Tempos de Milagres

1Tempos de Milagres

A intervenção de Deus na história humana é contínua, mas não é linear; é pontual, oportuna, necessária e impactante, ocorrendo mais intensamente em épocas específicas. É comparável ao pulsar vivificador de Deus na história humana.

No dizer de Philip Schaff, “Há uma tríplice revelação de Deus:

1- A revelação interna da razão e da consciência, em cada indivíduo (Rm 2.15; Jo 1.9);

2- Há uma revelação externa, na criação, a qual proclama o poder, a sabedoria e a bondade de Deus (Rm 1.20; Sl 19);

3- Há uma revelação especial, através das Santas Escrituras, como também na pessoa e na obra de Cristo, que confirma e completa as outras duas revelações, exibindo a justiça, a santidade e o amor de Deus”.

Milagres, intervenções e revelações são manifestações sobrenaturais de Deus. Se acontece todo o dia, reduz seu impacto, como no caso da revelação externa, através da natureza, por exemplo. O sol nasce diariamente, o oxigênio se renova, as chuvas regam a terra, os rios nascem nos lugares mais imprevisíveis levando vida por onde passam, e nada disso nos surpreende. E o que dizer do milagre da renovação da vida humana? Um espermatozoide fecunda um óvulo. Essa minúscula substância informe se desenvolve, sem qualquer intervenção humana, orientado por um código genético, dando origem a um ser complexo, que pode alcançar mais de 2 metros, com todos os seus sistemas, células e tecidos os mais variados, pele, cartilagem, ossos, líquidos etc. Olhos que enxergam em 3 dimensões e em cores. Um cérebro capaz de produzir coisas inimagináveis. Entretanto, quem se surpreende com esses milagres tão extraordinários?

No desenvolvimento da história bíblica, podem ser facilmente identificados três períodos de grande intervenção divina. Cada um desses períodos durou menos de um século e foi marcado por milagres, que são acontecimentos que não têm uma explicação natural. São eles:

– Quando da formação da nação de Israel, sob Moisés e Josué.

– Quando o culto a Baal ameaçava destruir toda a adoração a Deus, sob Elias e Eliseu.

– Quando do estabelecimento da igreja, sob Cristo e os apóstolos (predominantemente).

Considerando os principais milagres registrados na Bíblia, chegamos à seguinte estatística:

2Tempos de Milagres

                                                             (Boyer, O. S.  – Pequena Enciclopédia Bíblica)

Depois da maior e mais intensa manifestação de Deus, da mais intensa luz da revelação divina, em Jesus, o registro bíblico traz indicações de um provável desvanecimento ainda na era apostólica. Em cerca de 54-57dC, há o registro surpreendente: “E Deus, pelas mãos de Paulo, fazia milagres extraordinários, a ponto de levarem aos enfermos lenços e aventais do seu uso pessoal, diante dos quais as enfermidades fugiam das suas vítimas, e os espíritos malignos se retiravam.” (At 19.11-12). Cerca de dez anos mais tarde, 64-67dC, encontramos outros registros igualmente surpreendentes, nos seguintes escritos do mesmo apóstolo Paulo a Timóteo: “Não continues a beber somente água; usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades.” (1Tm 5.23 – 64dC); “Erasto ficou em Corinto. Quanto a Trófimo, deixei-o doente em Mileto.” (2Tm 4.20 – 67dC).

O desvanecimento continua, ao ponto da história registrar um extenso período conhecido como “Idade das Trevas” que coincide com a Idade Média, período compreendido entre a deposição do último soberano do Império Romano do Ocidente, Rômulo Augusto (476, século 5), até a conquista da cidade de Constantinopla, pelos turcos (1453, século 15), pondo fim ao Império Bizantino. Um período de inúmeras invasões territoriais, frequentes guerras e ampla intervenção da Igreja, mas pobre de grandes manifestações de Deus.

No contexto da Reforma (séculos 14 a 16), quando o afastamento da igreja oficial também ameaçava destruir o verdadeiro culto a Deus, aparecem em cena homens enviados por Deus como: João Wyclif (1324-84), Martinho Lutero (1483-1546), João Calvino (1509-64) e João Knox (1515-72).

