Sou filho e neto de cristãos. Freqüento igrejas evangélicas desde o ventre da minha querida mãe. Desde muito cedo tenho ouvido e lido as histórias bíblicas. Dentre elas uma sempre me impressionou muito; é a de Jesus entrando no templo, fazendo um pequeno chicote e expulsando pessoas e animais dali, porque os homens profanavam o lugar santificado fazendo negócios (Jo 2.12-17). Isso sempre nos causa grande impacto. Afinal, Jesus passou a maior parte do seu tempo aqui na terra curando, fazendo o bem, recebendo e restaurando pecadores. Os discípulos não se atreveram a fazer qualquer censura, apenas se lembraram de que estava escrito: “O zelo da tua casa me consumirá”.
Meu caráter cristão evangélico foi moldado num ambiente cristão que reforçava a todo instante que Deus é AMOROSO E MISERICORDIOSO e ao mesmo tempo SANTO e JUSTO. Como santo que é, ele requer dos seus filhos santidade de vida e de culto. Ele disse a Abraão “Anda na minha presença e sê perfeito”(Gn 17.1) e repetiu através de Jesus “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste”(Mt 5.48). Aprendi desde cedo que há dois lugares santificados que merecem constante vigilância de nossa parte para que sejam guardados imaculados: o nosso corpo e a igreja, ambos Templos do Espírito Santo. Por extensão, a nossa residência e o edifício – lugar que consagramos para a adoração coletiva ao Senhor – devem ser preservados de toda a contaminação do mundo. Até aqui, nenhuma novidade, certo? A difícil tarefa com a qual todo crente sincero se depara continuamente é a de discernir, a cada momento, se ainda está tão puro diante do Senhor ou se já cedeu às pressões e influências do ambiente pagão que nos cerca. Muitas vezes e com as melhores intenções acabamos cedendo espaço a coisas que hoje parecem ser tão mínimas e inofensivas, porém, com o passar do tempo, se transformam em problemas graves que impedem o crescimento da igreja e cortam a nossa comunhão com Deus.
É com temor e tremor e em oração, com a consciência clamando por uma atitude, sentindo a responsabilidade de atalaia e com muita simplicidade e desejo de ajudar que abordo a questão de memoriais e seu uso em qualquer igreja local, tendo como pano de fundo o ponto de vista bíblico.
Seria uma boa prática erigir monumentos a cristãos que se destacaram na história? Será que as pessoas que ajudaram a igreja, de um modo mais especial, não merecem ser homenageadas pelo que fizeram em uma placa memorial? Não tenho dúvida de que o reconhecimento e a gratidão para com aqueles que fazem, são deveres da igreja, sempre visando a glória de Deus que a todos capacita (1 Co 16.18; Fp 2.29; Hb 11 etc.). Entretanto, erigir um memorial ou uma escultura a homens parece ser algo que vai muito além do reconhecimento e honra.
O que a Bíblia tem a dizer sobre o assunto? Que exemplos temos?
O sábio Salomão diz: “A memória do justo é abençoada” (Pv 10.7). Jesus acrescenta que contar o que alguém fez de bom, para sua memória, é boa prática (Mt 26.13). Nenhum respaldo temos aqui e em outra parte das Escrituras para se erigir esculturas ou confeccionar memoriais ou placas dedicados aos homens. Senão vejamos:
I) MEMORIAIS NO ANTIGO TESTAMENTO:
a) Para a lembrança daquilo que Deus fez – Acontecimentos importantes:
- Páscoa, o grande memorial da libertação (Ex 12.14; 13.9 etc).
- Passagem pelo Jordão – coluna de pedras (Js 4.7).
b) Para a lembrança daquilo que Deus quer que o seu povo faça – Os mandamentos do Senhor:
- Lei dada a Moisés (Ex 24.4; 24.12 etc)
- Os dez mandamentos (Dt 6.6-9). Deveriam estar como sinal no próprio corpo e nas partes da casa.
c) Para testemunho diante do Senhor – Colunas erigidas como sinal de pacto ou gratidão:
- Pedra erigida por coluna (Jacó) (Gn 28.18, 22).
- Pedra erigida por coluna (Josué) (Js 24.26).
- Pedra erigida por coluna (Samuel) – “Ebenézer, … até aqui nos ajudou o Senhor” (1 Sm 7.12);
d) Para adoração ao Senhor, para prestar-lhe culto – Altar erigido por:
- Noé (Gn 8.20);
- Abraão (Gn 12.7; etc);
- Jacó, “Deus, o Deus de Israel” (Gn 33.20);
- Jacó, “El-Betel, porque ali Deus se lhe revelou” (Gn 35.7);
- Moisés, “O Senhor é a minha Bandeira” (Ex 17.15)
- Moisés (Ex 24.4);
- Gideão, “O Senhor é paz” (Jz 6.24).
e) Para habitação do Senhor e serviço – Tabernáculo e vestes sacerdotais:
- Todos os utensílios do Tabernáculo e do Templo são sublimes tipos de Jesus. Nada ali servia de memorial humano, quer dos patriarcas, quer de qualquer outro grande vulto do passado do povo judeu.
