Perdidos e Achados (Lucas 15.1-32)

Introdução       

Há capítulos interessantes e diferenciados na Bíblia. Por exemplo:

Isaías 53: “O retrato falado de Jesus”
Mateus 24: “O pequeno apocalipse de Jesus”
Hebreus 11: “A galeria dos heróis da fé”

Nessa mesma linha, quero apresentar agora outro capítulo:

Lucas 15: “O departamento de achados & perdidos”

Você já ouviu falar de um serviço prestado pelos Correios de “Achados e Perdidos”? A Bíblia também tem algo assim. Encontra-se em Lucas 15! Você sabe quantos casos de Perdidos Lucas registrou nesse capítulo tão comentado da Bíblia? Eu sempre pensei que fossem três; afinal, são três parábolas com três casos explícitos de Perdidos, com final feliz. Entretanto há um quarto caso, o caso do irmão mais velho do filho pródigo, também conhecido como “síndrome do irmão mais velho” que me parece um autêntico caso de Perdido e o único onde não fica evidenciado o desfecho de resgate, de final feliz.

O que Jesus estaria querendo nos ensinar com essas parábolas?

1  Aproximavam-se de Jesus todos os publicanos e pecadores para o ouvir.
2  E murmuravam os fariseus e os escribas, dizendo: Este recebe pecadores e come com eles.

1º) O CENÁRIO INICIAL E A MOTIVAÇÃO

Nos dois primeiros versículos desse capítulo 15 de Lucas fica evidente o cenário e motivação para Jesus proferir essas três parábolas. Na visão dos fariseus e escribas (Lc 15.1-2) quem seriam os salvos e quem seriam os perdidos? Que nível de relacionamento os “salvos” poderiam ou deveriam ter com os “perdidos”?

Os fariseus e escribas se viam como os justos, os puros, os fiéis à Lei de Moisés, portanto os verdadeiros herdeiros da bênção e da aliança de Deus com Israel. Consideravam-se separados dos pecadores. O nome “fariseu” vem do hebraico perushim, que significa “separados”. Sua confiança estava na obediência rigorosa à Lei e às tradições orais (Mishná). Por isso, achavam que estavam em plena comunhão com Deus.

Para eles os “perdidos” eram: Os pecadores públicos: prostitutas, cobradores de impostos (publicanos), samaritanos, gentios, e qualquer judeu que não cumprisse a Lei como eles julgavam correto. Esses grupos eram vistos como espiritualmente excluídos ou impuros. Publicanos, por exemplo, eram desprezados porque trabalhavam para o império romano (inimigo de Israel), cobrando impostos, e eram acusados de desonestidade. Ou seja, quem não seguia a Lei como os fariseus era considerado “fora do caminho”, longe de Deus, e, portanto, perdido.

2º) A IMPORTÂNCIA DO PERDIDO

a) Não importa a quantidade:

Fica evidente em todos os casos que a “coisa perdida” ou o “ser perdido”, animal ou humano, era muito importante para quem o tinha, sem exceção. E isso independia da quantidade ou da proporção que o perdido representasse: 1 em 100, 1 em 10, 1 em 2 ou 2 em 2. Por isso, todo esforço deveria ser despendido para encontrar a ovelha e a dracma perdidos; bem como todo o esforço deveria ser feito para não interferir no processo pedagógico divino de resgate dos dois irmãos perdidos.

O perdido é importante para Jesus! Por isso ele se aproximava dos publicanos e pecadores. “Tendo Jesus ouvido isto, respondeu-lhes: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores.” (Mc 2.17). Os fariseus se consideravam os legítimos súditos do reino de Deus e desprezavam todos aqueles que não se guiavam pela cartilha deles. E você? Que tipo de relação mantém com os perdidos? Você está no mesmo barco com eles, indo a pique? Ou será que já teve sua condição de perdido revertida, em Cristo?

b) Nenhum esforço é demasiado quando se trata de resgatar o perdido!

c) O júbilo, o regozijo pelo resgate do perdido:

– A alegria é tamanha que transborda, alcançando os que estão ao redor e subindo até o céu. (Lc 15.10).