Passados dois séculos, mais uma vez Deus vem em socorro da sua igreja. Nos séculos 18 e 19, marcados por grandes avivamentos e expansão missionária destacam-se: Jônatas Edwards (1703-58), João Wesley (1703-91), Guilherme Carey (1761-1834), Carlos Finney (1792-1875), Jorge Müller (1805-98), Davi Livingstone (1813-73), Hudson Taylor (1832-1905); Carlos Spurgeon (1834-92) e Dwight L. Moody (1837-99).

O século 20 foi marcado pelo Movimento Pentecostal, que é visto com certa desconfiança pelos cristãos das igrejas históricas e tradicionais. Na prática, isso produziu uma macro divisão na igreja, entre pentecostais e não pentecostais. No Brasil, pentecostal é o segmento que congrega a maioria dos protestantes, segundo o Censo do IBGE (2010). O desenvolvimento deste movimento é classificado em três ondas. A primeira onda teve início em dois eventos, em 1901 e 1906, este último conhecido como o Avivamento da rua Azusa, nos Estados Unidos, noticiando-se a ocorrência de fenômenos como batismo com o Espírito Santo e o falar em línguas. Daí procurou-se associar tais eventos aos ocorridos no Pentecostes de Atos 2. A segunda onda, ocorrida por volta do ano de 1960, recebeu o nome de Renovação Carismática. Havia muita ênfase nas manifestações sobrenaturais, principalmente nos dons de línguas e cura divina. Muitas igrejas de denominações tradicionais, como metodistas, batistas, presbiterianas, luteranas e congregacionais  foram afetadas por esse movimento de “renovação espiritual”, ocorrendo muitas divisões, com saída de grupos para organizarem novas igrejas. Algumas igrejas como Maranata, Nova Vida, dentre outras, surgiram nesta época. O movimento também alcançou a Igreja Católica Romana, dando origem aos Católicos Carismáticos. Interessante é o relato de católicos carismáticos, naquela ocasião, dizendo que após terem sido batizados com o Espírito Santo passaram a se devotar com muito mais ardor à virgem Maria. A terceira onda ou Neopentecostalismo surgiu cerca de duas décadas depois (1977), com pessoas oriundas das igrejas pentecostais, das carismáticas e, também, das tradicionais. No Brasil, a maior e mais representativa igreja dessa corrente é a Igreja Universal do Reino de Deus, seguida pela Igreja Internacional da Graça de Deus, a Igreja Renascer em Cristo, a Igreja Mundial do Poder de Deus, dentre outras. O neopentecostalismo, além de manter as ênfases do movimento pentecostal, supervaloriza e enfatiza a operação de maravilhas e curas; a busca da prosperidade como sinal da aprovação divina; “objetos ungidos” e rituais. Até que ponto todos esses fenômenos vivenciados e noticiados pelo segmento pentecostal e neopentecostal do século 20 podem ser consideradas legítimas manifestações divinas? Pentecostais e não pentecostais têm suas próprias visões sobre assunto. Entretanto, acima de tudo, vale ressaltar a importância de se preservar o amor cristão, o respeito e a tolerância, mútuos!

Enfim, após toda essa abordagem no tempo, fica aqui demonstrado o que foi dito no início deste artigo: A intervenção de Deus na história humana é contínua, mas não é linear; é pontual, oportuna, necessária e impactante, ocorrendo mais intensamente em épocas específicas.

Cremos num Deus que continua a manifestar-se no meio da Igreja, quando e como ele quer. “É tão temerário dizer que Deus nada mais opera, quase limitando o poder de Deus, quanto dizer que ele tudo opera, quase limitando a soberania de Deus.” Cremos que Jesus Cristo, o Filho de Deus é a maior manifestação da revelação de Deus à humanidade. Cremos que a Bíblia é a maior fonte de revelação escrita de Deus ao seu povo e precisa ser estudada e praticada.

Cremos que Deus nos chamou para viver num mundo natural e que o sobrenatural de Deus virá ao nosso encontro, sempre que necessário, na medida da nossa fé, subordinado à vontade de Deus e para cumprir um fim proveitoso que, acima de tudo, glorifique a Deus. Para aqueles que somente se impressionam com sinais e prodígios, tomando posse de uma promessa que Jesus fez diretamente aos onze: “Estes sinais hão de acompanhar aqueles que creem: em meu nome, expelirão demônios; falarão novas línguas; pegarão em serpentes; e, se alguma coisa mortífera beberem, não lhes fará mal; se impuserem as mãos sobre enfermos, eles ficarão curados.” (Mc 16.18), recomendamos que considerem essa outra fala de Jesus: “Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram.” (Jo 20.29). Já em tom de despedida, Jesus declarou em certa ocasião: “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai.” (Jo 14.12). É difícil imaginar alguém operando sinais e prodígios maiores do que os de Jesus. Enquanto uns colocam tanto foco nas manifestações sobrenaturais, muitas vezes com vida pessoal e conduta reprováveis, queremos nos alinhar àqueles que celebram, juntamente com os anjos no céu, outro verdadeiro milagre: pecadores arrependidos e transformados pelo poder do Evangelho, vivendo uma nova vida.  

