Texto base: João 13.1-20
Introdução
“Ora, antes da Festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim.” (Jo 13.1)
No cômputo de horas judaico iniciava-se a sexta-feira (no nosso seria quinta-feira, à noite), e Jesus pôs-se à mesa, e com ele os doze, para celebrar a Páscoa. Era a sua última Páscoa e ele explicitou o seu ardente desejo de celebrá-la com eles, antes do seu sofrimento e morte, e até que ela se cumprisse no reino de Deus (Lc 22.14-16).
Naquela mesa singular, enquanto Jesus carregava o peso do sofrimento e da angústia, da sua morte iminente, os doze discutiam sobre quem seria o maior dentre eles, revelando uma total falta de sensibilidade e conexão com a realidade enfrentada pelo Mestre (Lc 22.24-30). Então, Jesus precisou intervir e ministrar-lhes mais uma lição: “Pois qual é maior: quem está à mesa ou quem serve? Porventura, não é quem está à mesa? Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve.” (Lc 22.27). Posteriormente, ele vai completar a lição com a parte prática, no ato do “lava-pés”.
Esta era a Mesa da Transição:
– Da Páscoa judaica, para a Ceia Cristã.
– Da libertação dos umbrais das portas untados com o sangue de cordeiros, para a libertação da cruz do Calvário respingada com o sangue do Cordeiro de Deus – Jesus Cristo.
– Do que era temporário e imperfeito, para o que é perfeito e definitivo meio de expiação de pecados.
– Da celebração da Antiga Aliança, para a celebração da Nova Aliança.
Aquele ato de redenção e libertação realizado ali na cruz do Calvário nos impulsiona a preparar, aqui e agora, uma nova “Mesa de Transição”. Chegada a hora, a cada evento e ajuntamento da igreja, lá estamos, e Jesus entre nós, para um grande momento de transição:
– De algumas vidas preciosas que estão perdidas, para a verdadeira Luz!
– De casamentos ruins ou bons, para casamentos melhores!
O que o relato bíblico do Evangelho de João 13 tem a nos dizer sobre essa Mesa da Transição? O que isso tem a ver conosco?
“Jesus …, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim.”
1) AMOR SEM FIM
O amor de Jesus pelos seus – “até ao fim” – é exemplo e referência para nós, tanto na condição de cônjuges, quanto na condição de irmãos em Cristo e/ou amigos trabalhando na mesma obra. Seu amor é incondicional, pois se mantinha independentemente das falhas e imperfeições humanas daqueles discípulos. Que o nosso amor (conjugal ou fraternal) não seja como no “Soneto de Fidelidade – de Vinicius de Moraes”: “Mas que seja infinito enquanto dure”. E, sim: “Mas que se renove e sempre dure”.
2) AMOR QUE SERVE
“Pois qual é maior: quem está à mesa ou quem serve? Porventura, não é quem está à mesa? Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve.” (Lc 22.27)
Jesus, o Filho de Deus, o Rei de toda a terra, fez questão de dizer-lhes que, embora o maior seja aquele que está à mesa, ele prefere desempenhar o papel daquele que serve! Quem somos nós, seus servos e seguidores, para não ocupar este mesmo papel? Você já ouviu aquela conhecida expressão? – “Quem não serve, não serve*” (*para ser discípulo e seguidor de Jesus).
Como aquele que serve com excelência, e em tudo nos dá o exemplo, no ato do lava-pés, Jesus nos deixou algumas lições importantes:
1ª) O preparo necessário (vv.4-5a)
“levantou-se da ceia, tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-se com ela. Depois, deitou água na bacia …”
Somos desafiados a deixar a nossa zona de conforto, nosso comodismo, e a fazer a obra, cumprir a missão, o IDE de Jesus. Naturalmente, isso exige e requer, prioritariamente, um adequado preparo espiritual. Entretanto, é preciso de ação, de preparo e equipagem que envolvem as coisas materiais . No caso de eventos com foco evangelístico ou de fortalecimento de casamentos é preciso sim dedicar-se e investir na excelência. O nosso Deus requer de nós o melhor! Entretanto, não podemos nos submeter a extremos, como à ditadura do método, da forma e do conteúdo. É preciso ter sempre em mente e tomar o cuidado de não acharmos que o poder transformador de pessoas tem origem em nosso trabalho, na nossa criatividade, pois isso é uma prerrogativa divina, é fruto da atuação sobrenatural de Deus. Nós e o nosso trabalho funcionamos apenas como coadjuvantes do Senhor da Obra.
2ª) O método excelente (v.5b)
“e passou a lavar os pés aos discípulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido.”
a) Foco no individual.
Nosso evento e trabalho pode envolver e ser destinado a um grupo de pessoas. Porém, na sua caminhada e ministério, Jesus nos deixou o exemplo de focar individualmente em cada pessoa, em cada casal, em cada família.
b) Serviço completo (lavar e enxugar).
A narrativa do lava-pés é extremamente conhecida, porém, vale ressaltar aqui o fato de Jesus ter feito o “serviço completo”. Ele lavou e enxugou os pés deles. Ele poderia ter lavado e entregue a toalha solicitando a cada um que se enxugasse, mas não o fez. Isso nos dá o que pensar! Em certos eventos, esse procedimento pode produzir um efeito e impacto surpreendentes.
3ª) Sabedoria no trato com as pessoas questionadoras (vv.6-11)
“6 Aproximou-se, pois, de Simão Pedro, e este lhe disse: Senhor, tu me lavas os pés a mim?