– Aquele que não concorda com essas lições ensinadas por Jesus é provável que também esteja perdido! Aquele que não está procurando os perdidos, também está perdido, no mínimo em relação à sua missão como cristão.

Que tipos de Perdidos e Achados encontramos neste capítulo?

Ao analisar uma parábola, é preciso ter em mente que parábola não é insumo para a produção de doutrina para a igreja. É preciso ter cuidado com a interpretação dos detalhes, pois estes cumprem o propósito maior de dar sentido real à história. É preciso manter o foco na lição principal que Jesus desejava ensinar.

1. A OVELHA PERDIDA (Lc 15.3-7) 

            Um tipo de perdido que pede para ser encontrado!

3  Então, lhes propôs Jesus esta parábola:
4  Qual, dentre vós, é o homem que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la?
5  Achando-a, põe-na sobre os ombros, cheio de júbilo.
6  E, indo para casa, reúne os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida.
7  Digo-vos que, assim, haverá maior júbilo no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.

a) Qual é a situação dessa ovelha?

  • Diz a narrativa que a ovelha se perdeu….
    • Passado um tempo, percebe, por instinto, que está perdida;
    • Não sabe como voltar;
    • Experimenta uma sensação terrível de isolamento, fragilidade etc.;
    • Sinaliza, o quanto pode e para quem puder ouvir, que está perdida. Um ponto de atenção: o berro que clama por socorro é o mesmo que atrai os predadores.
    • Precisa de alguém para ir buscá-la.

b) Qual a estratégia para se resgatar esse tipo de perdido?

  • Alguém precisa procurar nos arredores do caminho;
    • Ficar em estado de atenção máxima, para tentar vê-la ou ouvi-la;
    • Ao avistá-la, ir imediatamente ao seu encontro;
    • Conduzi-la de volta ao rebanho.

2. A DRACMA PERDIDA (Lc 15.8-10)

            Um tipo de perdido difícil de ser encontrado!

8  Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma, não acende a candeia, varre a casa e a procura diligentemente até encontrá-la?
9  E, tendo-a achado, reúne as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque achei a dracma que eu tinha perdido.
10  Eu vos afirmo que, de igual modo, há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende.

Alguns comentam que a moeda pertencia a algum enfeite de cabeça, do tipo usado pelas esposas palestinas, como parte do dote que lhes era dado quando de seu matrimônio. Entretanto, não há elementos históricos que o comprovem.

a) Qual é a situação dessa dracma?

  • Diz a narrativa que a dracma foi perdida….
    • Nunca terá consciência de que está perdida;
    • Não sabe como voltar;
    • Não sinaliza pedindo ajuda;

b) Qual a estratégia para se resgatar esse tipo de perdido?

  • Alguém precisa procurar nos arredores do lugar onde se deu o extravio;
    • Em face da dificuldade é preciso se equipar, se preparar melhor e usar adequadamente esses recursos: LUZ (A Palavra de Deus, entendimento, sabedoria para discernir etc.); VASSOURA e DEDICAÇÃO.

3. O FILHO PRÓDIGO (Lc 15.11-24)

            Um tipo de perdido que precisa encontrar a si mesmo

11  Continuou: Certo homem tinha dois filhos;
12  o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me cabe. E ele lhes repartiu os haveres.
13  Passados não muitos dias, o filho mais moço, ajuntando tudo o que era seu, partiu para uma terra distante e lá dissipou todos os seus bens, vivendo dissolutamente.
14  Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele país uma grande fome, e ele começou a passar necessidade.
15  Então, ele foi e se agregou a um dos cidadãos daquela terra, e este o mandou para os seus campos a guardar porcos.
16  Ali, desejava ele fartar-se das alfarrobas que os porcos comiam; mas ninguém lhe dava nada.
17  Então, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui morro de fome!
18  Levantar-me-ei, e irei ter com o meu pai, e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e diante de ti;
19  já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus trabalhadores.
20  E, levantando-se, foi para seu pai. Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou.
21  E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho.
22  O pai, porém, disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, vesti-o, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés;
23  trazei também e matai o novilho cevado. Comamos e regozijemo-nos,
24  porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado. E começaram a regozijar-se.

a) Qual é a situação desse jovem?