Finalmente, não podemos deixar de manifestar nossa tristeza e repulsa aos que, se dizendo cristãos evangélicos, são mercadores da fé, distorcem e exploram os dons espirituais, fabricam e propagam falsos milagres, iludindo e enganando os neófitos e rasos na fé cristã (2Co 2.17). Cremos em “Tempos” de Milagres e não em “Templos” de Milagres. Verdadeiramente não podemos ser ignorantes quanto à operação e mover do Espírito Santo, nem aos princípios básicos da fé cristã. É preciso conhecer bem e praticar a Palavra de Deus, não se deixando levar por ventos de doutrinas e modismos de última hora. Jesus nos deixou advertência explícita quanto a esse tipo de gente: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade.” (Mt 7.21-23).

Cuidado, não despreze o Antigo Testamento (AT)

AT x NT1

Nenhum cristão autêntico desconhece o fato de que vivemos debaixo da Graça, na Nova Aliança estabelecida por Jesus Cristo, na cruz do Calvário, há quase dois mil anos atrás. A primeira vinda do Senhor Jesus inaugurou um novo tempo e estabeleceu um divisor de águas. O desabrochar desse novo momento histórico, mais precisamente o primeiro século da era cristã, está registrado nas páginas do Novo Testamento (NT), da Bíblia. Podemos afirmar seguramente que são os ensinamentos e doutrinas contidos no NT que fundamentam a vida do cristão e da igreja de Cristo. Entretanto, concluir daí, que o Antigo Testamento (AT) não precisa mais ser lido e estudado, não deve ser usado em pregações à igreja etc etc é, no mínimo, um grande equívoco. Nossa intenção neste artigo é mostrar o quanto o AT é, e sempre há de ser, importante e valioso para o cristão. Resumir 3600 anos nessas poucas linhas foi o grande desafio ao escrever este artigo. Vou compartilhar com você apenas dez razões pelas quais você precisa repensar sua relação com o AT:

1. As Alianças de Deus

A palavra portuguesa “testamento” corresponde à palavra hebraica berith, que significa “aliança”, “pacto”, “acordo”. O AT e o NT contém os registros das Alianças de Deus com a raça humana. Uma Aliança é um pronunciamento soberano de Deus, através do qual ele estabelece um relacionamento de responsabilidade entre ele mesmo e um indivíduo ou uma família ou uma nação ou parte da humanidade ou a humanidade em geral. Segundo alguns estudiosos, são oito as Alianças estabelecidas por Deus, sendo que sete estão no AT e uma no NT. As do AT são: 1ª) A Edêmica (Gn 1.28; 2.15-17); 2ª) A Adâmica (G.3.15-21); 3ª) A Noética (Gn 9.1-17); 4ª) A Abraâmica (Gn 12.1-3); 5ª) A Mosaica, também chamada de Antiga Aliança (Ex. 19.1-25; Gl 3.17); 6ª)A Palestiniana (Dt 28.1 a 30.3) e a 7ª) A Davídica (2Sm 7.16; Lc 1.32-33). A que se encontra no NT é a 8ª) A Nova Aliança (Hb 8.6-13; Gl 3.24), bem conhecida da igreja de Cristo. Nem preciso defender a importância de conhecer o que Deus estabeleceu em cada uma dessas Alianças, como os seres humanos envolvidos responderam ao que foi estabelecido por Deus e como Deus reagiu à resposta humana!!! Que riqueza de informação! Isso nos dá uma visão mais clara de “quem é o ser humano” e de “quem é o nosso soberano Deus”; e a maior parte dessas Alianças se encontra no AT.