- É somente nas vestes sacerdotais que vamos encontrar memoriais, não a uma pessoa, mas à coletividade do povo, ali representado nas doze tribos (Ex 28.12, 29). a)nas ombreiras, para lembrá-lo de que ele deveria “carregar” o povo; b)no peitoral (sobre o coração, lugar de afeição), para lembrá-lo de que isto deveria ser feito com muito amor e compaixão.
f) Para perpetuar a memória de homens!?!? – Mau exemplo:
- Coluna erigida por Absalão para sua própria memória (2Sm 18.18).
II) MEMORIAIS NO NOVO TESTAMENTO:
O mais importante memorial do NT é a Ceia do Senhor – o memorial da redenção, cuja páscoa era o antitipo:
“E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. – (Lc 22.19)
“… e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.” – (1Co 11.24, 25)
É significativo que a igreja primitiva não tenha sido instruída a carregar num cordão, ou fixar num ponto qualquer, uma cruz, para memorial da morte de Cristo. Em lugar disso somos chamados à comunhão do pão e do cálice, elementos tão simples, mas com simbolismo tão profundo.
III) CONCLUSÃO:
Portanto, a Bíblia nos ensina que:
- Só o SENHOR, a SUA PALAVRA e o que ELE FEZ merece um memorial:
“Tu, porém, SENHOR, permaneces para sempre, e a MEMÓRIA do teu nome, de geração em geração.” (Sl 102.12)
“O teu nome, SENHOR, subsiste para sempre; a tua MEMÓRIA, SENHOR, passará de geração em geração.” (Sl 135.13)
“Divulgarão a MEMÓRIA de tua muita bondade e com júbilo celebrarão a tua justiça.” (Sl 145.7)
- A bênção do Senhor está condicionada a um correto tratamento desse assunto:
“…em todo lugar onde eu fizer celebrar a MEMÓRIA DO MEU NOME, virei a ti e te abençoarei.” (ÊX 20.24)
- A contribuição dos remidos do Senhor deve formar um fundo anônimo para uso na Casa do Senhor e no seu Reino.
“Tomarás o dinheiro das expiações dos filhos de Israel e o darás ao serviço da tenda da congregação; e será para memória aos filhos de Israel diante do SENHOR, para fazerdes expiação pela vossa alma.” (Êx 30.16).
“Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita” (Mt 6.3)
- Imagens de escultura? Nem pensar (Ex 20.2)!!!!!!
Quanto à questão de memoriais na igreja local gostaria de compartilhar o seguinte:
Quando vou a um enterro no Cemitério São João Batista, por exemplo, sinto-me incomodado o tempo inteiro com o que vejo. Suntuosos jazigos, revestidos de mármore, com placas bem trabalhadas mostrando nomes de pessoas ou da família. No mesmo cemitério, vê-se também sepulturas simples. O lugar dos mortos retrata fielmente o mundo dos vivos. Reflete a ótica da sociedade em que vivemos. Nada contra os legitimamente ricos e abastados!!!! Entretanto, enquanto uns jogam dinheiro fora, na sua luxúria, nos seus hobbies extravagantes, outros catam comida no lixo para não morrerem de fome.
Por outro lado quando vou a um cemitério do tipo Jardim da Saudade, sinto que aquele ambiente condiz com o que deveria ser a ótica e a prática cristã. Todos ali têm o mesmo tipo de sepultura simbolizando que são iguais perante Deus, pó que volta ao pó. Fico confortado com aquele memorial à Biblia, bem no meio do jardim, num nível mais elevado do que as sepulturas, com aquela magnífica promessa de ressurreição, proferida pelo Senhor Jesus: “Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim não morrerá, eternamente. Crês isto?” (Jo 11.25, 26).
Comparar igreja com cemitério é uma péssima idéia, desculpe-me por isso. Igreja é lugar de vida e cemitério de morte! Porém, aproveitando, com ressalvas, as duas imagens acima, termino dizendo que nós cristãos temos que parar com esse negócio de placas, memoriais e honrarias a homens e mulheres cristãos, sejam estes ricos ou pobres, famosos ou não, mártires ou não etc. O melhor que fazemos é nos orientar pela Bíblia, a Palavra de Deus e tomar muito cuidado com a flexibilização dos princípios claramente estabelecidos por Deus. Toda honra e glória devem ser tributadas apenas a Deus! Aos homens e mulheres de valor, basta o reconhecimento e gratidão, de forma verbal e, no máximo, o registro em carta ou livro de atas.
“Eu sou o SENHOR, este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra, às imagens de escultura.” (Isaías 42.8)
Soli Deo Gloria!