  • Diz a narrativa que este jovem estava perdido, “morto….”
    • Tem consciência de que está perdido;
    • Sabe como voltar;
    • Precisa tomar a decisão de voltar;
    • Precisa ser acolhido e perdoado na sua volta.

b) Qual a estratégia para se resgatar esse tipo de perdido?

  • Não impedir de ir;
    • Esperar até que as circunstâncias desfavoráveis da vida o desperte para a triste realidade da vida:
    • Esperar até que se convença de que tentativas paliativas não vão resolver seu problema;
    • Esperar até que a voz da consciência fale mais alto;
    • Esperar até que a visão saudosa da casa do pai o encoraje a voltar;
    • Recebê-lo  e perdoá-lo quando voltar e confessar seu erro.

4. O IRMÃO DO FILHO PRÓDIGO (Lc 15.25-32) 

            Um tipo de perdido que precisa ser considerado

25  Ora, o filho mais velho estivera no campo; e, quando voltava, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
26  Chamou um dos criados e perguntou-lhe que era aquilo.
27  E ele informou: Veio teu irmão, e teu pai mandou matar o novilho cevado, porque o recuperou com saúde.
28  Ele se indignou e não queria entrar; saindo, porém, o pai, procurava conciliá-lo.
29  Mas ele respondeu a seu pai: Há tantos anos que te sirvo sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito sequer para alegrar-me com os meus amigos;
30  vindo, porém, esse teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado.
31  Então, lhe respondeu o pai: Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu.
32  Entretanto, era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado.

a) Qual é a situação desse irmão mais velho?

  • A narrativa não menciona explicitamente que este jovem estivesse perdido;
    • Não tem consciência de que está perdido;
    • Dá sinais comportamentais de que está perdido;
    • Alguém precisa procurá-lo entre os não perdidos.

b) Vejamos alguns detalhes deste tipo de perdido. (Uma provável referência aos fariseus legalistas)

  • Estava trabalhando no campo, a serviço do pai (v.25);
    • Fica indignado com os atos de compaixão do pai (vv.27-28);
    • Estava na casa do pai, mas do lado de fora (v.28). Não participava do gozo e da celebração que ali se desenvolvia;
    • Omite o tratamento respeitoso “Pai”. Por outro lado, o filho pródigo chamou seu progenitor de Pai;
    • No seu deturpado juízo de valor o que realmente importava era (v.29):

– “Tempo de Casa”;
– Obedecer às ordens e regras (mérito próprio, boas obras, legalismo insensível);
– Ser recompensado, valorizado e destacado pelos seus méritos;
– Priorizar coisas, em vez de pessoas (v.30).

  • Culpa o pai, ou os outros, por seus próprios fracassos (v.29). Provavelmente nunca matou aquele cabrito por usura ou porque era antissocial, egocêntrico.
    • Despreza, rejeita e não trata o que caiu como irmão (v.30)
    • Não toma posse da bênção da comunhão com o pai (v.31). Serve ao pai sem ter comunhão com ele;
    • Demonstra que uma pessoa não precisa sentir-se perdida para estar perdida.

c) Qual a estratégia para se resgatar esse tipo de perdido?

  • É preciso ir ao seu encontro, no estado e no lugar onde está (v.28);
    • É preciso falar-lhe ao coração, com paciência (v.28)
    • É preciso ouvi-lo, deixá-lo despejar toda amargura interior (v.29);
    • É preciso fazê-lo perceber o valor de um resgatado (v.32).

Conclusão:

Dessas três parábolas podemos extrair algumas lições.

1ª) A parábola da ovelha perdida

Quem sabe a ovelha se distraiu com alguma coisa, pelo caminho, foi ficando para trás e se perdeu do rebanho.

Na jornada da vida, o cristão se depara com muitos atrativos, distrações e propostas sedutoras. Se não vigiar, pode acabar se envolvendo, desviando-se, perdendo o foco e o verdadeiro sentido da missão – e assim, afastar-se do rebanho de Deus. Mas é confortante saber que o Supremo Pastor jamais abandona os que lhe pertencem. Ele conhece os caminhos do resgate e, mesmo quando o retorno envolve dor, seu propósito é restaurar, não condenar.     

