irmãos (Mt 5.23-24). E, mesmo quando o ofensor não se retrata, o próprio ofendido revela a sua grandeza e o seu caráter cristão, ao tomar a iniciativa em busca da solução do problema. O fato é que o mal precisa ser vencido e o bem prevalecer (Rm 12.21).
Por fim, vale lembrar duas recomendações bíblicas, contidas no Antigo e no Novo Testamentos, enfatizando a urgência de se livrar da ira, por extensão, do ressentimento:
“Irai-vos e não pequeis; consultai no travesseiro o coração e sossegai.” (Sl 4.4)
“Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo.” (Ef 4.26-27)
Que Deus nos ajude!
Bibliografia:
1. Bíblia Sagrada (SBB – Versão Revista e Atualizada).
2. Bíblia Online – SBB.
3. Revista Didaquê – Vida Abundante – DE BEM com a vida.
4. Internet.
[1] Características comuns das ervas daninhas:
(i)Crescem rápido: usam uma alta eficiência de água; (ii)Excelente adaptação climática; (iii)Apresentam um curto intervalo entre floração e germinação; (iv)Perenes, geneticamente poliploides e facultativamente auto compatíveis; (v)Apresentam estruturas para dispersão, e germinam em quase todos os substratos úmidos sem uma fertilização específica; (vi)Alta dormência; (vii)Alta longevidade; (viii)Alta produção, produção contínua; (ix)Considerada como praga.