2. Nossas origens

É relevante observar a extensão do AT, a partir da valiosa declaração de Jesus aos escribas e fariseus: “para que desta geração se peçam contas do sangue dos profetas, derramado desde a fundação do mundo; desde o sangue de Abel até ao de Zacarias, que foi assassinado entre o altar e a casa de Deus.” (Lc 11.50-51a). Portanto, vai do livro de Gênesis, o primeiro do cânon hebraico, onde está registrada a fundação do mundo e a morte de Abel, até Crônicas, o último livro do cânon hebraico, onde é mencionada a morte de Zacarias (2Cr 24.20-21, nas bíblias em português). Os 24 livros do cânon hebraico[1] correspondem aos 39 do AT, da nossa Bíblia em português. Ressalte-se que Jesus excluiu os Livros Apócrifos (inseridos na Bíblia Católica), os quais já existiam naquela época.

Assim, no primeiro livro do AT, Gênesis, encontramos a mais extraordinária revelação da criação do mundo e de tudo o que nele há. É claro que a Bíblia não é um livro de exposição do saber científico, mas tal informação é única e totalmente confiável. Jamais ceda à pressão dos evolucionistas ou dos anticriacionistas de tratar essas narrativas como lendas!!! Já estive envolvido no estudo da questão Criação x Evolução e posso assegurar que a TEORIA DA EVOLUÇÃO é uma falácia que não se sustenta cientificamente (não é ciência, porque não pode ser reproduzida a partir de experimentos controlados em laboratório). Não tenha vergonha da verdade divina. Leia, releia, confie e defenda essa revelação divina. Há boa literatura criacionista disponível; vale a pena conferir.

3. Milagres espetaculares

A crítica bíblica de ontem, de hoje e de sempre, aliada aos opositores da Palavra de Deus, tentarão ridicularizar os milagres bíblicos, principalmente os do AT: as dez pragas no Egito, a abertura do Mar Vermelho ou a do Rio Jordão, colunas de nuvem ou de fumaça (no céu), maná e codornizes que caem do céu e águas que jorram de pedras feridas com vara, as peripécias de Sansão, machados que flutuam, jumento que fala, os amigos de Daniel na fornalha, Daniel na cova do leões, Jonas no ventre do grande peixe etc etc. Uma forma sutil e ardilosa, porém cruel, de tentar desacreditar a Bíblia é infiltrar e mesclar elementos ou fenômenos naturais que “coincidentemente” teriam atuado naquelas ocasiões. Assim, sugerem eles que pessoas simplórias e com grande imaginação se encarregaram de “criar os milagres”. Podem dizer o que quiserem, mas nós continuaremos lendo o AT e crendo no poder de Deus manifestado ao longo da história! Não foi por acaso que Jesus se referiu a alguns desses milagres. Se o nosso Mestre acreditava neles, eu também acredito! Veja, por exemplo: “Porque assim como esteve Jonas três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim o Filho do Homem estará três dias e três noites no coração da terra.” (Mt 12.40). Não vamos nos sentir intimidados pelos racionalistas e secularistas que nos rodeiam, pois estes não conhecem o Deus altíssimo!

4. Histórias emocionantes e edificantes

Se a Bíblia é feita de registros de alianças, por que não é uma lista interminável de cláusulas, como num contrato? A sabedoria divina é admirável e a Palavra de Deus reflete isso e muito mais. Deus preferiu utilizar a pedagogia e o poder inimaginável de uma história, para passar conteúdos relevantes e práticos, de forma direta e vívida. A vida é feita de histórias e há impressionantes histórias de vida. O AT é repleto de histórias que emocionam, edificam e são capazes de afetar, de moldar o caráter do leitor, ou, pelos menos torná-lo sensível a alguns princípios, influenciando comportamentos. Muitas vezes uma história fala mais profundamente ao coração do que um sermão moralista. Jesus não se desviou do estilo divino; ele doutrinou através de histórias e parábolas e, nos deixou muitas histórias para este mesmo propósito. Como deixar de ler, não apreciar, não deixar-se influenciar pelas impressionantes histórias contidas no AT? A história do dilúvio, dos patriarcas (Jó, Abraão, Isaque, Jacó, José), de Moisés e Josué, de Elias e Eliseu, de Samuel, Davi, Daniel, Rute, Ester, Neemias etc etc. Estas e tantas outras são pedras preciosas dadas pelo nosso Deus a humanidade. Até mesmo muitos não cristãos as apreciam e as consideram verdadeiras pérolas literárias.