2ª) A parábola da dracma perdida

A dracma não se perdeu sozinha – alguém foi responsável por essa perda.

Na comunidade da fé, às vezes, palavras inapropriadas, atitudes e atos desastrosos, podem ferir mais do que a ponta de uma faca afiada. Ao invés de acolhermos carinhosamente os que começam a trilhar a jornada da fé, de conhecer e dar espaço para seus dons e talentos, os afastamos e os escandalizamos com nossa frieza e indiferença. A igreja não é um clube fechado de encontros sociais de antigos amigos. É, por vocação, um lugar de acolhimento, cuidado e restauração dos que estavam perdidos e foram alcançados pela graça divina. Por isso, precisamos de vigilância constante para não perder ninguém pelo caminho, e de zelo intencional para buscar e resgatar aqueles que se afastaram. A graça que nos alcançou também nos comissiona a estendê-la aos outros.

3ª) A parábola do Filho Pródigo

Este jovem foi atrás de um sonho dourado, foi seduzido pelo mundo e se perdeu.

Não é raro encontrarmos pessoas criadas desde cedo na igreja, cercadas de amor, fé e propósito – e ainda assim inconscientes da bênção que isso representa. Sem perceberem o valor do que têm, acabam seduzidas por uma ideia distorcida de liberdade, pela ilusão de “viver a vida ao máximo”, entregando-se aos prazeres e promessas passageiras que o mundo oferece.

Lançam-se, então, em uma jornada inconsequente, buscando realização onde não há raiz nem verdade. Mas, inevitavelmente, chega o momento em que a realidade dessa vida sem limites – e sem os valores cristãos – se revela frustrante, vazia e dolorosa. É nesse ponto de ruptura que a memória daquilo que um dia possuíram – e desprezaram – começa a florescer no coração.

Essa lembrança, alimentada pela semente do evangelho plantada lá atrás, é vivificada pelo Espírito Santo. É ele quem os leva a ‘cair em si’ e despertar para o arrependimento, conduzindo-os de volta ao lugar de onde nunca deveriam ter saído: os braços do Pai.   

4ª) O irmão do Filho Pródigo

Ele deixou-se levar pelo legalismo, pelo senso de justiça própria, e perdeu a sensibilidade e compaixão.

Sem dúvida, há nesta parábola uma resposta direta aos fariseus daquela época – mas também um alerta atemporal a certos crentes de todas as gerações. Trata-se daqueles que se julgam justos e merecedores da aceitação divina, mas não compreendem verdadeiramente o que é a graça de Deus. O evangelho é graça, não mérito.

Muitos estão dentro da comunidade de fé, na “casa do Pai”, atuantes, piedosos, dedicados à obra – e, ainda assim, com o coração endurecido. Tecnicamente, não estão “perdidos”, mas espiritualmente, sim: perderam a alegria da salvação e a compaixão por quem retorna. É preciso vigilância quando alguém começa a se considerar superior aos demais e não consegue se alegrar com a restauração de um irmão.

Por outro lado, essa parábola não é um incentivo à complacência com quedas constantes e repetidas. A graça não é conivência. A Palavra é clara: “Todo aquele que permanece nele não vive pecando; todo aquele que vive pecando não o viu, nem o conheceu.” (1Jo 3.6). O arrependimento verdadeiro é sempre acompanhado de transformação. A graça perdoa, restaura  e santifica.

Enfim:

Você está perdido ou procurando os perdidos?

Não importa como se deu o extravio, é hora de ser achado ou de voltar!

Bibliografia

1. Bíblia Sagrada (SBB – Versão Revista e Atualizada).
2. Bíblia Online (SBB).
3. R. N. Champlin, Ph. D. – O Novo Testamento Interpretado – Versículo por versículo (Ed. Hagnos – 1982).
4. Internet / ChatGPT / IA.

Autor: Paulo Raposo Correia

Um servo de Deus empenhado em fazer a sua vontade.

Um comentário em “Perdidos e Achados (Lucas 15.1-32)”

  1. Tenho lido, estudado e ouvido ensinos com base nestas três parábolas citadas por Lucas. Nunca, pelo que me lembro, havia ouvido sobre o segundo filho. Interessante e feliz a abordagem do irmão Paulo sobre esse assunto.

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