7 Respondeu-lhe Jesus: O que eu faço não o sabes agora; compreendê-lo-ás depois.
8 Disse-lhe Pedro: Nunca me lavarás os pés. Respondeu-lhe Jesus: Se eu não te lavar, não tens parte comigo.
9 Então, Pedro lhe pediu: Senhor, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça.
10 Declarou-lhe Jesus: Quem já se banhou não necessita de lavar senão os pés; quanto ao mais, está todo limpo. Ora, vós estais limpos, mas não todos.
11 Pois ele sabia quem era o traidor. Foi por isso que disse: Nem todos estais limpos.”
Na rota do lava-pés, percorrida por Jesus, havia aqueles que tranquila e passivamente aceitaram o seu serviço. Entretanto, também havia dois personagens distintos, um questionador bem-intencionado – Simão Pedro, e um pacato e camuflado traidor – Judas Iscariotes. Quando realizamos um evento para um grupo de pessoas é natural que haja reações distintas, favoráveis e desfavoráveis.
Na sua divina sabedoria, Jesus precisou esclarecer algumas coisas para Pedro, extensivas a nós, seus seguidores: a) É preciso se submeter a ele (Cristo); b) Quem não for purificado (por ele), não tem parte com ele e nem na realização da sua obra; c)Quem já se banhou (“lavou todo o corpo”, figurando a expiação de pecados e justificação que procede da cruz do Calvário), só precisa lavar os pés (figurando as contaminações da caminhada terrena). No AT, a bacia de bronze, estrategicamente colocada entre o Altar e a Tenda, era o lugar onde o sacerdote se lavava, antes de entrar na Tenda e antes de ministrar no Altar. Portanto, servia àqueles que já estavam limpos, purificados pelo sangue do sacrifício do Altar do Holocausto. Isto acontecia por ocasião da consagração, quando também ele tomava um banho completo (Êx 29.4). Isto simbolizava a regeneração (Tt 3.3-7). Após a consagração, ele precisava lavar somente as mãos e os pés (Êx 30.17-21): este ato é um tipo de purificação diária pela Palavra de Deus (Jo 13.10). A lavagem da regeneração realizava-se uma só vez, mas a purificação da contaminação com o mundo é um processo contínuo, sem o qual é impossível se ter comunhão com Deus.
Quanto ao outro discípulo, Judas, Jesus sutilmente mandou um recado inicial: “Ora, vós estais limpos, mas não todos.”
4ª) Avaliação de impacto (v.12)
“Depois de lhes ter lavado os pés, tomou as vestes e, voltando à mesa, perguntou-lhes: Compreendeis o que vos fiz?”
Na pedagogia de Jesus “aplicada a eventos” é importante colher as impressões das pessoas que foram alvo das nossas ações. É preciso avaliar o impacto e tomar as providências cabíveis.
5ª) Explicação, aplicação e incentivo à prática (vv.13-17)
“13 Vós me chamais o Mestre e o Senhor e dizeis bem; porque eu o sou.
14 Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros.
15 Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também.
16 Em verdade, em verdade vos digo que o servo não é maior do que seu senhor, nem o enviado, maior do que aquele que o enviou.
17 Ora, se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes.”
Se uma imagem vale mais do que mil palavras, podemos aduzir que um ato concreto fala muito mais alto do que uma imagem. Era preciso explicar e explicitar a lição do lava-pés, para o bom entendimento de todos. O desfecho de Jesus é simplesmente enriquecedor e pode ser resumido assim:
a) Vocês me têm em alta conta, como alguém superior, Mestre e Senhor. Não faz sentido negar isso, porque verdadeiramente eu o sou.
b) Vocês devem entender que o meu propósito neste ato é ensinar-lhes que, independentemente do posto ou papel que ocupam, os meus seguidores devem servir uns aos outros.
c) Se vocês entenderam o que eu fiz, serão bem-sucedidos e agradarão a Deus se reproduzirem o que aprenderam comigo.
3) AMOR COM PROPÓSITO
Neste ato simbólico do lava-pés, o amor de Jesus manifestou alguns propósitos, a saber:
a) A importância da humildade:
– O maior é quem serve! Não seja orgulhoso, mas, por outro lado, não se subestime ou se desvalorize, pois maior é o que age em nós.
b) O que é importante ao servir:
– Quem serve deve fazê-lo com excelência!
c) A importância da santidade:
– Somente os limpos de coração têm parte para assentar-se à mesa com o Mestre e a fazer a sua obra! (Examine-se e confesse!)
d) A importância de seguir o exemplo do Mestre.
– “Lavar os pés uns aos outros” é o chamado de Jesus para seus seguidores servirem uns aos outros com amor, humildade e cuidado, seguindo seu exemplo de serviço desinteressado e sacrificial.
Conclusão
Em face do exposto, é importante que cada cristão:
– Mantenha seu foco em Jesus, nos seus exemplos e seus ensinos.
– Tenha uma visão adequada do modus operandi do Reino de Deus – “Mas vós não sois assim;” (Lc 22.26a)
– Tenha uma visão adequada da sua identidade cristã e de seu papel no Reino.
– Tenha a consciência de que deve fazer a obra de Deus com excelência.
– Que, no nosso trabalho para o Senhor, é essencial que tudo seja feito na sua total dependência e na unção do Espírito Santo!
– Que a nossa recompensa será recebida, lá e então, na eternidade!
“Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens, cientes de que recebereis do Senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo;” (Cl 3.23-24)