5. Uma lei à frente do seu tempo

dez mandamentos

Todo povo e nação precisa do seu sistema legal. Que povo teve o privilégio de receber diretamente de Deus um sistema de leis tão completo como a legislação mosaica?

Quando os descendentes de Jacó se tornaram numerosos. Quando foram libertos do jugo do Egito pela mão do Senhor Deus, sob a liderança de Moisés e Arão. Quando emancipados se tornaram uma nação. Ali, ao pé do monte Sinai, receberam a lei que os permitiria ter o status de uma verdadeira nação. A lei é uma, e toda a lei é espiritual, quer trate de colheitas, criminosos ou adoração. No entanto é conveniente considerá-la em três divisões:

– Lei Moral (os dez mandamentos) – A que manda fazer o bem e evitar o mal;

– Lei Civil ou Social – A que regula as mútuas relações entre os cidadãos;

– Lei Cerimonial ou Religiosa – A que determina as regras de culto a Deus.

Obs.: A Lei Judicial ou Criminal ou Penal, que define os delitos e determina a forma de os punir, está entrelaçada com a Lei Civil.

É claro que essa Lei foi dada a Moisés no contexto dos costumes de um povo (Israel) e de uma época (cerca de 1462 a.C.), ou seja, há aproximadamente 3500 anos atrás. Quando eu era jovem, fiquei bem impressionado com a leitura do livro “A provisão divina para sua saúde” (S. I. McMillen M. D. – Editora Fiel). O autor aborda aspectos sanitários e de prevenção de enfermidades e epidemias já presentes nessa legislação mosaica, muito à frente do seu tempo e da literatura com a qual Moisés teve contato na corte do Egito, a potência cultural da época. Certamente há muitas leis ali que não fazem mais sentido hoje, mas não se pode negar que tantas outras foram o embrião das legislações que existem pelo mundo afora. É bastante enriquecedor ler e reler essa legislação mosaica no AT!

Vale aqui ressaltar que a essência da lei se encontra nos dez mandamentos. É o que chamaríamos hoje de “Constituição da humanidade”. Estabelece os princípios do governo divino.

“Certo rabino frisa que existem 613 mandamentos de Moisés (248 afirmativos e 365 negativos); mas que Davi reduziu-os a 11 conceitos principais (Sl 15.2-5); Isaías a apenas 6 (Is 33.15); Miquéias a 3 (Mq 6.8); Amós a 2 (Am 5.4) e Habacuque a apenas 1 (Hc 2.4). A regra áurea é o mais perfeito desses sumários.” A essência da essência de toda a Lei foi definida por Jesus. Ao ser perguntado por um intérprete da lei, Jesus a resumiu em dois grandes mandamentos: “amar a Deus” e “amar ao próximo” (Mt 22.34-40).

6. Reis e reinados

Quando se lê a história dos reis de Israel, antes e depois da divisão do reino, tem-se a real dimensão da influência dos governantes e dos líderes espirituais sobre o povo, bem como as consequências disso. Quando se levantavam reis e sacerdotes tementes a Deus, que combatiam as práticas pecaminosas e contrárias à vontade de Deus e incentivavam a obediência e adoração somente a Deus, o resultado era vitória contra os povos inimigos, seguida de paz e prosperidade. Quando os governantes e sacerdotes eram maus, a derrota e destruição era certa. A simples leitura dessas histórias é extremamente proveitosa; ajuda-nos a manter a vigilância e obediência à vontade do Senhor Deus, pois os resultados não serão diferentes hoje. É só lembrar da “lei da colheita” conforme a semeadura.

7. Sabedoria e Poesia

Os livros poéticos e de sabedoria no AT são simplesmente maravilhosos! Trazem verdadeiro deleite para a alma e muita orientação prática e proveitosa para a vida cotidiana. Somente tropeça nas questões mais básicas e elementares do viver diário quem não quer se apropriar de tais ensinos e instruções. Por exemplo, em Provérbios, há orientações e dicas em abundância, começando com a dica principal: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo é prudência” (Pv 9.10). Além disso, quanta poesia Inspirada e inspiradora pode ser encontrada nos Salmos. É claro que não posso deixar de expressar aqui o meu veemente repúdio àquelas “modernas” traduções (NTLH e outras) que subtraem do texto bíblico original sua preciosa poesia!!!

8. Juízos, Violência e Imprecações

Você já deve ter ouvido falar, ou até dito, que “o Deus do AT não é o mesmo do NT”. As narrativas encontradas nos dois testamentos parecem servir de base para estas visões antagônicas de um mesmo Deus, único e verdadeiro, Criador dos céus e da terra. É, também, mais uma razão para alguns se apegarem mais ao NT, desprezando o AT. Afinal, quem se sentiria confortável na presença de um Deus que não abre mãos da prática da justiça e da punição do pecado. Preferem, antes, um Deus que é amor, compassivo e misericordioso. Muitos são os julgamentos e punições, individuais e coletivos, registrados no AT. Já começa no Gênesis com Adão e Eva, Caim, A Torre de Babel, O Dilúvio, Sodoma e Gomorra, A mulher de Ló. Deus se manifesta no Êxodo como um trator passando por cima de Faraó, seus deuses e seu povo, através das dez pragas. No AT, a ordem do dia e de cada dia era “Perfeito serás para com o Senhor teu Deus” (Dt 18.13). Sua presença é aterradora; só Moisés podia se aproximar dele e o Monte Sinai fumegava (Ex 19.18). Trovões e relâmpagos anunciavam sua presença e o povo, à distância, estremecia (Ex 19.16). Deus manda Israel eliminar vários povos (homens, mulheres, jovens, velhos e crianças) para que o seu povo, Israel, ocupasse aquelas terras, porque havia se enchido a medida da iniquidade deles (Gn 15.16; Lv 18.24-25; Dt 9.5). E, esse mesmo tom, continua por todo o AT. Dentre os do seu próprio povo, os transgressores da lei eram condenados à morte, até mesmo por transgredir o descanso do sábado ou tentar segurar a Arca para que não caísse. Por fim, o Israel dividido (Samaria e Judá) é destroçado e levados para o exílio pela Assíria e Babilônia, como castigo divino pela rebeldia aos mandamentos do Senhor.

Em muitos Salmos e textos do AT há um tom de imprecação. A oração imprecatória não soa bem aos ouvidos cristãos. Diante da maldade, da opressão, da violência ou da injustiça, não só clamavam ao Senhor por suas vidas, mas também pediam a Deus que fizesse cair sobre os seus inimigos os piores males. Assim, se unem numa mesma oração, as súplicas mais ardentes e as mais violentas imprecações (Sl 58.6-11; 83.9-18; 109.6-19; 137.7-9).

Contrapondo-se a todo este cenário do AT, chegamos ao NT e nos deparamos, por exemplo, com o registro de uma mulher apanhada em flagrante adultério e trazida aos pés de Jesus. Segundo a Lei ela deveria morrer apedrejada, mas Jesus a perdoa e lhe diz: “vai e não peques mais” (Jo 8.3-11). Assim, o NT expressa a imagem de um Deus de amor, perdoador e misericordioso. Um Pai que quer ver os filhos obedecendo, não pela força do castigo, mas pelo apelo do amor.

Como entender esses juízos, violência e imprecações? A figura abaixo sintetiza bem o modus operandi de Deus, no AT e no NT, segundo minha visão teológica:

Pecou x Pagou

De fato, na época do AT, naquele contexto, prevalecia no âmbito do povo de Israel o conceito de que a obediência a Deus e aos seus mandamentos, deveria ser recompensada na vida presente, com longevidade e prosperidade; enquanto os transgressores da lei mosaica (judeus) e os ímpios (pagãos) deveriam receber o seu justo castigo o quanto antes, para que ficasse evidente que há um Deus vivo e presente, retribuindo a cada um conforme suas ações: Saberás, pois, que o SENHOR, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e cumprem os seus mandamentos; e dá o pago diretamente aos que o odeiam, fazendo-os perecer; não será demorado para com o que o odeia; prontamente, lho retribuirá.” (Dt 7.9-10; ver tb, Sl 7.9; 37.28; 75.10; 58.11).

É um grave equívoco achar que o “Deus do AT” é um Deus intolerante ao pecado e punidor, enquanto o “Deus do NT” é um Deus tolerante ao pecado e perdoador!!!  O Deus único e soberano a quem servimos é três vezes Santo, Puro e Justo; sempre amará o pecador e sempre condenará e punirá o pecado, quer seja imediatamente (AT), quer nos juízos que estão por vir (NT). Esse modus operandi de Deus, no NT, não significa indiferença frente ao mal, passividade quando triunfam a injustiça, a violência, a opressão aos mais fracos e o desprezo ao sagrado. Vale lembrar, ainda, que o nível de exigência no NT é superior ao do AT. Enquanto a lei enquadrava o ato consumado, Jesus revisitou o texto legal original “ouvistes o que foi dito” para enquadrar, como pecado, o pensamento ou a intenção do ato (Mt 5.21-22; 27-30 etc.).

É importante ressaltar que tanto no AT como no NT há um “sistema de perdão”, de expiação de pecados. No AT, o pecador deveria confessar o seu pecado impondo as mãos sobre o animal, que, em seguida, era sacrificado. É muito interessante registrar aquele episódio em que o perverso rei Acabe sensibilizou a Deus, que adiou o juízo sobre sua casa, porque se humilhou perante ele (1Rs 21.29). No NT, Jesus é o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Ele morreu, e com um único e perfeito sacrifício pode expiar o pecado que nos leva à morte eterna e os pecados cometidos e confessados após a conversão. Também é interessante lembrar que mesmo no contexto do NT, Ananias e sua esposa Safira foram punidos com morte imediata, no início da igreja, porque mentiram ao Espírito Santo (At 5.1-11). Podemos considerar que ocorrências como esta, ou a da punição com cegueira de Elimas, o mágico, pelo apóstolo Paulo (At 13.8-11) foram casos isolados, pois, a partir do NT, vivemos a era da graça e longanimidade de Deus, abrindo a oportunidade de salvação a todos e, deixando para o dia do juízo final a condenação e punição dos impenitentes. Entretanto, ninguém se iluda; o pecado sempre será odioso aos olhos de Deus: “Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor,” (Hb 12.14). Não custa lembrar que, apesar do juízo divino estar “temporariamente suspenso” Deus é soberano para realizar intervenções ou juízos pontuais, quando ele assim o desejar. Também não é demais lembrar que, mesmo que o juízo divino não ocorra imediatamente, cada um sofrerá compulsoriamente as consequências naturais dos atos que praticar!

9. Promessas e Profecias

 Nosso Deus é tão maravilhoso que se chega a nós, simples mortais, e faz alianças que contém preciosas promessas. Para os que permanecem fiéis no cumprimento de sua parte nesses pactos, a bênção é garantida. É confortante e motivador ler o AT e nos depararmos com as inúmeras promessas divinas ali registradas e, na linha do tempo, constatar o seu fiel cumprimento. O mesmo se pode dizer das inúmeras profecias reveladas e já realizadas ou cumpridas. Mas há, também, no AT, aquelas relevantes profecias previstas para os últimos dias, que ajudam a clarear o entendimento das profecias do NT, nesta mesma linha. O livro de Daniel é uma preciosidade, neste sentido. Os juízos e punições de Deus registrados no AT são “fichinha” se comparados com o que está por vir, registrado no NT!

 10.   Figura e Realidade

 No processo de educação infantil é comum trabalhar o concreto e depois o abstrato. De certa forma Deus trabalhou com Israel, o seu povo do AT, o concreto; para que a igreja, o seu povo do NT, entendesse o abstrato, as realidades espirituais. É impressionante a quantidade de figuras presentes no AT cuja realidade está expressa no NT; ou de tipos, no AT, cujos antítipos estão no NT.  A palavra antítipo literalmente quer dizer: correspondente ao tipo. Jesus fez várias referências a tipos do AT, sendo que em alguns casos, ele mesmo é o antítipo: “Porque assim como esteve Jonas três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim o Filho do Homem estará três dias e três noites no coração da terra.” (Mt 12.40) “E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna.” (Jo 3.14-15). Como é abençoador comparar uns com os outros! Como o conhecimento de um ajuda a entender melhor o outro.

Conclusão:

Por que se contentar com menos? Por que perder o início do filme se você pode ver o filme todo e entende-lo melhor? Eu amo a Bíblia toda, a preciosa e incomparável Palavra de Deus!

Se você não tem tempo ou interesse na leitura e estudo de toda a Bíblia, de participar da Escola Bíblica Dominical ou de algum grupo de estudo bíblico, precisa urgentemente reavaliar sua vida espiritual, sua relação com Deus e até que ponto ama e está disposto a conhecer e obedecer a sua Palavra.


[1] Cânon hebraico: LEI (5 Livros), PROFETAS (8 Livros) e ESCRITOS (11 Livros) – Introdução Bíblica, J. Cabral, pgs. 75 e 76